Já lá vai o tempo em que o segredo era, de facto, a alma do negócio. Num mundo globalizado, a criatividade e as ideias conhecem ainda menos fronteiras do que a própria economia. Por um lado, um momento decisivo em que a opção pelo local e pelas relações de proximidade ganham novos atrativos. Por outro, a demanda por transparência dá sinais de querer ditar o futuro, um futuro que Gonçalo Prudêncio antecipou e projetou numa empreitada de design muito anterior à criação da sua própria marca. A Ghome nasceu em 2016, decidida a encurtar e simplificar a cadeia (quase sempre complexa) percorrida por uma peça, desde o momento em que é só um esboço mental na cabeça do designer ao dia em que entra em casa do cliente final.
Gonçalo Prudêncio terminou o curso de Design, na Faculdade de Arquitetura, em Lisboa, no ano 2000. Prosseguiu estudos em Milão, seguiu para Roterdão para um estágio e acabou a trabalhar na Dinamarca (onde agora voltou para participar num festival de design, o 3daysofdesign). Hoje, justifica a itinerância com o magnetismo das mecas do design. Após seis anos fora, regressou e estabeleceu-se por conta própria na capital. “Lisboa é uma cidade para reformados. É bonita, mas vibra pouco a nível profissional”, reitera ainda hoje. Nessa altura, passava metade do tempo em Berlim. O negócio faliu em 2009 e em 2011 assentou definitivamente em Portugal. A crise fê-lo questionar-se enquanto designer e empreendedor. No meio do caos, despertou para uma nova forma de fazer e pensar o design. Retomou a vida de atelier, valorizando o que o país lhe proporcionava, mas também tirando partido das novas tecnologias. O designer que, em tempos, trabalhou indiretamente com grandes empresas como Ikea e Vista Alegre, recomeçou em nome próprio e deu-se bem.
“Para mim ainda era só um projeto, para as pessoas já era uma marca. Nunca esperei que o sucesso viesse tão rápido”, admite Gonçalo, em conversa com o Observador. Hoje, a Ghome tem uma loja online, onde os produtos estão ao alcance de qualquer cliente, em qualquer parte do mundo, mas não foi sempre assim. Durante anos, o escritório deste designer esteve voltado para projetos à medida. O primeiro a criar grande impacto chegou em 2012 e fê-lo desenhar quase todo o mobiliário da renovada Herdade do Esporão. Logo a seguir, a cafetaria do Data Center da Covilhã, da autoria do arquiteto Carrilho da Graça. Passo a passo, enriqueceu currículo e portefólio. Algumas dessas peças, continuam hoje a fazer parte do catálogo da marca.
À exceção da cadeira Alentejo, produzida no Porto, e da linha Barro, fabricada nas Caldas da Rainha pela óbvia abundância de matéria-prima, tudo o resto é feito nas imediações do atelier, em Sintra. A oficina mais distante fica a dez minutos de carro. Do impacto social à pegada ambiental, a marca foi pensada para ser assim, limpa e descomplicada. Gonçalo nem sempre trabalhou no seu país, voltou quando viu que o mercado abria uma brecha e que Portugal era, afinal, uma incubadora cheia de especificidades. “A certa altura, apercebi-me de que havia pequenas marcas que eram autênticas agências de comunicação. Contratavam os designers e quem produzisse e isso tornava-as mais ágeis no mercado. Em Portugal, temos uma manufatura de pequena escala e com grande qualidade. Eu, além disso, tinha a vantagem de poder produzir perto”, refere.
Em vez de uma longa cadeia até entrar com o produto na casa do cliente, Gonçalo conseguiu cingir-se ao essencial: criar, produzir e vender. As próprias matérias-primas são maioritariamente portuguesas, da madeira de Acácia, espécie invasora da Serra de Sintra, ao mármore de Estremoz; do pinho à cortiça, ambos recursos nacionais. “Desde o início que quis estar mais atento ao impacto nas pessoas e no planeta, mesmo que, na altura, isso fosse ainda uma questão um bocado exótica. Hoje, posso dizer que gasto menos recursos, garanto o controlo da qualidade e a possibilidade de personalização das peças e torno o produto mais acessível”, completa o designer.
Com a criação da Ghome, momento que Gonçalo considera ser o oficializar de um percurso de criação em nome próprio, o mobiliário ganhou complementos. Vieram as bases para quentes, as tábuas de cortar, os candeeiros e os utilitários em barro para servir à mesa. “Depois de anos a trabalhar para grandes marcas sem ver um tostão, em dois anos, vendi 1000 peças de mobiliário e, em três meses, à volta de 800 acessórios”, admite. Quanto ao lançamento de novos produtos, a sustentabilidade, não só a nível ambiental, é uma lei sagrada. “Não estou constantemente a lançar produtos, vai contra a génese da marca”, afirma, ao mesmo tempo que demonstra um apetite especial por ver nascer novas marcas e estúdios de design. “Não quero cobrir todos os milímetros da casa. É da maneira que não há casas iguais a catálogos”, conclui.
No que toca ao estilo, este designer é o resultado das influências acumuladas. “Não pode ser nada muito datado, os netos ainda vão querer ter estas peças em casa. Além disso, evoluímos para uma sociedade em que o decorativo já é outra coisa, também tem de ter uma função”, afirma. Os planos são fazer crescer a Ghome para um espaço físico, mas também apostar todas as fichas na política de transparência, apresentando os fabricantes e artesãos ao cliente final, sem segredos, que há muito que o negócio não depende disso. Em vez do antigo lema, Gonçalo Prudêncio sugere sharing is caring (qualquer coisa como partilhar é cuidar). Já o tinha ouvido muitas vezes, curiosamente, nunca aplicado ao design.
Nome: Ghome
Data: 2016
Pontos de venda: loja online
Preços: de 4 a 485 euros
100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.