No seu constante bailado pelo céu fora, por vezes calha que a Lua se alinhe entre o Sol e a Terra e oculte os raios solares que deviam chegar até ao nosso planeta — e eis que, algures num canto muito apertado do mundo, às vezes recôndito, uns quantos privilegiados podem assistir a um eclipse total do Sol. Desta vez, os sortudos serão os sul-americanos, onde esta terça-feira a Lua vai tapar o Sol e transformar o dia em noite. O momento vai ser acompanhado pelo Observatório Europeu do Sul, que está de telescópios apontados ao espaço profundo no meio do deserto do Atacama. Quem não estiver na rota do eclipse, pode sempre vê-lo aqui em baixo.

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Em teoria, os eclipses solares como o que vai ser observado esta tarde na América do Sul podia acontecer todos os meses. A Lua demora exatamente um mês a dar uma volta completa à Terra e, para tornar tudo ainda mais perfeito, aparenta ter exatamente o mesmo tamanho que o Sol no céu.

No entanto, há três fatores que impedem essas coincidências de transformar os eclipses solares num fenómeno comum. O primeiro é que, como a órbita do nosso satélite está inclinada em relação ao equador da Terra, na maior parte das vezes a sombra da Lua estende-se por cima ou por baixo do nosso planeta — livrando-nos dessa escuridão mensal. O segundo é que, como essa órbita é uma elipse, a Lua pode parecer ligeiramente maior ou mais pequena — ou seja, o seu tamanho deixa de ser comparável ao da Terra.

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O terceiro fator está mesmo aqui aos nossos pés: 70% da superfície da Terra está coberta por água, portanto há uma maior probabilidade de um eclipse solar ser visto no meio do oceano, longe das cidades e onde provavelmente não mora qualquer humano, do que em solo firme, onde estaríamos todos de óculos postos e olhos pregados ao astro-rei. Além disso, o percurso dos eclipses solares totais são muito mais estreitos e curtos do que as rotas dos eclipses lunares totais.

De acordo com a página do Observatório Europeu do Sul, este eclipse solar começa às 20 horas, 23 minutos e 51 segundos de Portugal Continental — menos sete horas na capital do Brasil, o único país com língua oficial portuguesa onde o fenómeno será visto. A totalidade chegará às 21 horas, 40 minutos e 20 segundos portuguesas — uma hora e seis minutos antes de o eclipse solar terminar, dando lugar a um pôr do sol desimpedido.

Ao longo dessas duas horas, o eclipse solar será visto na totalidade em algumas partes do Chile e da Argentina e parcialmente no Equador, Brasil, Uruguai e Paraguai. Os três astros vão alinhar-se quatro mil quilómetros a nordeste de Wellington, Nova Zelândia. A partir daí, o eclipse solar arrasta-se ao longo de um percurso de 9.700 quilómetros, até à região central do Chile e depois da Argentina, travando apenas às portas do Uruguai. O primeiro local com solo firme a testemunhar o fenómeno será Oeno, uma ilha desabitada no Oceano Pacífico.

Embora este percurso possa fazer lembrar o do eclipse de 1919 — o mesmo que, tendo sido visto no Brasil, provou pela primeira vez a Teoria da Relatividade Geral de Einstein — os dois fenómenos não estão relacionados. De modo a melhor relacionar os eclipses do Sol e os da Lua, os astrónomos usam uma unidade de medida, os saros, que juntam em grupos os eclipses previstos num período de 223 meses sinódicos — o tempo que a lua demora a reaparecer no mesmo local em sucessiva conjunções com o Sol.

Ora, 223 meses sinódicos correspondem a cerca de 18 anos, 11 dias e oito horas. O eclipse de esta terça-feira enquadra-se no saros solar número 27, que começou a 10 de outubro de 991 e que terminará a 21 de março de 2452 — daqui a 433 anos. O eclipse de 29 de maio de 1919, quando Arthur Eddington organizou uma expedição para estudar as previsões de Einstein, fazia parte do saros solar número 136, que começou a 14 de junho de 1360 e terminará a 30 de julho de 2622.

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Depois deste eclipse, o mundo só vai ser presentado com mais um fenómeno semelhante. A 26 de dezembro de 2019, a Europa de Leste, grande parte da Ásia, noroeste da Austrália, a zona este de África, as ilhas do Índico e parte do Pacífico vão poder assistir a um eclipse solar anular — um fenómeno em que, por estar no apogeu, a Lua parecerá mais pequena do que o disco solar. Quando isso acontece, a Lua não é capaz de tapar a luz do Sol na totalidade, por isso surge um anel de luz em volta dela.