O arquiteto Álvaro Siza destacou esta segunda-feira, numa conferência, em Carcavelos, a urgência do direito à habitação para todos, como uma forma de garantir a felicidade coletiva no âmbito da criação em arquitetura.
Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura, ambos vencedores do prémio Pritzker, o maior para a arquitetura, foram convidados a participar nas Conferências do Estoril 2019, no painel “Prémios Pritzker sobre Arquitetura e o direito à felicidade”, com moderação da professora de arquitetura Eduarda Lobato de Faria.
Ambos sublinharam a gratidão que sentem quando pensam no contributo dos seus projetos para a felicidade coletiva.
“O mais urgente é o direito à habitação para todos, mas é preciso saber de que maneira se pode conseguir alcançar isso”, disse Álvaro Siza, referindo-se aos seus projetos de habitação social, nomeadamente no Porto, e também aos projetos que desenvolveu em Berlim e em Haia, onde a população local era de mais de 50 por cento de imigrantes.
O Prémio Pritzker 1992 disse ainda que, neste “mundo muito vasto e ambicioso, onde há desigualdades, continua a existir uma preocupação em construir habitação social”.
“O servir [como arquiteto] significa diálogo”, sustentou o arquiteto cuja carreira ficou marcada pelo projeto SAAL – Serviço Ambulatório de Apoio Local, nascido da Revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal, num programa pioneiro para alojar milhares de pessoas em vários distritos do país.
Para Álvaro Siza, o mais importante é, justamente, esse diálogo para a construção da habitação: “Conversamos com a família e vamos encontrando os desejos do que é o conforto para aquelas pessoas”, disse o arquiteto distinguido também com o Leão de Ouro da Bienal de Veneza e com o Prémio Mies van der Rohe, entre outras distinções.
“A beleza sintetiza tudo o que se consegue na arquitetura, e depende de quem vai ali viver, da sua experiência de vida. Enquanto uns gostam da penumbra, outros querem muita luz”, apontou o criador, acrescentando que “a chave para qualquer problema de arquitetura está no diálogo com quem a vai habitar”.
Álvaro Siza esteve na semana passada em Nova Iorque, para uma conversa pública sobre arquitetura a que assistiram mais de 200 pessoas, no Lincoln Center, em Manhattan, onde irá ser construída uma torre residencial de 120 metros de altura, que projetou.
Para Eduardo Souto de Moura, outro dos grandes nomes da arquitetura da chamada Escola do Porto, também premiado com o Pritzker e pela Bienal de Veneza de Arquitetura, com o Leão de Ouro, o conceito de felicidade passa igualmente pela vivência do bem-estar coletivo, mas também do próprio arquiteto.
“O autor tem de estar feliz para promover a felicidade dos outros”, sustentou Souto de Moura, que, ao contrário de Siza, tenta imaginar que está a construir sempre para si próprio e não para os outros.
Para o arquiteto portuense, no entanto, “a arquitetura é um ato social, e há a questão da responsabilidade social, se o coletivo adere àquele objeto construído”, pelo seu criador.
“Claro que ficamos mais felizes quando o coletivo adere à obra”, disse, ressalvando, no entanto, que tudo começa pelo autor.
“Não tenho vergonha em dizer que tudo começa por nós, os autores”, disse Souto de Moura, numa intervenção muitas vezes marcada pelo humor.
Quanto às obras que mais satisfação lhe deram criar, o Pritzker 2011 nomeou o Metro do Porto e o Estádio de Braga.
“O Metro do Porto dá-me muita satisfação porque melhorou a vida das pessoas, a sua acessibilidade; e ao Estádio de Braga – o projeto que mais gostei de fazer – o coletivo aderiu”, revelou sobre a obra criada a tempo do Euro2004.
Na opinião do arquiteto, também autor, entre outros, da Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, o máximo que se pode atingir de felicidade em arquitetura é o Partenon, edifício classificado Património Mundial, localizado em Atenas, na Grécia.
“De grande beleza, inserido na acrópole, domina tudo em seu redor. É uma simbiose única”, justificou.
Souto de Moura comentou ainda que os critérios do arquiteto – que procuram uma estética que marque a História da Arquitetura – muitas vezes nada têm a ver com o que os clientes pretendem.
“O arquiteto tende a criar uma arquitetura universal, com critérios estéticos que muitas vezes não alinham com as vontades dos clientes. Nestes casos, a felicidade do arquiteto deve ser enorme, a felicidade do cliente deve ser horrível”, disse, provocando o riso numa audiência com algumas centenas de pessoas, e muitos jovens estudantes de arquitetura.