Foi um bocado sinistro eu ter escolhido o fim-de-semana das porventura mais importantes eleições europeias de sempre para ter começado a ver “Years And Years”, o novo original da BBC, por cá disponível na plataforma HBO. É que a mais recente série de Russell T Davis (também criador de uma das mais populares reinvenções de sempre do mítico “Dr Who”) é uma espécie de injeção de ansiedade com a agulha cravada mesmo no meio do peito, um retrato porventura certeiro de um futuro caótico onde nenhum de nós quer estar, mas para o qual o atual GPS geopolítico nos conduz sem sequer abrandar nos sinais vermelhos.

O drama — de apenas seis episódios — mostra a vida de uma família de Manchester entre 2019 e 2034. É mundo onde o Brexit lá se efetivou, o Trump ganha um segundo mandato (e é seguido por Pence, numa espécie de terceiro mandato não oficial), a China é a maior potência do mundo, os ataques nucleares inundam noticiários, a tecnologia descarta cada vez mais a utilidade do banal ser humano e uma nova crise de refugiados assola a Europa. Uma espécie de “Black Mirror” já alegremente a decorrer, progressiva mas determinadamente.

Se a distopia da série da Netflix já o fizer afogar-se em angústia pré-apocalíptica, “Years And Years” poderá ser a amona fatal, mesmo quando os diálogos são espirituosos, na mais witty tradição britânica. É que até a música do genérico final, da autoria de Murray Gold, causa uma aceleração talvez indesejada do batimento cardíaco.

[o trailer de “Years and Years”:]

Aliás, as críticas, apesar de bastante favoráveis – 83 por cento no Rotten Tomatoes, o mais completo agregador de críticas de público e especialistas – andam de mão dada com espectadores que se sentem tão desconfortáveis que optam por não passar do primeiro episódio. É que nada é deixado ao acaso a nível de detalhe e verosimilhança. Por exemplo: logo no primeiro episódio, que arranca em 2019, um dos personagens ouve um noticiário no autorrádio enquanto conduz. Uma das notícias dá conta da morte de Doris Day, facto verídico que aconteceu literalmente na véspera da estreia de “Years And Years”. Ajuda das cartas da Maya? Não, apenas uma inteligentíssima opção de edição, que foi simplesmente buscar um noticiário real para colocar naquela cena mesmo antes da sua emissão.

E quem são os personagens desta espécie de “This Is Us” politizado? Os Lyon têm tanto de família relacionável de classe média como de arquétipos sociais que vêm mesmo a calhar para representar o estado do país e do mundo. O núcleo central é composto por quatro irmãos com uma relação bastante próxima: Stephen, um analista financeiro casado e com duas filhas; Daniel, que vive com o namorado e trabalha em habitação social com os refugiados; Rosie, uma sempre bem-disposta mãe de dois filhos de produção independente; e a ativista política Edith. Não sabemos detalhes sobre os seus pais, apenas que a grande matriarca da família é a avó Muriel. Paralelamente, vemos a ascensão de Vivienne Rook (uma impecável Emma Thompson), uma empreendedora com algum destaque televisivo que acaba por fundar o seu próprio partido.

O partido de Rook chama-se Four Star Party (um nome a lembrar demasiado o Movimento Cinco Estrelas, em Itália) e é um lembrete assaz pertinente de que os partidos populistas não têm uma ascensão meteórica, mas sim gradual. É como a lagosta viva que é colocada na panela com a água ainda fria apenas para não sentir que a temperatura está a subir até a cozer. É assim série para se estar atento, até porque é exactamente sobre as coisas às quais devemos estar atentos. Como diz Daniel: “I used to be bored by politics. Those were the days.”

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