Ao longo da semana, os principais jornais espanhóis deram destaque a uma frase que fazia virar cabeças, originava cliques e despoletava alguma curiosidade. “É um reconhecimento para a mulher estar ali com Phelps e Lochte”, lia-se em letras gordas tanto nos desportivos como nos generalistas. Ali onde? Com Phelps e Lochte como? Uma leitura rápida permitia perceber que existe então uma mulher, em representação de todas as outras por assunção da própria, que é a recordista de medalhas conquistadas em Mundiais de natação e só é mesmo superada por dois homens, Michael Phelps e Ryan Lochte. Ona Carbonell, nadadora e capitã da equipa de natação sincronizada de Espanha, tem 23 medalhas em Mundiais e uma prata e um bronze olímpicos conquistados em Londres, nos Jogos de 2012.
A catalã de 29 anos, filha de dois médicos e irmã mais nova de um biólogo que também é poeta, é uma das atletas em maior evidência em Espanha e voltou a não desiludir nos Mundiais de natação que decorreram até domingo em Gwangju, na Coreia do Sul, ao garantir mais uma medalha de bronze na modalidade de rotina especial e outras duas de prata no solo técnico e no solo livre. Carbonell, que se tem desdobrado em entrevistas, declarações e presenças, não é aquele protótipo de atleta ou desportista tímida, que gosta de viver no próprio casulo e só se expande quando realmente compete: a nadadora não se importa de ser fotografada, não se importa de pousar para fotógrafos e nem sequer se importa de pensar cuidadosamente naquilo que vai vestir para uma certa entrevista ou conversa. Quem o diz, segundo o El Mundo, é Gemma Mengual, uma das melhores amigas de Ona Carbonell, que explicou ao jornal que a espanhola tem mesmo um gosto especial por moda e pelas passadeiras vermelhas onde se torna sempre uma das principais atenções.
“Às vezes, quando estamos em aeroportos à espera de um voo, vamos para as lojas e acabamos sempre a comprar alguma coisa. Ela tem um gosto bastante peculiar, preocupa-se muito com a qualidade das peças e não é de comprar roupa ao acaso e só porque sim”, explica, numa ideia que é corroborada com o pormenor de Ona Carbonell ter recentemente concluído um curso de design e lançado uma marca de biquínis, a Be You. Ainda assim, a nadadora é reservada quanto a um aspeto específico da vida pessoal: a relação de já dez anos que mantém com o ginasta Pablo Ibáñez, de quem nunca fala e com quem só surgiu em público uma vez.
Descobriu a natação sincronizada através da ginástica rítmica e depressa ultrapassou o medo de se afogar que a assustava nas primeiras vezes que experimentou a modalidade. Pouco ligada a conservadorismos ou a grandes tradições, tem marcado a diferença por escolher músicas pouco ortodoxas para as apresentações ou temas que, à partida, estariam distantes de algo tão elegante como a natação sincronizada: depois de, nos Mundiais de Barcelona de 2013, ter escolhido a música com o nome da cidade catalã cantada por Freddie Mercury e Montserrat Caballé (e ter pedido à cantora lírica para assistir à coreografia antes de a executar na competição), Ona Carbonell surpreendeu nos Mundiais deste verão ao não escolher uma canção para a acompanhar ao longo do solo. Quando a espanhola entrou na água, começou a ouvir-se no pavilhão sul-coreano a voz de Nelson Mandela e um discurso do antigo presidente da África do Sul sobre a importância do desporto. “O desporto tem o poder de mudar o mundo”, disse Mandela uma vez — e no final da apresentação de Carbonell, a equipa sul-africana presente estava em lágrimas.
“Eu estava cheia de medo com essa inovação mas correu muito bem. Às vezes é preciso que alguém faça algo muito diferente para abrir uma porta. Nunca me esqueço de que o mais importante é uma execução impecável e com elementos técnicos mas que, à parte isso, o desporto é infinito, é uma ferramenta incrível para toda a sociedade, pelos valores que representa. Na verdade, por tudo o que diz Mandela no discurso. Depois de seis Mundiais, pensei: ‘Porque é que não faço algo diferente e aproveito o facto de estar a competir num Mundial, onde tenho muitas medalhas, para, além de chegar à máxima exigência desportiva, contribuir com algo mais?’. Foi isso”, explicou a nadadora ao El País, acrescentando ainda que ficou emocionada e surpreendida com a reação dos atletas sul-africanos.
A “máxima exigência desportiva”, como lhe chama Ona Carbonell, é uma característica da espanhola que pode ser aplicada a todos os planos da vida. “É muito ambiciosa, se mete uma coisa na cabeça vai procurar todos os meios para o conseguir e sabe como fazê-lo”, explica a amiga Gemma Mengual, que descreve um traço de personalidade da nadadora que ficou visível no sítio mais improvável de todos: um reality show. Carbonell foi convidada para participar na edição Celebridades da versão espanhola do programa MasterChef, não sabia cozinhar um único prato e acabou por ganhar. “Eu era patética. Quando começou nem sequer sabia estrelar um ovo. Mas quando aceito um desafio, seja o que for, levo-o tão a sério que fico louca. Não parei de cozinhar dia e noite, estudava como se estivesse na universidade, e com a natação sincronizada também é assim. Não é uma questão de me subvalorizar, só sei ver quando não faço bem as coisas”, revelou na entrevista ao El País.
Ainda assim, a catalã de 29 anos arranja tempo para ser ativista em relação à causa LGBT e às alterações climáticas, já escreveu três livros e realiza de forma frequente sessões de terapia em família. A forma descomplicada e descontraída como se apresenta perante os outros origina, contudo, alguns problemas de protocolo, como aconteceu esta semana. Ao ser recebida pelos reis de Espanha no Palácio da Zarzuela, depois de se ter tornado então a mulher mais medalhada da história dos Mundiais de natação, cumprimentou Felipe e Letizia com dois beijinhos e não com uma vénia, como dita o protocolo. “Vim embora super contente, emocionada, que bom, essas coisas. Quando pego no telemóvel e começo a ver tudo o que estava a ser dito…meu Deus!”, disse a nadadora ao Mundo Deportivo, clarificando depois que não lhe foi dada qualquer instrução antes da cerimónia e que cumprimentou os reis como já havia feito noutras ocasiões.