Cinco meses e meio depois de ter tomado posse como presidente do Sporting, Frederico Varandas fez pela primeira vez aquilo que descreveu  antes como “uma conferência para explicar a verdade sobre o Estado da Nação” verde e branca, onde deveria traçar a radiografia da atual situação do clube e da SAD em termos desportivos e financeiros. Mas foi mais além e, dentro dos primeiros dados disponíveis relativos à auditoria forense feita nos últimos meses à gestão de Bruno de Carvalho (confessando que não teve acesso ainda ao produto final), não poupou ninguém, do antigo líder (que entretanto já respondeu) às claques.

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Dois minutos antes da hora marcada, vários vice-presidentes e vogais da Direção entraram no auditório Artur Agostinho e ocuparam os lugares logo da primeira fila; pouco depois, ocuparam a mesa no palanque, além do presidente do clube verde e branco, os vices e também administradores da SAD Francisco Salgado Zenha, João Sampaio e Miguel Cal. À hora certa, digno de pontualidade britânica. Parte da mensagem deixada por Varandas já era esperada, face às notícias e comentários que tinham sido feitos ao longo da semana (a conferência foi marcado no passado sábado), mas o tom de algumas mensagens e o ataque aberto ao ex-líder para, no final, pedir estabilidade para os dirigentes poderem levar a cabo o “rumo traçado” – expressão usada várias vezes ao longo do discurso – acabou por ser a maior surpresa numa altura ainda tão precoce do mandato.

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“O que tenho a dizer sobre o livro de Bruno de Carvalho? Que eu estava a pensar candidatar-me desde 2016? Um mentiroso compulsivo será sempre um mentiroso compulsivo. É alguém que já obrigou duas vezes os sócios a saírem de casa para dizer que o lugar dele é longe do clube. Essas acusações são mais do mesmo, ridículas. Há muito tempo que digo que uma mentira repetida por 20 vezes não deixa de ser uma mentira. E volto a explicar a situação do pagamento das quotas: fui atleta do Sporting até aos oito ou nove anos, quando saí deixei de ser sócio, aos dez o meu avô fez-me sócio outra vez. Em 2016, tive a oportunidade de recuperar o número e paguei um ano de quotas. Se não fosse assim tinha 28 anos de sócio, podia candidatar-se as vezes que quisesse; com isso, passei a ter 38 anos de sócio”, atirou já no final da conferência Frederico Varandas.

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Antes, logo a abrir, o presidente verde e branco comentara quatro situações detetadas ao longo da gestão de Bruno de Carvalho entre março de 2013 e junho de 2018 numa auditoria forense que ainda não está acabada por haver temas relevantes por apurar – e que, como também foi explicado, “no final passará para o Conselho Fiscal e Disciplinar, que entenderá o que fazer com toda essa informação”. “Há uma coisa que respeitamos no Sporting: a separação de poderes”, explicou o número 1 leonino.

– Sociedade de Advogados MGRA. “Era a empresa onde trabalhava Alexandre Godinho, à data vogal do Conselho Diretivo. Em 2018 contrataram o sogro de Bruno de Carvalho para associado. O Sporting pagou 1,7 milhões em três anos, quando gastou menos com todas as empresas de advocacia nos últimos 16 anos. Gastou numa só empresa mais 50% do que com todas as outras em 16 anos. O nosso departamento jurídico não tem visibilidade sobre o trabalho que foi feito por eles. Segundo as faturas, o Sporting pagou 1,7 milhões por trabalhos como assuntos da presidência, agenda reunião Sporting, preparação de reunião, vários contactos com Bruno de Carvalho, ponto de situação, correspondência com o presidente, contactos com o presidente e aconselhamento ao presidente”;

– Xau Lda. “Houve um pagamento de 60 mil euros de brindes e ofertas e mais 20 mil por serviços de divulgação da marca Sporting junto da comunidade chinesa. O departamento de merchandising não conhece a empresa e a empresa fechou atividade após a realização desse pagamento”;

– Batuque FC. “Clube de Cabo Verde. Foi feito um contrato conferindo o direito de preferência do Sporting sobre sete jogadores pré-identificados. Não existe qualquer relatório do clube ou de terceiros sobre jogadores daquele clube. Em janeiro de 2018 foi solicitada pela SAD ao departamento jurídico uma minuta de acordo de resolução daquele contrato. Não obstante esse pedido, o valor de 230 mil euros foi liquidado em maio de 2018 e nunca foi restituído”;

– Claques. “Tinham direito a 865 bilhetes grátis por jogo e podiam comprar 1.000 a um preço mais barato, recebendo ainda 50% da quotização dos sócios inscritos nas claques. Desde 2013, a dívida passou de 115 mil euros para 746 mil euros, sendo quase tudo da JL [Juventude Leonina]”.

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“Deixem-me fazer aqui um parênteses nesta questão das claques. É legítimo criticarem a exibição da equipa? É. Mas também é legítimo eu criticar a exibição das claques. Não gostei da atitude que tiveram nos dois últimos jogos em casa. Querem um grupo com mais internacionais? Querem um grupo com maior talento da formação? Nós também. Mas sabem a principal razão de não termos um grupo assim? Eu lembro: 14 de maio de 2018 [n.d.r. 15 de maio de 2018], dia do maior rombo financeiro e desportivo do Sporting. Hoje, quando o clube se está a reerguer, voltámos a receber ameaças intimidatórias. Vejo exigências, vejo elementos de claques a protestar com sócios anónimos… Antes, havia excessos mas um amor puro pelo clube, um dar sem receber; hoje, não reconheço isso. Vejo um negócio. Enquanto aqui estiver, o Sporting não será refém de ninguém, nem de claques nem de ninguém. Ninguém está acima de um sócio anónimo que paga quotas e bilhetes”, destacou, prosseguindo antes de passar a palavra: “O Sporting só tinha 84 mil sócios pagantes em setembro, 93 mil tinham quotas em atraso e 39 mil não pagavam há mais de cinco anos. Queremos crescer com verdade, com 50% de sócios pagantes neste mandato”.

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O projeto do futebol, o investimento na Academia e o pedido de estabilidade

“O Sporting teve os dois maiores orçamentos da história nos últimos dois anos e ganhou uma Taça da Liga. Nos últimos cinco anos, ficou em três vezes no terceiro lugar. Em junho, o Sporting viu-se confrontado com a perda de cinco titulares e a principal promessa da formação. A Comissão de Gestão recuperou dois que tinham rescindido; depois, Bruno de Carvalho trouxe Viviano e Bruno Gaspar, a Comissão de Gestão contratou Diaby e Gudelj”, começou por referir Varandas sobre o futebol.

Também aqui, o presidente leonino não perdeu a oportunidade de apresentar aquilo que defende à luz do que foi feito no passado por Bruno de Carvalho, num leque de culpas que foi da política de contratações à falta de investimento na Academia. Para vencer, Varandas pediu tempo e estabilidade, ideia que repetiu por variadas vezes. E ainda acrescentou mais algumas medidas que passaram à prática na casa do futebol verde e branco mas que só terão resultados visíveis a longo prazo.

“Herdámos um plantel desequilibrado, com jogadores sem minutos mas uma massa salarial. O que queremos é ter um plantel equilibrado, com grandes figuras, mas onde todos possam jogar acrescentando qualidade e reduzindo os custos. Como? Com competência, trabalhando bem na formação e através de critério nas contratações. O mercado de janeiro diz muito sobre a forma como trabalhamos: entraram cinco jogadores [n.d.r. para o plantel principal, porque houve mais chegadas], saíram oito, a folha salarial foi reduzida em dez milhões de euros por ano e a qualidade do plantel aumentou. Nenhum senhor que está aqui vai receber um euro ou um cêntimo com isso, nenhuma contratação será investigada como a do Alan Ruíz, que começou por ser anunciada por 3,9 milhões de euros mas depois apareceu com oito milhões no Relatório e Contas”, disse. “A base do plantel será a formação mas, para isso, os miúdos terão de voltar a ser os melhores. Nos últimos cinco anos foram contratados 38 jogadores para a equipa B, nenhum chegou à equipa principal e a equipa B até desceu. Temos um gap nos internacionais entre os Sub-18 e os Sub-23 – se somarem os anos, também aqui são os tais cinco…”, acrescentou.

Sporting investigado por negócio de Alan Ruiz

“A pirâmide estava invertida, havia mais miúdos na Academia do que no Polo Universitário, plantéis demasiado grandes com miúdos que depois quase não jogam. Isso além do abandono das infraestruturas. Um relvado com mais de 16 anos quando a sua duração máxima deve ser de dez; a equipa de juniores e do futebol feminino a treinarem num sintético com buracos; os atletas da formação têm a mesma mobília 16 anos depois, os mesmos colchões, o mesmo ginásio, as máquinas de musculação rasgadas… Já implementámos uma direção técnica única. uniformizámos procedimentos, controlo do treino e informação trabalhada até aos juniores; a Unidade de Performance Sporting, o gabinete de formação e liderança com Tomaz Morais, um novo sintético, vamos construir mais quatro ou cinco campos. Nem Roma nem a Academia se reconstroem num dia, os frutos irão aparecer a médio ou longo prazo. Na formação não se compra, semeia-se, investe-se e depois colhe-se”, destacou.

Academia Sporting e o milagre da multiplicação: 15 anos, 36 títulos, 43 jogadores, 150 milhões

“Não se vence à custa do grito, da histeria, na base da ameaça, com demagogia, populismo ou venda de ilusões. Mas também não se vence só a bater com a mão no peito porque quando se trabalha mal durante a semana, não se ganha. Para trabalhar bem é imprescindível estabilidade. Sem estabilidade, ninguém vence ou luta pelo que quer que seja. Quantos anos têm os nossos rivais com estabilidade, quanto tempo demoraram a ganhar? Sabemos o que é preciso para transformar o Sporting num crónico candidato a ganhar. Quando se tem um rumo bem definido, não se treme, não se vacila, não se recua na primeira contrariedade ou na primeira queda. Se mudamos à primeira dificuldade, nunca vamos chegar a lado nenhum. Se continuamos a mudar tudo, se há histeria e pânico, este clube nunca mais sai deste ciclo vicioso de quase duas décadas que vai consumindo e destruindo o Sporting”, salientou antes do período de perguntas e respostas, utilizando uma ideia, a do “crónico”, que era muitas vezes referida a propósito do tempo dos Cinco Violinos por… Bruno de Carvalho.

Da gestão irracional do all in às poupanças feitas em janeiro

Francisco Salgado Zenha, vice e administrador da SAD para as finanças, utilizou também da palavra para falar num clube que, em setembro, “tinha uma situação de tesouraria muito difícil”, sobretudo pela necessidade de pagar o empréstimo obrigacionista que vencia em novembro. Em paralelo, falou de “uma dívida a fornecedores herdada e para pagar até junho de mais de 40 milhões de euros, a maior parte disso a clubes e agentes”. “A gestão foi completamente irresponsável. Para terem uma noção da dimensão, em janeiro estava a antecipar-se receitas futuras para comprar um jogador mas depois não havia dinheiro para pagar o ordenado e era preciso recorrer à conta que estava a ser para os VMOC”, comentou o dirigente.

“Não vi buraco ou anormalidade a nível contabilístico. Rescisões? Contactos com clubes têm sido positivos”

“Foi um all in mas o Sporting não é um jogo de póquer. Estamos a trabalhar dia e noite para resolver problemas que deviam ser resolvidos com muito mais tempo. Temos um plano financeiro feito, que vai permitir um plano sustentável para o Sporting a muito longo prazo caso seja cumprido. O caminho está trilhado, a seu tempo haverá novidades. Falando do mercado de janeiro, os planos de pagamento foram feitos de forma integrada pelo Sporting. Conseguimos uma redução significativa da massa salarial dos jogadores do futebol. Em termos líquidos, o que poupámos permite cobrir quem entrou e as transferências dos mesmos ao longo dos prazos de pagamento. Estamos também a preparar uma estratégia que temos para o futuro, com jogadores mais novos que possam também criar valor, não só desportivo mas também financeiro”, referiu Salgado Zenha.

As contas do Sporting: 12,375 milhões gastos, 4,4 milhões recebidos, Nani a custo zero e Renan garantido

“Os recursos humanos do Sporting são pessoas muito comprometida mas foram perdendo benefícios, seguros de saúde, nunca tiveram orçamento para formação, sistemas de avaliações, remunerações de acordo com o desempenho. Não tínhamos diretor de marketing, a cobertura do estádio não teve manutenção durante 13 meses que agora já adjudicámos, o hardware está fora de vida há anos que qualquer peça para substituir temos de ir buscar à sucata, foram vendidos 400 bilhetes no ano passado através da app… Havia um grande amadorismo na gestão anterior, a ponto do haver dinheiro transportado das bilheteiras em mochilas, sem sofrer de valores que custam 600 euros por mês, tinha de ser o senhor Orlando. Chegava a levar 200 mil euros para o banco assim”, destacou Miguel Cal, administrador com pelouro estratégico, de marketing e operacional.

“A otimização de custos é importante mas a sustentabilidade financeira do Sporting passa pelo aumento de receitas”

“Estamos a transformar a experiência do que é ser sócio, a fazer um plano de parcerias, a alargar a gama de merchandising, os núcleos já conseguem gerir bilheteira, queremos ajudar a melhorarem a sua imagem. Estamos a trabalhar em parcerias e em patrocínios, na internacionalização da nossa Academia que será a principal referência em alguns países na formação. As receitas estavam 10% abaixo, hoje estamos com 3% acima. No próximo será também o primeiro em que as cinco principais modalidades terão patrocínios nas suas camisolas”, acrescentou entre as medidas tomadas ou em curso.