A maioria dos portugueses defende que as decisões políticas devem ser tomadas tendo em consideração o bem-estar das gerações futuras, embora apenas uma minoria esteja disposta a adotar, no presente, medidas que afetem a geração atual em benefício das próximas.
A conclusão é de um estudo da Fundação Calouste Gulbenkian sobre as perceções da população portuguesa àcerca das preferências intergeracionais, apresentado esta quarta-feira e que faz parte de um projeto intitulado “De hoje para amanhã”, dedicado a estudar a justiça intergeracional em Portugal.
No estudo são apresentados vários indicadores relacionados com o tema que permitem aferir a opinião de portugueses de várias gerações sobre este fenómeno. Por exemplo, a maioria dos inquiridos (77%) defende que cada geração deve transmitir para a geração seguinte mais recursos do que aqueles que recebeu da geração anterior. E também não hesitam em apontar o dedo aos decisores políticos, com 41% dos inquiridos a considerar que estes têm uma baixa preocupação com os interesses das gerações que ainda não nasceram.
Porém, quando questionados sobre a aplicação de medidas concretas que possam prejudicar a geração atual de forma a beneficiar as próximas, a resposta não é tão óbvia. Por exemplo, apenas 25,1% dos inquiridos concorda com a aplicação de mais taxas e impostos às gerações presentes que restrinjam o consumo de bens e promova o uso de energias renováveis — contra 50,6%, que discordam.
Também 52,9% discorda do aumento dos “impostos para investir em novas tecnologias que garantam às gerações futuras um meio ambiente pelo menos igual ao das gerações presentes” — face aos 24,5% que concordam. Já quando questionados sobre se as gerações futuras devem aprender “a viver com menos” e a utilizar “menos recursos e energia”, a maioria (57,9%) concorda.
A tendência mais evidente é a de que os inquiridos concordam maioritariamente com medidas de proteção das gerações futuras que não afetem o bolso das gerações atuais. Por exemplo, 82% concorda com a imposição de limites ao endividamento público — ou seja, a criação de um tecto máximo para a dívida pública. A grande maioria (67%) concorda também que o Estado não deve privatizar o património “para financiar os gastos de hoje porque assim as gerações futuras ficarão sem estes ativos”.
Já quando questionados sobre a possibilidade de as heranças serem taxadas para criar “um fundo a ser usado por gerações futuras”, 50% discorda e apenas 8% concorda. Uma parte significativa (42%) defende que a aplicação desta taxa deve depender da riqueza do recetor da herança ou do montante da herança.
Ao mesmo tempo, mais de dois terços (68%) dos inquiridos concordam com a criação de um organismo estatal dedicado exclusivamente à defesa dos interesses das gerações futuras.
A grande maioria dos inquiridos também discorda da possibilidade de mudar o sistema eleitoral português — 72,91% defende que a idade mínima para votar deve continuar a ser os 18 anos e 79% discorda da possível implementação de uma medida que daria aos pais um voto adicional por cada filho menor.
O estudo que traça a realidade atual do país quanto à questão da justiça intergeracional é o primeiro passo do projeto “De hoje para amanhã” da Fundação Calouste Gulbenkian. O objetivo é “desenvolver e divulgar uma série de estudos, análises e propostas que promovam, junto dos decisores políticos e dos cidadãos, a consciencialização sobre os compromissos assumidos hoje e o seu impacto nas gerações de amanhã”.
Na prática, com o projeto, coordenado por Luís Lobo Xavier, diretor do Programa Gulbenkian Sustentabilidade, a Gulbenkian vai criar um instrumento para estimar o impacto das principais políticas públicas nas gerações futuras. Até ao final do ano, serão feitos estudos sobre habitação, mercado de trabalho e dívida pública. O plano é avançar depois para as questões do ambiente.
A Fundação quer também analisar a implementação de políticas de longo prazo, para perceber o que fez com que tivessem — ou não tivessem — sucesso, em áreas como a saúde ou a natalidade, por exemplo.