Matilde e Natália, duas bebés que sofrem com uma atrofia muscular espinhal tipo 1, já tomaram o medicamento inovador que pode travar o progresso da doença. A notícia está a ser avançada em conferência de imprensa pela equipa médica do Hospital Santa Maria que segue as crianças. O remédio de toma única foi administrado esta terça-feira às duas meninas, que estão estáveis e em observação. Devem ter alta “a curto prazo”, indicam os médicos.

Na página em que se publicam informações sobre a evolução do estado de saúde da bebé, a última atualização dá conta que Matilde está a ser preparada desde segunda-feira para o procedimento. As meninas estão a tomar corticóides desde a véspera da administração deste medicamento — algo que já repetiram esta terça e que terá de acontecer uma vez por dia nos próximos dois meses.

“Isso é obrigatório porque ajuda a evitar as reações inflamatório que esta carga viral provoca ao entrar no organismo. Estamos a falar de alterações hepáticas”, descreveu a médica. O vírus usado neste medicamento, “vai espalhar-se pelo sistema mas vai ter uma certa afinidade para o fígado”: “O que está reportado, em termos de efeitos secundários, é uma ligeira alteração, mesmo muito ligeira, em termos hepáticos”.

Como funciona o medicamento inovador?

“Zolgensma”, assim se chama o medicamento, é feito com base num adenovirus, uma família de vírus que contém uma cadeia dupla de ácido desoxiribonucleico (ADN). Esse vírus está atenuado, isto é, foi alterado geneticamente para que, embora se consiga reproduzir no organismo, o faça tão lentamente que representa um perigo muito inferior ao normal. Enquanto se espalha pelo organismo, o vírus transporta uma proteína que se vai introduzir nas células motoras para corrigir a informação genética que causa a doença.

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O medicamento foi introduzido num soro e administrada às crianças ao longo de uma hora. O facto de Matilde e Natália já terem recebido o remédio não significa que estão curadas. Na verdade, as primeiras mudanças só devem acontecer daqui a um mês, alertam as equipas médicas: “Nos ensaios clínicos, as primeiras melhoras notaram-se ao fim de um mês. Nem nós, nem os pais estamos à espera que haja alterações clínicas nas próximas horas, dias ou semanas. Outro ponto em aberto é a profundidade dessas alterações quando elas surgirem”.

Zolgensma custou dois milhões de euros e é considerado o fármaco mais caro do mundo. O valor foi pago pelo Estado e administrado no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. O medicamento veio dos Estados Unidos, onde já foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), a agência norte-americana que estuda os medicamentos que podem entrar no mercado. Mas ainda está a ser analisada pela Agência Europeia do Medicamento.

Como será a vida das bebés? “Inteligentes, mas dependentes”

Quando tiverem alta, algo que deve acontecer ainda esta semana, Matilde e Natália vão regressar ao hospital uma vez por semana ao longo do próximas mês. Depois, e até ao terceiro mês após a administração do medicamento experimental, devem ser observadas apenas uma vez de duas em duas semanas. Esse esquema só é quebrado “caso as meninas exibam algum sinal anómalo” de que alguma coisa não está bem. Caso corra tudo com normalidade, as doses de corticóides poderão ser reduzidas dentro de quatro semanas.

Zolgensma deve “melhorar consideravelmente a qualidade de vida” dos doentes, mas “serão sempre muito dependentes” e “não serão meninos saudáveis normais”, sublinha a equipa médica: “Dois dos quatro meninos que participaram no ensaio estavam ventilados, mas apenas um mantém a ventilação. Dois conseguem andar e os outros conseguem sentar-se. Digamos que os transformamos num tipo menos grave da atrofia espinhal, como se fossem do tipo 2”.

Nesse estado da atrofia, as crianças “precisam de andar de cadeira de rodas, precisam de ajuda para se alimentarem, para vestir, para se deslocarem e mudarem de posição”, descreveu uma das médicas na conferência de imprensa: “São muito bons em termos cognitivos, são muito inteligentes, mesmo fascinantes, mas dependentes”. É uma grande evolução em relação à esperança clínica para as crianças com uma atrofia espinhal do tipo 1: “Acabariam por falecer”.

De acordo com os médicos, estes tratamentos permitem aumentar a esperança média de vida dos doentes: “Antes não passariam dos dois anos. Além disso, sofreriam de dificuldades alimentares e de uma afasia que estes meninos [nos ensaios para os novos medicamentos] já não têm”. “É nossa expetativa que haja um bloqueio de progressão de doença, minimização das sequelas, ganhos em termos de sobrevida e ganhos em termos de qualidade de vida”, sumariza a equipa.