São 10 episódios de 60 minutos cada, com a cidade de São Paulo em fundo e um pormenor imaginário: no Brasil, a canábis acaba de ser legalizada para fins recreativos. O protagonista é Biriba (Luís Navarro), vendedor de erva que de repente se vê confrontado com a mudança da lei. “Ele tinha uma vida e um mundo, mas esse mundo sofre uma transformação e o espectador vai ver como é que o Biriba e as pessoas à sua volta se adaptam às novas regras”, resumiu esta semana ao Observador Francisco Meirelles, autor e realizador da série – intitulada “Pico da Neblina”, com estreia a 5 de agosto em Portugal, na plataforma de “streaming” HBO.

Ao telefone a partir de São Paulo, Francisco Meirelles, mais conhecido por Quico, acrescentou: “Ele vive num bairro de classe média-baixa em São Paulo e só vendia maconha, nenhuma outra droga. A partir do momento em que a maconha é legalizada, o Biriba pensa que já ninguém vai querer comprar o prensado paraguaio de má qualidade que ele vendia e resolve ir para o mundo da legalidade e abrir uma loja com um antigo cliente.”

Ao mesmo tempo, Salim, o melhor amigo do protagonista, continua a viver do tráfico e esses dois polos opostos alimentam a narrativa. “O Biriba vai descobrir que o mundo da legalidade não é tão correto como ele pensa, porque no Brasil a linha que separara a legalidade da ilegalidade é muito difícil de entender”, sublinhou o autor.

[trailer do primeiro episódio de “Pico da Neblina”:]

O tema é tanto mais atual quanto em vários países, Portugal incluído, o consumo de canábis tem vindo a conhecer alguma aceitação social nos últimos anos e já está aprovada para fins terapêuticos, com cultivo industrial autorizado pelo Estado e prescrição médica prevista. No Brasil, a “maconha medicinal” deverá ser uma realidade muito em breve, mas o cultivo e o consumo individual para fins recreativos continuam à margem da lei. A posse de pequenas quantidades não constitui crime, tal como em Portugal. O “New York Times” escrevia há poucas semanas que o Colorado, primeiro estado americano a legalizar o uso recreativo desta planta, em 2014, tem registado “surpreendentes alterações” nas áreas da saúde ou da justiça criminal, que “põem em causa os piores receios dos críticos, mas também a retórica dourada da indústria da marijuana”.

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Quico Meirelles, de 30 anos, é pessoalmente favorável à legalização da “maconha recreativa”, mas fez notar que a série não defende qualquer ponto de vista. “A conclusão dos 10 episódios não vai no sentido de que a erva tem de ser legalizada ou deve continuar a ser proibida”, explicou. “Expomos argumentos a favor e contra e quero crer que isso pode informar as pessoas, mesmo as que já têm opiniões fechadas.”

Humor e um protagonista inesperado

Ao contrário do que é habitual, a HBO ainda não forneceu à imprensa os primeiros episódios de “Pico da Neblina”. O trailer disponível no YouTube parece apontar para uma série de ritmo acelerado, com tensão e humor em ambiente de selva urbana. “Tratando-se de maconha, não dava para não ter leveza e algum humor”, disse Quico Meirelles.

Luís Navarro, de 29 anos, a quem cabe o papel de Biriba, também conversou ao telefone com o Observador e explicou que já fez diversas produções como ator, “mas nada comparado a esta grandeza de personagem”. Sonha mais alto e não quer ser “um ator que vive apenas de uma personagem”, até porque foi um mero acaso que o levou até à série.

 “O meu amigo Henrique Santana, que interpreta a personagem Salim, fez um casting e foi escolhido. Na última etapa da seleção, estava comigo no Rio de Janeiro e fui levá-lo a São Paulo para um último teste. Uma viagem de autoestrada durante seis horas. Foi então que o Quico me viu novamente. Eu já tinha feita um primeiro teste, mas não tinha passado e fiquei arrasado. Esta segunda vez foi uma oportunidade que o destino deu”, disse Luís Navarro.

“Pico da Beblina” tem participações de nomes jovens ou inexperientes, como sejam Daniel Furlan e Henrique Santana, e outros já muito conhecidos do público brasileiro, como  a atriz e cantora Leilah Moreno ou os atores Teca Pereira, Bruno Giordano, Sabrina Petraglia e Maria Zilda Bethlem.

A produção é da HBO América Latina – com sede em Los Angeles e escritórios na Colômbia, na Argentina, no México e no Brasil –, em associação com a produtora brasileira O2. Quico Meirelles foi diretor-geral e correalizou episódios com Luís Carone, Rodrigo Pesavento e o próprio pai, Fernando Meirelles, conhecido pela longa-metragem “Cidade de Deus” (2002). Na equipa de produtores, área decisiva quando se trata de ficção audiovisual,  estiveram Luís F. Peraza, Roberto Rios, Eduardo Zaca, Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck e novamente Fernando Meirelles. Sobre o pai, Quico Meirelles indicou que “esteve a acompanhar todo o processo”. “Somos muito próximos, conversámos muito e construímos a linguagem da série, a dramaturgia, a estética, o comportamento de câmara, eu, ele e toda a equipa.”

O custo da série não foi divulgado, mas um responsável da HBO América Latina no Brasil, Roberto Rios, disse ao Observador que “Pico da Neblina” teve “recursos bastante sólidos”, com “orçamento equivalente” ao de qualquer série feita pela HBO nos EUA ou na Europa.