Na antecâmara do arranque da final da NBA, Draymond Green, uma das principais estrelas dos Golden State Warriors, deu nas vistas quando, sentado numa conferência de imprensa, nomeou os 34 nomes de jogadores que foram escolhidos à sua frente no draft de 2012. Mas não ficou por aí. Questionado sobre as razões que o levaram a considerar-se o melhor defesa de sempre da competição, o extremo poste de 29 anos teve um discurso de quase dois minutos para explicar que “a grandeza não surge apenas por engano e para se ser grande é preciso começar a pensar que se é o maior de todos”. Sem Kevin Durant, ainda lesionado, era nele que recaíam muitas atenções no jogo 1 das decisões, em Toronto; no final do encontro, foi o Draymond Green dos Raptors, Pascal Siakam, que se destacou e com números históricos. O mesmo jogador que, esta semana, tinha recusado essa comparação: “Não quero ser o próximo Draymond Green, quero ser o novo Pascal”.

Até esta sexta-feira, apenas quatro jogadores tinham conseguido marcar 30 ou mais pontos no jogo de estreia em finais da NBA nas três épocas iniciais desde 1970: Kareem Abdul-Jabbar (1971), Julius Erving (1977), Hakeem Olajuwon (1986) e Tim Duncan (1999). E também somente sete alcançaram esse registo com uma percentagem de lançamento de 80% ou superior: Kareem Abdul-Jabbar, James Worthy, Adrian Dantley, Michael Jordan, Toni Kukoc e Shaquille O’Neal. Com 32 pontos, oito ressaltos e cinco assistências, Pascal Siakam entrou na história do jogo. Mas é a sua história pessoal que está a dar que falar.

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Nascido em Douala, sendo o mais novo de quatro irmãos (e com mais duas irmãs), Pascal nunca teve propriamente um especial gosto pelo basquetebol. Ao invés, sonhava tornar-se jogador de futebol olhando também para aquilo que via em casa com Boris, Christian e James. Aos 11 anos, foi dos jogos com amigos que mais sentiu falta quando entrou no seminário. Não queria mas respeitou a tradição e recusou apenas uma vez perante a insistência do pai, que trabalhava numa empresa ligada ao trânsito antes de ser presidente da cidade de Makénéné. Longe da família e de casa, foi chorando cada vez menos. E menos. A certa altura, o seminário tornou-se parte da sua vida, como contou num artigo na primeira pessoa que escreveu no The Players’ Tribune.

Em 2012, acabou a formação mas, um ano antes, participou num campo de verão organizado por Luc Mbah a Moute, extremo camaronês que esteve esta época nos Los Angeles Clippers após passagens por Milwaukee Bucks, Sacramento Kings, Minnesota Tiberwolves, Philadelphia 76ers e Houston Rockets. Foi apenas por graça, apesar da mudança dos três irmãos do futebol para o basquetebol que lhes valeu a ida para os Estados Unidos com bolsas de estudo, e caiu em graça, o que lhe valeu um convite para ir ao campo “Basquetebol Sem Fronteiras” na África do Sul. Aceitou, foi e isso contribuiu para que, quando tinha 15 anos, deixasse cair a nova ambição de vida que tinha começado a criar: estudar para ser sacerdote. Masai Ujiri, presidente dos Toronto Raptors que esteve em África nessa altura para observar esses testes, não mais se esqueceu do seu “esforço memorável”.

Pascal Siakam esteve três anos na Universidade de New Mexico State antes de entrar na NBA (Ronald Martinez/Getty Images)

Na África do Sul, passaram à sua frente jogadores como Serge Ibaka (que ainda hoje é seu companheiro na equipa canadiana) ou Luol Deng. Todos os miúdos quiseram tirar fotografias ou pedir-lhes autógrafos. Pascal não sabia quem era. Nos Estados Unidos, onde aterrou em 2013 para entrar na Universidade de New Mexico State, perguntaram-lhe se queria um burrito, caso tivesse fome. Educado, disse timidamente que não sabia o que isso era. Com 18 anos, Pascal não tinha pedigree de basquetebol e a sua visão do mundo era ainda limitada. Em 2016, colocou-se como elegível para o draft. Valeu-lhe, como quem trabalhou com ele mais de perto nessas três épocas de crescimento, uma formação e uma dedicação acima da média. Isso e um fator extra que explica a frase “jogo por algo maior do que o basquetebol” que deixou no final da vitória com os Warriors, como contou a ESPN.

Em 2014, o extremo/poste recebeu uma chamada de uma das irmãs, Raissa. A conversa, com poucas palavras, não mais foi esquecida por Pascal. Nem isso nem o que se seguiu nos dias seguintes: o pai teve um acidente de carro, foi hospitalizado em estado grave, acabou por falecer quatro dias depois mas o jogador não conseguiu ir ao funeral por temer que, no regresso, a sua entrada nos Estados Unidos fosse vetada, uma vez que estava ainda a tratar do seu visa card. A custo, acabou por aceitar a recomendação da mãe e dos irmãos e ficou a sofrer à distância. A partir daí, não só conseguiu cumprir o sonho do pai em ver pelo menos um dos seus filhos a entrar na NBA como foi subindo degraus até à notoriedade que está a ter agora, após tornar-se a peça chave dos Toronto Raptors para vencerem o primeiro encontro de sempre da final da NBA realizada no Canadá (118-109).

Ainda assim, é do rapper Drake que se fala – e ele faz por isso. Apesar de ter sido repreendido pela NBA pelo comportamento que teve durante a final da Conferência Este com os Milwaukee Bucks, o canadiano e fervoroso adepto dos Raptors acabou o jogo pegado com Green mas já antes tinha trocado algumas palavras mais azedas com Stephen Curry, principal estrela dos Warriors e filho de Dell Curry, que fez as três últimas épocas na NBA em Toronto (de 1999 a 2002) e foi recordado por Drake, que assistiu ao primeiro jogo da final com o seu equipamento. Mais surreal ainda, o rapper arrancou alguns fios de cabelo a Stephen Curry e, menos de 24 horas depois, colocou-os à venda no eBay num leilão que já vai quase nos 100 mil euros…

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