Não tinha o apelido de Pavón mas nem por isso deixava de simbolizar aquilo que foi uma política bem definida (e discutida) no Real Madrid no início do século, por sinal na primeira passagem de Florentino Pérez pela presidência do clube. A ideia era clara: investir todos os anos em pelo menos um galáctico, uma estrela capaz de fazer a diferença dentro e fora do campo a nível das receitas via merchandising, e equilibrar o plantel com jogadores que viessem da cantera dos merengues – não só para equilibrar os orçamentos mas também para haver uma ligação mais próxima aos valores do gigante espanhol. Numa expressão, estávamos na era dos “Zidanes e dos Pávones”. E Raúl Bravo foi um bom exemplo desse plano.

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Como um dia foi descrito num perfil do El País, Raúl Bravo era um jogador que parecia andar sempre meio perdido quando saía do seu habitat natural das quatro linhas. Fosse pela infância complicada que atravessou, fosse pela incapacidade estrutural de perceber um clube com a dimensão do Real Madrid, o defesa nem sempre percebeu o que era aquele fenómeno onde estava inserido mas compensava com uma dedicação e uma vontade que fizeram com que fosse aceite e até mais acarinhado por todos os adeptos blancos até determinado momento, mais concretamente em 2006, onde esse projeto desportivo faliu. No ano seguinte, foi para a Grécia. Ainda voltou a Espanha mas a carreira estava em queda. Deixou de jogar em 2017 quando tinha ligação ao Aris Salónica e esta terça-feira foi detido por alegadamente liderar uma rede de apostas ilegais.

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Depois de ter começado a jogar nos amadores do Almoines, esteve com 14 anos no Club Fútbol Gandia, da localidade onde nasceu, e tornou-se o mais novo de sempre a marcar da Segunda B de Espanha, com apenas 15 anos e 280 dias. Se já na altura estava no radar do Real Madrid, aí assinou de vez com os merengues para cumprir mais algumas épocas na formação sempre com a perspetiva de um dia dar o salto para o conjunto principal. Gostava muito de futebol mas, desde o primeiro momento, teve como maior preocupação ajudar a família a sair da pobreza e do bairro problemático onde cresceu. Já com 20 anos, pediu mesmo um empréstimo ao clube para poder comprar uma casa para a mãe e irmãos mais novos.

Estreou-se na temporada de 2001/02 pelo Real Madrid. Perante a lesão de Roberto Carlos, o indiscutível da lateral esquerda, foi opção de Vicente del Bosque com 20 anos e realizou 14 jogos pela formação principal, fazendo parte da equipa que tinha Zidane (que decidiu o jogo decisivo com o Bayer Leverkusen com um dos melhores golos de sempre em finais), Figo, Raúl, Hierro, Steve McManaman, Roberto Carlos ou… Casillas, que entrou para o lugar de César nessa partida de Glasgow que valeu uma Liga dos Campeões para o currículo de Bravo. Na época seguinte, apesar de ter conseguido um Campeonato e uma Supertaça Europeia, andou ainda perdido no elevador entre equipa A e B (acabou mesmo por ser emprestado durante seis meses aos ingleses do Leeds United) mas em 2003/04, com Carlos Queiroz no comando, afirmou-se de vez e numa posição onde não era frequente: central, ao lado de Helguera, para explorar a sua velocidade e poder subir a linha defensiva.

Raúl Bravo ganhou dois Campeonatos e uma Champions entre cinco título no Real Madrid entre 2002 e 2007 (RAFA RIVAS/AFP/Getty Images)

Essa temporada, mesmo terminando apenas com a vitória na Supertaça, acabou por ser a melhor e mais regular de Raúl Bravo, que foi chamado por Iñaki Saez ao Campeonato da Europa de 2004, em Portugal, onde a Espanha acabaria por ser eliminada na fase de grupos após a derrota por 1-0 com a Seleção Nacional (golo de Nuno Gomes). Em mais três anos em Madrid, ganhou outro Campeonato e acabou por aceitar a primeira aventura no estrangeiro, assinando pelos gregos do Olympiacos para poder manter-se numa formação que disputasse a Liga dos Campeões. Tricampeão nos helénicos, onde ganhou ainda uma Taça, foi cedido por empréstimo ao Numancia em 2008/09 e voltou de vez a Espanha em 2011/12, para o Rayo Vallecano.

Com pouca utilização no conjunto também de Madrid, teve uma passagem pela Bélgica (Beerschot), jogou na 2.ª Divisão de Espanha (Córdoba) e mudou-se de novo para a Grécia, onde jogou no Veria e no Aris Salónica, aqui já no escalão secundário do país, até concluiu a carreira em 2017, com 36 anos. No final, ficou a imagem de um jogador que nunca se destacou propriamente pela capacidade técnica, que foi melhorando os problemas de posicionamentos táticos mas que compensava essas debilidades com entrega, força e velocidade, o que lhe valeu tantas épocas no Real Madrid e 12 internacionalizações por Espanha. Até hoje, o único problema fora de campo que se conhecera foi um caso em 2004, quando foi apanhado como copiloto num carro de luxo que tinha sido dado como roubado; agora, 15 anos depois desse episódio, voltou a ser falado por razões bem piores.

Além de Bravo, o alegado cabecilha de um grupo envolvido em apostas ilegais na 1.ª e 2.ª Divisões espanholas de futebol, foram também detidas mais cinco pessoas, como descreve a Marca: Borja Fernández, que jogou também no Real Madrid com o antigo campeão europeu e que terminou a carreira esta época pelo Valladolid; Iñigo López, defesa de 36 anos que passou pelo Atl. Madrid B e que estava agora no Deportivo da Corunha; Carlos Aranda, antigo avançado que terminou a carreira em 2015 no Numancia e que tem o recorde de equipas que representou na Liga espanhola; Agustín Lasaosa, presidente do Huesca; e Juan Carlos Galindo Lanuza, responsável pelos serviços médicos do mesmo clube.