O Banco Central Europeu anunciou esta quinta-feira mais um corte da taxa de juro dos depósitos, em 10 pontos-base, para um valor ainda mais negativo (0,5%) e vai, também, ser reiniciado o plano de compras de dívida nos mercados, a um ritmo de 20 mil milhões por mês — uma iniciativa que não foi submetida a votação no conselho do BCE, que inclui membros que nos últimos dias manifestaram publicamente discordância em relação a esta proposta.
Watch ECB press conference live: President Mario Draghi explains today’s monetary policy decisions https://t.co/AN04eElLTj
— European Central Bank (@ecb) September 12, 2019
Poucas horas depois, a Bloomberg contava os bastidores de uma “revolta sem precedente” e uma reunião “fracturante”, revelando que o governador do Banco Central francês, Francois Villeroy juntou aos banqueiros da linha mais dura, o alemão e o holandês, na oposição às medidas anunciadas por Draghi. Em particular defenderam que era demasiado cedo para a retoma do programa de compra de ativos em mercado.
Os três governadores são de três países que representam cerca de metade da população que vive na zona euro. E segundo a agência financeira, não foram os únicos a levantar reservas. Também dois membros executivos do BCE o fizeram. A Bloomberg diz que este nível de divergências nunca foi visto durante a presidência de Draghi que em outubro vai ceder o seu lugar a Christine Lagarde.
As taxas de juro vão continuar nestes níveis, “ou mais baixos”, até que as expectativas de inflação “convirjam de forma robusta” com o objetivo do banco central, que é de “abaixo, mas perto de 2%”, indicou o BCE, no comunicado colocado no site oficial às 12h45 desta quinta-feira.
Os anúncios correspondem à expectativa dos analistas, embora alguns até admitissem que o Banco Central Europeu (BCE) pudesse ser mais audaz: baixando os juros dos depósitos para -0,6% e avançando com o plano de intervenção a um ritmo de 30 mil milhões. Mas a decisão foi no sentido de 20 mil milhões, embora sem data para terminar: o BCE diz apenas que as compras de dívida vão continuar “enquanto forem necessárias” para “reforçar o impacto acomodatício” das taxas de juro — além disso, indica-se que este novo programa de compras de dívida deverá terminar “pouco tempo antes de o BCE começar a subir as taxas de juro”.
Por outro lado, ao cortar a taxa de juro dos depósitos, como se previa, o BCE anunciou que vai introduzir um sistema segmentado, para tentar mitigar o impacto sobre os bancos desta decisão — o BCE diz que é para “apoiar a transmissão da política monetária”. Na prática, esta nova taxa de juro não será aplicada sobre todas as reservas que os bancos “estacionam” no BCE, mas só a partir de determinada fasquia.
Bazuca. “Super Mario” dobra a dose de uma terapia com eficácia duvidosa
O corte da taxa de juro não se refere à taxa de juro diretora — aquela que, em termos simples, define a taxa que os bancos têm de pagar pela liquidez que vão buscar ao BCE. Essa taxa está há mais de três anos em 0% e lá deverá continuar no futuro próximo. A alteração surge na taxa de juro que, num sinal dos tempos, se tornou a principal ferramenta de política monetária: a taxa dos depósitos — ou seja, aquela que define quanto é que os bancos recebem quando “estacionam” excessos (regulamentares) de liquidez no banco central.
Como essa taxa está fixada num nível negativo, os bancos não recebem, pagam. Essa taxa passa para -0,5%, o que tenderá a fazer baixar ainda mais várias taxas de mercado, desde as Euribor (que indexam as prestações de crédito à habitação de muitos portugueses) até, por exemplo, a taxa de juro da dívida pública de vários países (até de Portugal).
Logo a seguir ao anúncio da decisão, as taxas de juro de Itália afundaram mais de 20 pontos-base:
#Italy's 10-year bond #yield craters more than 20 basis points after #ECB decision! pic.twitter.com/YkZolUjtbw
— jeroen blokland (@jsblokland) September 12, 2019
Na conferência de imprensa do BCE, em Frankfurt, Draghi anunciou uma revisão em baixa das previsões de crescimento na zona euro, tanto para 2019 como para 2020 — 1,1% e 1,2%, respetivamente, são as novas projeções (eram 1,2% e 1,4%). O presidente do BCE reconheceu que os riscos destas previsões tendem a pender para o lado negativo, ou seja, há maior risco de que as projeções falhem por serem demasiado generosas do que o contrário.
Continuamos a achar que a probabilidade de uma recessão na zona euro é pequena, mas subiu”, atirou Draghi.
“Super Mario”, que abandona o cargo no final do próximo mês de outubro, aproveitou para dizer que a recuperação que a zona euro registou se deveu, sobretudo, à ação do BCE — nesta fase, porém, é necessário que a política orçamental entre em cena, num desafio direto a que os países que têm margem para isso decidam avançar com planos de estímulo público. Na opinião de Draghi, isso pode fazer toda a diferença — e noutros países com política monetária comparável tornou-se claro como um papel mais “ativo” da política orçamental foi muito importante para estimular a economia e a inflação.
Houve “unanimidade” no Conselho do BCE em relação à importância de a política orçamental se transforme no “principal instrumento” de estímulo económico, e não a política monetária, diz Draghi. O italiano adiantou, também, que não houve uma votação sobre se se deveria avançar para as compras de dívida, porque havia uma “maioria tão significativa” que nem foi preciso, afiançou o presidente do BCE.
Do outro lado do Atlântico, o Presidente norte-americano comentou o anúncio do BCE aproveitando para criticar a Reserva Federal dos EUA por não fazer o mesmo. Na análise de Trump, na zona euro “eles estão a tentar, com sucesso, depreciar o euro face ao dólar MUITO forte” — ao passo que a Fed está “sentada, sentada, sentada”.
European Central Bank, acting quickly, Cuts Rates 10 Basis Points. They are trying, and succeeding, in depreciating the Euro against the VERY strong Dollar, hurting U.S. exports…. And the Fed sits, and sits, and sits. They get paid to borrow money, while we are paying interest!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) September 12, 2019
“Nós temos um mandato. Nós temos um objetivo de estabilidade monetária. E não temos como objetivo atingir fasquias no mercado cambial. Ponto”, respondeu Draghi, questionado por uma jornalista sobre o tweet de Donald Trump.
Atualizado às 20.00 com notícias sobre divergências entre os governadores centrais.