Os realizadores André Santos e Marco Leão apresentam, na série de 13 episódios “Luz Vermelha”, a narrativa de algo que “podia acontecer em qualquer sítio”, apesar de se basear no caso das “Mães de Bragança”.

Com exibição prevista na RTP ainda este ano, a série de 13 episódios com cerca de 40 minutos de duração, cada, passa-se num local indefinido, com um enredo que parte do caso de Bragança no virar do século, mas focado “no drama individual de cada uma das pessoas envolvidas”, como disseram os cineastas à Lusa.

Em entrevista em Vila do Conde, onde apresentaram os primeiros dois episódios no âmbito do festival Curtas, André Santos explicou: “Escolhemos ‘décors’ que existem em todos os lados. A nossa ideia era deslocar isto. O que nos interessa, mais do que o caso das ‘Mães de Bragança’ é o drama individual de cada uma das pessoas envolvidas. Interessava-nos muito mais a trama humana do que o mediatismo e a ideia do que foi o caso de Bragança. A própria história em si, apesar de ser inspirada, tem outras ramificações”.

Marco Leão, interessado pelo facto de a ficção não ter “de respeitar nada do que existiu”, sublinha: “Podia acontecer em qualquer sítio”.

Em 2003, um grupo de mulheres que ficou conhecido como “mães de Bragança” pôs a correr um abaixo-assinado pedindo às autoridades ajuda para “salvar” a cidade de “uma onda de loucura” provocada por imigrantes brasileiras alegadamente ligadas à prostituição.

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Questionados sobre de que forma as lembranças que têm do caso contribuíram para o trabalho que fizeram em “Luz Vermelha”, André Santos e Marco Leão, de 35 anos, salientam que o que pensavam em 2003 não é o que pensam hoje.

“Tínhamos 20 anos quando isto aconteceu. A pessoa que eu era não é a pessoa que eu sou com 35. Sendo uma criança na altura, fiz o que muita gente fez, que foi rir-se de uma situação completamente caricata. À medida que cresces e começas a olhar para estas situações, vês uma série de variáveis à volta disto, vês um grupo de mulheres que crucificaram outras, porque lhes roubavam os maridos, mas isto é simplificar uma situação. O problema destas mulheres não eram as prostitutas, eram as relações que elas tinham em casa e tu se calhar com 20 anos não vias as coisas desta maneira. O que nós tentámos fazer foi tentar pôr todos no mesmo nível”, afirmou André Santos.

Com argumento de Patrícia Müller e música de Bruno Cardoso (também conhecido por Xinobi), o elenco conta com nomes como Margarida Vila-Nova, Sofia Nicholson, Sara Norte, Afonso Pimentel, João Baptista, João Lagarto e Joaquim Monchique, entre outros.

Habituados a trabalhar em projetos de menor dimensão e sem experiência prévia em televisão, André Santos e Marco Leão reconhecem que enfrentaram vários desafios, desde trabalhar — pela primeira vez — com um argumento que não era da sua autoria à mudança brusca de ritmo de trabalho.

“Passámos de filmar quatro cenas por dia para, de repente, filmar 12 cenas, no dia a seguir 17, depois 15. E no mesmo dia tens uma cena de sexo, uma cena de pancadaria e se calhar ainda vais filmar um enterro. E dás por ti a filmar coisas que nunca filmaste, que nunca pensaste filmar com um tempo e meios que são limitados, sempre”, afirma André Santos, que lembra que a série foi filmada em nove semanas.

Os dois realizadores contam que davam por eles a constatar que já estavam atrasados mal saíam de casa: “Foi talvez a coisa mais fascinante do processo todo, a capacidade que tens para te adaptar. Saíamos de casa a pensar que o plano é assim e de repente chegas lá e o ‘décor’ tem um terço do espaço que imaginas. E de repente naqueles 20 minutos mudas tudo e até encontras coisas melhores. A tua cabeça está constantemente a adaptar-se, a recriar”.

Numa série sobre o poder exercido pelo outro e de relações de violência, André Santos e Marco Leão referem que procuraram colocar fora do plano essa mesma violência, o que, em si mesmo, leva a um maior impacto junto do espectador.

“O que tentámos fazer foi colocar [a violência] fora de quadro ou não ter cenas de pancadaria, não ter pessoas a bater noutras, porque acho que a situação em si está lá. Já se sente essa violência, está à flor da pele”, diz Marco Leão.

André Santos acrescenta: “Cabe-nos a nós enquanto artistas também pensar nisto. Porque é que eu vou estar a usar uma imagem que é pornográfica para mostrar uma situação em que tudo o que está fora de campo é muito mais violento? Ouvires o som de um murro é muito mais perturbador.”

“Luz Vermelha” tem produção da Vende-se Filmes e exibição prevista até ao final de 2019 na RTP, depois da estreia dos primeiros dois episódios no Curtas de Vila do Conde.