Desistir é uma das poucas palavras que parecem não existir no léxico de Cristiano Ronaldo. Mas também ele chegou um dia a pensar em desistir. Não era bem desistir, era mais voltar para os braços da família, mas acabaria por significar quase o mesmo. E se Cristiano Ronaldo não desistiu, Leonel Pontes, o novo treinador do Sporting após a saída de Marcel Keizer, acabou por ter um papel determinante nessa inversão que daria ao mundo do futebol um Bola de Ouro (por cinco vezes) que ainda é, aos 34 anos, um dos melhores jogadores da atualidade e de sempre. Ou não fosse também ele madeirense como o avançado.

48 horas depois, o fim de linha: Marcel Keizer de saída do Sporting, Leonel Pontes assume comando da equipa

Quando se mudou do Funchal para Lisboa, Ronaldo enfrentou dificuldades como poucas vezes encontrara em campo. Logo à cabeça, duas: as saudades da família e o próprio sotaque, que nos primeiros tempos lhe trouxe aquele típico “gozo” entre miúdos que não lhe passava ao lado. Leonel Pontes, que já trabalhava na formação do Sporting, ficou como tutor e mesmo Encarregado de Educação do número 7, quando vivia nas instalações do Estádio e estudava na Escola EB2 de Telheiras. Entre outros aspetos que iam surgindo, era o técnico que ajudava o jogador com os trabalhos e geria também a sua mesada. “Fui diretamente responsável dos 12 aos 15 anos por ele, uma idade muito sensível. Falávamos bastante sobre a nossa terra, a mãe dele estava sempre em contacto comigo, o que fez com que acabasse por ser uma referência na vida dele”, disse em entrevista.

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Assim foi. Enquanto ia orientando equipas mais novas, Leonel Pontes foi sempre um dos grandes pilares do avançado enquanto esteve no Sporting. E a vida de ambos mudaria em 2003: Ronaldo saiu para o Manchester United após uma exibição de sonho na estreia do novo Estádio José Alvalade, Pontes subiu a adjunto da equipa B primeiro com Luís Alegria e depois com Jean Paul. A carreira desportiva do primeiro correu bem melhor nessa temporada (a equipa secundária dos leões seria extinta no final dessa época) mas o técnico acabaria por conhecer no ano seguinte aquele que foi o seu chefe de equipa durante quase uma década: Paulo Bento, com quem ganhou duas Taças de Portugal e duas Supertaças entre outubro de 2005 e novembro de 2009.

Em 2004/05, Paulo Bento (que terminara a carreira na época anterior) e Leonel Pontes tinham sido campeões de juniores com vários jogadores que subiriam nos anos seguintes – ou mesmo nesse mesmo ano, acrescente-se – ao conjunto principal, casos de João Moutinho, Nani, Miguel Veloso, Yannick Djaló, David Caiado, Tomané, Carlos Saleiro ou Paulo Renato. Em outubro de 2005, no seguimento da rescisão com José Peseiro (que levaria também à saída do presidente da altura, Dias da Cunha), Pontes manteve-se como adjunto e viveu mesmo uma situação “ingrata” quando comandou a equipa no encontro seguinte à saída de Bento, com o Sporting a somar o quinto jogo sem ganhar no Campeonato em Vila do Conde com o Rio Ave (2-2, com Matías Fernández e João Moutinho a darem vantagem ao intervalo antes do bis de João Tomás a abrir o segundo tempo).

Leonel Pontes foi o homem na sombra de Paulo Bento ao longo de dez anos, no Sporting e na Seleção (FRANCISCO LEONG/AFP/GettyImages)

No meio desse caminho, que contou também com três participações consecutivas na fase de grupos da Liga dos Campeões (um recorde então), o novo treinador do Sporting foi notícia por se ter tornado o melhor aluno no curso de treinadores UEFA Pro-Nível 4 (antes tinha feito o curso de Ciências de Desporto na Faculdade de Motricidade Humana), terminando com 17,5 valores, mais cinco décimas do que o líder da sua equipa técnica que o voltaria a chamar quando chegou à Seleção Nacional, em setembro de 2010 – com uma participação muito positiva no Europeu de 2012, onde Portugal caiu apenas nas meias frente à Espanha e nas grandes penalidades, e para esquecer no Mundial de 2014, onde não foi além da fase de grupos. Nesse verão, quis assumir o primeiro desafio a solo nos seniores e aceitou o convite de Carlos Pereira para orientar o Marítimo.

Descrito como alguém com um perfil discreto e de estudioso de futebol muito dedicado ao trabalho de campo e com jogadores mais jovens, Leonel Pontes orientou os madeirenses na temporada 2014/15 mas acabou por sair ainda antes do final da época, em março. Assumiu então os primeiros projetos no estrangeiro, todos eles com passagens relativamente curtas e sem grande sucesso: o Panetolikos da Grécia, onde realizou apenas cinco jogos; o Ittihad do Egito, onde saiu passados quatro meses; e o Debrecen da Hungria. Na última época, o técnico esteve à frente do Jumilla, do terceiro escalão de Espanha, clube que corre o risco agora de desaparecer apenas oito anos depois da sua fundação depois da recusa do presidente, o chinês Li Xiang, em pagar uma dívida de 400 mil euros à Segurança Social – o que privou a equipa de se inscrever, como escreveu a Marca.

Leonel Pontes treinou uma vez o Sporting de forma interina, no jogo com o Rio Ave em novembro de 2009 (NurPhoto/NurPhoto via Getty Images)

Este verão, no âmbito do final da reestruturação do Sporting na Academia, Leonel Pontes voltou aos leões para assumir a equipa Sub-23 do clube, tendo registado um grande início de temporada com cinco vitórias noutros tantos jogos (o que vale a liderança isolada da Liga Revelação) e um total de 19 golos marcados e apenas dois sofridos até ao momento: 1-0 ao Sp. Braga (casa), 4-0 ao Desp.Aves (fora), 6-0 ao V. Guimarães (fora), 3-1 ao Marítimo (casa) e 5-1 ao Famalicão (fora). Em paralelo, e cumprindo o que anunciara na apresentação, tem promovido uma série de jovens entre os 16 e os 18 anos ao conjunto secundário e com sucesso, casos de Eduardo Quaresma, Nuno Mendes, Joelson Fernandes ou Bruno Tavares.

Antes de assumir a carreira de técnico, com pouco mais de 20 anos, Leonel Pontes foi também jogador, passando por clubes como Porto da Cruz, Machico, União da Madeira, Choupana, Oeiras, Carcavelos e Atlético, os três últimos quando já estava em Lisboa na Universidade. Uma lesão no joelho e a vontade de apostar na carreira como técnico acabaram por antecipar o fim da carreira nos relvados, quando tinha apenas 24 anos. Nos primeiros tempos no Sporting, como recordaria numa entrevista ao jornal I, trabalhou com Osvaldo Silva nos infantis dos leões que tinham então Ricardo Quaresma. Agora, aos 47 anos, Leonel Pontes voltará a assumir o comando do Sporting. Se por um ou mais jogos, é a dúvida que ainda agora se mantém.