A noite podia ser de festa ou de desilusão para o Bloco de Esquerda. E nem tudo dependia exclusivamente do partido. Segundo as sondagens, o BE podia aumentar ou manter o número de deputados, o que seria sempre visto como uma vitória — já lá vamos –, mas uma eventual maioria absoluta do PS mataria qualquer ambiente de celebração. Era por isso normal que os bloquistas que começavam a reunir-se no teatro Thalia, em Lisboa, não conseguissem disfarçar o nervosismo que sentiam.
Antes das 19h00, hora a que fecharam as urnas em Portugal continental e em que saíram as projeções sobre a abstenção, já andavam pelo quartel-general do BE históricos como Fernando Rosas e Luís Fazenda e figuras de proa do partido como as irmãs Mortágua. Os sorrisos que dirigiam aos apoiantes eram cordiais mas não escondiam a ansiedade que sentiam a escassos minutos de conhecer o desfecho das eleições.
[Começa agora a prova dos nove. O filme da noite eleitoral]
Na parte exterior do teatro, apoiantes e candidatos iam confraternizando de mini na mão — e alguns seguravam um cigarro na outra. As conversas incidiam invariavelmente sobre política e resultados eleitorais. “Acredito que vamos aos 20 deputados”, disse uma apoiante. “Até mais”, respondia-lhe a amiga. Mas esta confiança não era transversal. Noutros grupos torcia-se o nariz a previsões mais otimistas. “Se conseguirmos manter os 19 já é uma vitória”, afirmou ao Observador um dirigente bloquista.
Por esta altura, já circulavam internamente as sondagens que em minutos estariam projetadas nas televisões. Os intervalos davam para tudo: de 17 a 26 deputados — ou seja: de uma diminuição do grupo parlamentar a um crescimento histórico do partido, tudo era possível. À cautela, os dirigentes e candidatos iam dizendo aos jornalistas que seria uma noite longa. O partido iria disputar os mandatos do fim da cauda em muitos distritos e só poderia haver festa se houvesse pelo menos uma manutenção do número de deputados.
Havia dois fatores que eram certos: o Bloco de Esquerda mantinha o lugar de terceira força política e a direita teria uma derrota pesada. O suficiente para surgir de cara lavada no fim da noite. Se a isto pudessem acrescentar o argumento de saírem incólumes da experiência da “geringonça” poder-se-ia cantar vitória no teatro no rescaldo das eleições.
Enquanto se fumava e bebia cerveja perto da entrada principal, Catarina Martins chegava na van Mercedes Vito que a caravana bloquista alugou para fazer a campanha e entrava de forma discreta pelas traseiras, dirigindo-se para uma sala no piso inferior onde o seu núcleo duro se encontrava a receber os primeiros dados e a fazer contas às projeções que iam recebendo.
As sondagens que não deixaram festejar à primeira
Quando as projeções foram oficialmente tornadas públicas, o diretor da campanha do BE, Jorge Costa, subiu ao palco para reagir. O deputado bloquista ressalvou que os intervalos conhecidos eram “muito grandes” e não permitiam “grandes conclusões”. E começou a ensaiar aquele que seria o discurso bloquista para esta noite: “O PS ganhou claramente as eleições e vai formar Governo”; “há uma derrota histórica da direita”; e “a confirmação do BE como terceira força política nacional”.
A chave estava na primeira conclusão apresentada por Jorge Costa: o PS ganhou e vai formar Governo. Restava saber de que modo é que o Bloco de Esquerda iria ou não contribuir para esta solução. Isso dependeria da evolução dos resultados. Essa informação só poderia ser dada pela líder do partido, que só falaria quando houvesse mais certezas quanto aos resultados finais. Catarina Martins continuava reunida na sala do piso inferior com assessores e parte da direção do partido, que de quando em vez subia à sala principal e falava com apoiantes.
Nas televisões, ia-se acompanhando a evolução dos resultados e festejava-se cada deputado eleito. Mariana Mortágua era quem anunciava o nome de cada número que surgia nas barras do Bloco de Esquerda nos gráficos que as três televisões projetavam. As minis não paravam de chegar e os resultados traziam boas notícias ao partido que via como cada vez mais realista a possibilidade de manter ou aumentar o número de deputados.
A sala ia ficando cada vez mais cheia, assim como o bar, que fez de cantina no intervalo entre os discursos de Jorge Costa e de Catarina Martins. O ânimo começava a tomar conta dos presentes e dos vários candidatos que iam chegando: o PS estava longe de conseguir a maioria absoluta e o BE perto de manter a força que tinha tido nos últimos quatro anos. A hipótese de continuar a ser influente nos próximos quatro anos era real.
Cantou-se vitória mas imperou a incerteza
Pouco passava das 22h00 quando Catarina Martins subiu ao palco. “Mas ela vai falar sem saber se cresce sequer?”, perguntou uma militante aos assessores, que lhe responderam afirmativamente, para sua estranheza. A líder do BE chegou em ambiente de festa. Repetiu os argumentos de Jorge Costa para legitimar que se pudesse cantar vitória no partido, mas rapidamente foi direta ao assunto que prendia a atenção de todos os presentes: o que faria o Bloco de Esquerda perante um crescimento do PS?
A resposta chegou de forma clara: o BE está disposto a viabilizar um governo socialista. “Há duas maneiras de o fazer”, salientou Catarina Martins. A primeira, e preferencial para os bloquistas, fazer um acordo para uma legislatura em nome “da estabilidade”. A segunda, caso a primeira falhe, passa por negociar “ano a ano” as condições de um apoio a um Executivo do PS.
Seja qual for o caminho, apresentou o seu caderno de encargos, que tem quatro pontos: acabar com os cortes da troika que “ainda existem na legislação laboral”; garantir o SNS totalmente público e a “exclusividade dos profissionais do SNS”; “proteger serviços públicos, incluindo o controlo público dos CTT”; e “recuperar investimento público”, nomeadamente na habitação, transportes e emergência climática.
Estava esclarecida a posição do partido, que foi muito celebrada pelos apoiantes na sala. Catarina Martins anunciou ainda que não quer ir para o Governo e deixou por responder uma pergunta sobre se o BE estaria disposto a assinar um acordo sem o PCP. Detalhes que serão determinantes para se conseguir perceber o desenlace desta proclamação, que encontraria respaldo nas palavras de António Costa horas mais tarde, quando afirmou que iria dar prioridade à renovação da “geringonça”, com intenções até de a vir a alargar ao Livre e ao PAN.
Com a grande questão respondida, faltava saber qual o número de assentos que o Bloco de Esquerda iria conseguir garantir no Parlamento. E como era hora de continuar a fazer contas, a líder bloquista recolheu de novo à sala do piso inferior para fechar a contabilidade parlamentar.
O objetivo do partido era manter o grupo parlamentar e foi atingido quando já passava da meia-noite, altura em que finalmente a festa tomou conta do auditório. Os 19 deputados estavam assegurados: apesar de o partido ter perdido o deputado da Madeira e um pelo Porto, compensou-os elegendo o segundo nos ditritos de Aveiro e Braga. 19 deputados que tornam o BE o partido mais forte da esquerda parlamentar. E com larga vantagem, já que consegue ter mais parlamentares do que os deputados da CDU (12), do PAN (4) e do Livre (1) em conjunto. A isto podiam acrescentar o argumento de terem igualado o melhor resultado de sempre do partido, obtido precisamente há quatro anos, nas últimas legislativas.
Só nessa altura é que Catarina Martins subiu à sala para festejar o resultado. Depois de vários abraços e alguns gritos de apoio, deixou uma mensagem à sala: “Até amanhã, que há muito trabalho a fazer“. Falta saber em que cenário se irá trabalhar.