Ao início da tarde — por volta das 14h em Portugal continental —, saía a notícia: um piloto português teria sido capturado por forças anti-governo na Líbia e fonte do ministério da Defesa garantia que o Governo estava a tentar “apurar” o que acontecera. Passadas nove horas, pouco mais se sabe.

Primeiro, foi difundido um vídeo do autodenominado Exército Nacional da Líbia — liderado por Khalifa Hafter, um antigo aliado de Kadhafi —que mostrava um homem ferido e alegadamente capturado a dizer que tinha 29 anos, que se chamava “Jimmy Reis” (houve quem escrevesse Jimmy Reiss ou Jimmy Rees, tal a dificuldade em perceber a pronúncia) e que era de Portugal.

Volvida a agitação inicial, a verdade é que nas horas seguintes nenhuma fonte alternativa aos alegados captores confirmou os relatos ou a identidade do homem que o Exército Nacional da Líbia afirmou ter capturado esta terça-feira.

Governo português não confirma nacionalidade de piloto alegadamente capturado na Líbia

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O governo líbio recusou pronunciar-se para já sobre o caso. O ministério da Defesa português garantiu não ter nenhum piloto na Força Aérea com este nome — o que já se esperava, dado que “Jimmy” foi acusado de ser um mercenário que trabalhava para o governo líbio e Portugal não possui caças Mirage F-1 como aquele que os rebeldes dizem ter abatido. Por sua vez, o Exército Nacional da Líbia não apresentou ainda qualquer dado biográfico relativo a Jimmy “Reis” (ou “Rees”), como a data de nascimento, origem ou historial. Eis o que ainda está por confirmar:

Foi mesmo capturado na Líbia um piloto, esta terça-feira?

Até para responder a esta pergunta são precisos mais dados, embora tudo indique que sim. Não tendo ainda havido uma confirmação independente de que as fotografias e vídeos (registados pelos alegados captores) divulgados esta terça-feira nas redes sociais foram tiradas e gravados no dia de hoje, o autodenominado Exército Nacional da Líbia anunciou ter “abatido uma aeronave militar das forças do Governo no sul de Tripoli e detido o seu piloto”, numa declaração enviada à agência de notícias italiana Agenzia Nova.

Em Gharyan, uma cidade que fica a perto de 80 quilómetros de Tripoli, “residentes” (no plural) afirmaram à agência Reuters que as forças militares de oposição ao governo líbio abriram fogo contra o avião e que “houve uma explosão” quando este caiu. Os relatos dos alegados captores apontam para que o piloto tenha conseguido saltar de pára-quedas e tenha ficado ferido na sequência da aterragem. “O avião foi abatido na cidade de Al-Hira (a 10 quilómetros de Gharyan) e vi tropas do Exército Nacional da Líbia a capturarem o piloto”, avançou um morador da região, não identificado, à mesma agência de notícias. O governo do país não confirmou a captura do piloto e abate do avião, mas não negou os acontecimentos.

O piloto capturado é português?

Essa é talvez a grande dúvida ainda por esclarecer. Num vídeo difundido nas redes sociais, é possível ver um homem, supostamente capturado esta terça-feira, a afirmar que se chamava “Jimmy Reis” ou “Jimmy Rees”, com um sotaque difícil de identificar — os correspondentes da Reuters em Lisboa “disseram que o homem a falar não parecia português”.

Uma fonte do Ministério da Defesa já adiantou ao Observador que o homem em questão não é um piloto das Forças Armadas Portuguesas — o que não significa que não tenha origem ou passaporte nacional. O Ministério dos Negócios Estrangeiros português também ainda não confirmou se há algum “Jimmy Reis” com nacionalidade, passaporte ou ascendência portuguesa — disse apenas, ao final da noite, que a origem portuguesa do homem que aparece nos vídeos do Exército de Libertação Nacional é um facto que “ainda não está confirmado”.

Os alegados captores não parecem ter dúvidas. Num comunicado enviado à Agenzia Nova, assinado pelo porta-voz do grupo rebelde Khaled al-Mahjoub, o homem é apresentado como português: “O piloto português será bem tratado de acordo com as éticas militares de tratamento de prisioneiros e de acordo com a Lei Humanitária Internacional”, apontam. Falta agora uma segunda fonte além dos rebeldes confirmar a nacionalidade e origem do piloto alegadamente capturado.

Já ao The Independent, um porta-voz não identificado do grupo que capturou “Jimmy” afirmou que o autodenominado Exército Nacional da Líbia capturou um “piloto que vinha de Portugal” e garantiu que este está “seguro [e a ser] tratado devido a feridas causadas pela queda”.

Num novo vídeo difundido já durante a noite (horário de Portugal continental), é possível ver o alegado piloto a ser questionado pelos presumíveis captores. Neste vídeo, é perguntado ao homem, ainda com ferimentos visíveis, se é espanhol. A resposta deste é impercetível. É então interpelado em italiano, mas percebe-se apenas que um dos alegados captores se apresenta perante ele como um “general”.

O que estava “Jimmy” a fazer perto de Tripoli?

Num dos vídeos que se seguirá à captura, o homem que o Exército Nacional da Líbia diz ter como prisioneiro pareceu afirmar estar no país para “destruir estradas e pontes”, tendo assinado um “contrato civil” com um homem que apenas conseguiu identificar como “Hadi”.

O Exército Nacional da Líbia não tem dúvidas: trata-se de um piloto que “foi recrutado pelo governo de Sarraj” — isto é, pelo Governo de Acordo Nacional da Líbia, que gere o país com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) — como “mercenário para bombardear os líbios em troca de dinheiro”.

Parece estranho um piloto internacional ser requisitado para bombardear a Líbia, mas a acusação de que há mercenários estrangeiros a trabalhar para o Governo de Acordo Nacional do país é antiga. Em maio de 2017, fontes do Exército Nacional Líbio avançaram que “mercenários estrangeiros” andavam a ser recrutados para esse efeito. O Coronel Ahmed Almesmari, do Exército Nacional de Líbia, falou em 11 mercenários que tinham entrado recentemente em território líbio, nomeadamente nas cidades de Misrata e Mitiga, incluindo “nove técnicos de aviação do Equador, um piloto ucraniano e um especialista em mísseis da Georgia”. A informação foi confirmada à data ao meio de comunicação com sede em Londres Middle East Eye por “uma fonte próxima da missão internacional na Líbia”, que pediu para “se manter sob anonimato”.

A contratação de mercenários, se fosse confirmada, violaria as resoluções das Nações Unidas (que apoia o atual governo) relativamente ao controlo de armas no país, apontava ainda à data o Middle East Eye. Em 2015, de acordo com o mesmo meio de comunicação, uma empresa ucraniana chamada Glissada — “especializada no fornecimento de “peças soltas para aviões e helicópteros de vários países” — começou à procura de pilotos e técnicos com experiência com os aviões caça Mirage F1 para “trabalhos a tempo inteiro” em África. Os primeiros “mercenários estrangeiros” terão aparecido na cidade de Misrata, na Líbia, em junho de 2015, acrescentava o Middle East Eye. Um deles “recusou bombardear tropas do Exército Nacional da Líbia” enquanto o outro, “um equatoriano”, terá “levado a cabo vários ataques aéreos” contra as forças rebeldes.

Embora não tenha sido ainda confirmado por outras entidades além dos alegados captores e de “Jimmy” (perante as câmaras, mas em condições desconhecidas) que este estava na Líbia contratado como mercenário para bombardear as forças de oposição lideradas por Khalifa Hafter, não terá sido o primeiro português a trabalhar como mercenário no país. Em 2016, um outro português morreu quando conduzia um caça Mirage F1 no país, não se tendo apurado a serviço de quem. Num relatório do painel de peritos da ONU sobre a Líbia, para o Conselho de Segurança deste órgão, datado de 1 de junho de 2017, era referido que um cidadão que morreu na sequência de uma queda tinha nacionalidade portuguesa e era “residente permanente na Alemanha”. A ONU acrescentava que não tinha sido possível “encontrar pistas relevantes sobre as entidades que o terão contratado e pago pelos seus serviços na Líbia”.