Os alunos das escolas profissionais financiadas pelo Estado não vão ter acesso aos manuais gratuitos. Só os alunos que frequentem cursos profissionais da rede pública terão direito aos vouchers, esclarece o Ministério da Educação, em resposta a uma pergunta do Observador. A questão já tinha sido colocada ao Governo pela associação que representa estas escolas, a ANESPO, e pelo CDS, que, até à data, não obtiveram resposta oficial.

A dúvida em relação a estas escolas privadas — financiadas pelo Estado e que têm uma oferta que nem sempre existe nas escolas públicas — prende-se com a comparação que é possível fazer com as escolas privadas que têm contratos de associação. Nessas, os estudantes têm direito aos manuais gratuitos, já que os estabelecimentos, apesar de pertencerem ao ensino cooperativo e privado, funcionam como sendo rede pública.

Era essa a expectativa dos diretores de escolas profissionais, do CDS, do PCP e da Fenprof. O Observador tentou falar com o Bloco de Esquerda, mas não obteve qualquer comentário até à publicação desta notícia.

“Havia essa expectativa, da parte dos alunos e dos diretores de escola. Numa primeira análise, a Fenprof discorda da discriminação que é feita a estes alunos, até pela comparação que se pode fazer com as escolas privadas com contrato de associação. O Governo devia ter previsto a possibilidade destes alunos terem a possibilidade de ter acesso aos manuais gratuitos, até porque alguns deles são obrigados, digamos assim, a frequentar uma escola privada já que alguma oferta simplesmente não existe na escola pública”, defende Anabela Sotaia, dirigente da Fenprof com a pasta do ensino profissional.

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Ana Rita Bessa, deputada do CDS, diz que esta é uma decisão difícil de compreender por três motivos. “Em primeiro lugar, quando se estabeleceu a universalidade da medida e se estendeu a gratuitidade dos manuais escolares a todo o ensino obrigatório, incluindo o ensino profissional, criou-se a expectativa de que estes alunos também teriam acesso aos vouchers. Em segundo, a medida abrange as escolas privadas com contrato de associação e, por analogia, as escolas profissionais financiadas estão em situação semelhante e deveriam ser incluídas. Por último, sabemos que há uma forte correlação entre ensino profissional e famílias desfavorecidas e estes alunos reúnem todas as condições para poder beneficiar da gratuitidade dos manuais”, defende a parlamentar.

Estranha-nos muito que numa medida destas, que também cumpre um papel social, estes alunos sejam excluídos e de uma forma pouco transparente. Em julho enviámos uma pergunta ao Governo, nunca tivemos resposta, e ela chega agora com o choque da realidade”, sublinha Ana Rita Bessa.

Já Ana Mesquita, deputada do PCP, lembra que a última alteração ao diploma que regula a gratuitidade dos manuais, e que entrará em vigor com o próximo Orçamento do Estado, fala de rede pública e não de escola pública. “Nesse sentido, o PCP defende que a gratuitidade dos manuais escolares deve abranger tudo aquilo que corresponde à rede pública, e que é o caso destas escolas profissionais financiadas.”

Questionado o Ministério da Educação sobre este assunto, a resposta do gabinete de Tiago Brandão Rodrigues foi a de que o alargamento da medida abrange o ensino profissional, “mas apenas nas escolas públicas, conforme previsto no Orçamento do Estado”. Já os alunos das escolas agrícolas estão abrangidos uma vez que “todas são públicas”. No artigo 194.º do Orçamento do Estado lê-se que a medida da gratuitidade será alargada no atual ano letivo “a todos os alunos que frequentam a escolaridade obrigatória na rede pública do Ministério da Educação”.

Escolas agrícolas com problemas, mas já superados

Enquanto esperam pelos esclarecimentos do Governo, as escolas profissionais privadas não estão a conseguir inscrever-se na plataforma Mega. Já as escolas agrícolas têm tido problemas no acesso, mas o problema está a ser solucionado pelo IGeFE, Instituto de Gestão Financeira da Educação. Nas escolas públicas com cursos profissionais não houve quaisquer problemas.

Sobre a situação das escolas agrícolas, o problema, ao que o Observador apurou, estava relacionado com a listagem de manuais necessários carregada pelas escolas para cada aluno e que seria demasiado extensa. “Devido à organização modular, foi comunicada às escolas a necessidade de indicarem quais os módulos a utilizar em cada turma, à semelhança do que se faz para disciplinas como Educação Física”, esclareceu o Ministério da Educação.

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É através da plataforma Mega que, depois de feita a inscrição da escola, os encarregados de educação podem imprimir os vouchers que são trocados pelos manuais escolares gratuitos nas livrarias que aderiram ao sistema. Se a escola não conseguir fazer o registo, não há forma de os alunos conseguirem aceder aos manuais gratuitos.

No início de setembro, como avançou o Diário de Notícias, também as escolas privadas com contratos de associação tiveram problemas com a emissão dos vouchers. O problema está atualmente resolvido, garantiu ao Observador o presidente da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), depois da intervenção do IGeFE. No entanto, frisou Rodrigo Queiroz e Melo, no caso das escolas profissionais financiadas, o problema persiste. Por terem poucos associados com este tipo de oferta, a associação remete para a ANESPO mais detalhes sobre esta situação.

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Faz sentido ter manuais no ensino profissional?

“A primeira discussão que temos de ter é se faz sentido, ou não, que o ensino profissional tenha manuais”, começa por dizer o presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais (ANESPO). Na sua opinião, não faz. O mesmo não é sinónimo de ver com bons olhos que os seus alunos estejam impedidos de ter manuais gratuitos.

“Tradicionalmente, o ensino profissional não tem manuais, dada a sua estrutura modelar. São os próprios professores que criam e organizam os materiais que os alunos vão usar. E a associação pretende que assim seja, que haja essa autonomia. A flexibilidade que está agora a chegar ao ensino regular, existe no ensino profissional há 30 anos”, refere José Luís Presa, lembrando que este é um tipo de ensino muito virado para a prática. O que tem acontecido nos últimos meses, conta o presidente da ANESPO, “é uma pressão das editoras para que o ensino profissional também adote manuais escolares”.

Outro pormenor importante, refere, é que nas escolas profissionais financiadas os alunos têm direito à chamada bolsa de material. O valor é entregue aos encarregados de educação e deve servir para comprar material e manuais escolares para os alunos.

Sabemos bem que há pais que acabam por usar este dinheiro para outras coisas, porque são famílias com necessidades. No entanto, podemos dizer que há equidade para estes alunos, que são cerca de 60% dos que frequentam o ensino profissional, em relação aos do ensino regular que têm manuais gratuitos. Mas os que não têm direito a bolsa deveriam ter acesso aos manuais gratuitos como todos os outros, até porque os estudantes de cursos profissionais em escolas públicas também os têm”, diz o presidente da ANESPO.

Ou seja, José Luís Presa considera que os alunos do ensino profissional não devem ser discriminados em relação aos restantes. O que põe em causa é se faz sentido adotar manuais num ensino que é organizado por módulos. E esta, defende, era a altura ideal para fazer essa discussão.

O problema coloca-se este ano pela primeira vez porque no Orçamento do Estado para 2019 a gratuitidade dos manuais escolares foi alargada ao ensino secundário, passando a abranger todos os alunos da rede pública, incluindo escolas privadas com contratos de associação. O ensino profissional, por ser oferta formativa para alunos do 10.º ao 12.º ano, não tinha até este ano letivo direito a manuais gratuitos.

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Nas escolas públicas com curso profissionais não há problemas a relatar. Filinto Lima, presidente da associação que representa os diretores de agrupamentos e escolas públicas, diz não ter conhecimento de complicações no uso da plataforma Mega. Contactados pelo Observador, os diretores de duas escolas públicas confirmam esse cenário e dizem que os atrasos que existem são da responsabilidade das escolas. Tradicionalmente, e devido à estrutura modular, os manuais do ensino profissional são escolhidos mais tarde do que os do ensino regular.

“Houve alguns atrasos na atribuição dos manuais, o que atrasou também a entrega dos vouchers, mas com a plataforma Mega não tivemos quaisquer problemas”, confirma Cesário Silva, diretor do agrupamento de escolas da Marinha Grande Poente, distrito de Leiria. No agrupamento de escolas de Alcanena, distrito de Santarém, ainda não há vouchers para os alunos do ensino profissional, mas porque também ali houve atraso na atribuição dos manuais, explicou a diretora Ana Cláudia Cohen.

Visitando o site do Mega, e pesquisando entre as escolas que já emitiram vouchers, apenas surge uma profissional: a Escola Profissional Infante D. Henrique, de Hotelaria e Restauração, no Porto, que pertence à rede pública. “Quando começamos a usar o sistema tivemos alguns problemas, mas por não estarmos familiarizados com a plataforma. Foram ultrapassados e neste momento não há qualquer problema”, garantiu ao Observador a diretora da escola pública, Olga Sá.

Entre as escolas profissionais agrícolas, tem havido problemas no acesso à plataforma, que estarão prestes a ficar resolvidos. “Falando em concreto sobre o nosso caso, a Escola Profissional Agrícola Conde de São Bento, posso dizer que tivemos alguns problemas com a plataforma. Mas recebemos uma resposta do IGeFE esta quinta-feira e, em princípio, a situação fica resolvida e os alunos terão acesso aos manuais”, explicou ao Observador Carlos Frutuosa, que para além de dirigir a escola de Santo Tirso, é também presidente da Associação Portuguesa de Escolas Profissionais Agrícolas (APEPA).

“Generalizando, diria que a maioria das escolas agrícolas tem tido problemas com a plataforma”, conclui Carlos Frutuosa, não querendo entrar em detalhes por não conhecer a situação exata de cada uma das 15 escolas associadas, uma das quais privada.

(artigo atualizado às 18h07 com a posição do PCP)