Pela primeira vez na história da maratona um atleta completou a prova em menos de duas horas. Eliud Kipchoge, recordista queniano que passou seis meses a preparar-se intensivamente para este desafio, é o rosto (e as pernas) da proeza, realizada este sábado em Viena, na Áustria.

Em declarações no final da prova, Kipchoge não escondia a satisfação pelo resultado, relançado uma máxima que há muito o acompanha: “Estou muito feliz por ter corrido em menos de duas horas. Quero inspirar muitas pessoas a pensar que não há limites para o Homem. Somos capazes. Espero que mais pessoas em todo o mundo corram em menos de duas horas depois de hoje“.

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Uma hora, 59 minutos e 40 segundos, foi a marca estabelecida pelo maratonista de 34 anos, já conhecido pelos seus feitos lendários neste campo. Mas apesar deste número para os habituais 42.195 quilómetros que os atletas devem percorrer, o recorde fixado não deverá ser considerado oficial nem reconhecido como tal, uma vez que Eliud beneficiou de várias ajudas ao longo do percurso, com as lebres Salemon Barega, Matthew Centrowitz, Paul Chelimo, Augustine Choge, López Lomong e os irmãos noruegueses Ingebrigtsen a darem um precioso contributo para o desempenho, a que se junta a proximidade e ritmo pautado pelo carro que abria caminho — para não falar que não foi sujeito a controlo anti-doping.

Eliud Kipchoge. O queniano que venceu a Maratona de Londres e tenta quebrar a barreira dos 02:00:00

O recorde agora fixado na capital austríaca surge depois de Kipchoge acumular já no seu curriculum desportivo nada mais nada menos que quatro vitórias na maratona de Londres.

Em abril deste ano, bastaram-lhe duas horas, dois minutos e trinta e sete segundos (02:02:37) para ganhar a aquela prova — 18 segundos à frente de Mosinet Geremew. Mas o resultado não estava sequer perto de ser o melhor tempo de Kipchoge, que era, até aqui, o melhor resultado de todos os tempos: duas horas, um minuto e trinta e nove segundos (02:01:37) feitos em setembro de 2018 na Maratona de Berlim. Nessa prova bateu o recorde mundial por 78 segundos — a maior  diferença em cinquenta anos.

Desde que se mudou para a maratona, em 2013, o homem que treina 300 dias por mês, que está longe da mulher e dos três filhos, num campo de treino em Kaptagat, uma pequena e humilde vila queniana, conquistou dez das onze provas em que correu, e a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (2016). Antes a carreira brilhara menos nas provas de 5 mil metros: recebeu a prata e o bronze olímpicos, respetivamente em Beijing (2008) e em Atenas (2004), mas nem foi chamado para a equipa do Quénia nos Jogos Olímpicos de Londres (2012).

Eliud Kipchoge na prova em que estabeleceu o recorde de 5 mil metros para juniores, em Paris, a 31 de agosto de 2003 (Andy Lyons/Getty Images)

Em 2003, com apenas 18 anos, Kipchoge conseguiu estabelecer o recorde mundial de 5 mil metros para juniores: doze minutos e cinquenta e dois segundos. O tempo perdura até hoje, e a prova, em que bateu Hicham El Guerrouj e Kenenisa Bekele para ganhar o ouro, deixou-o no mapa.

Tido como o melhor maratonista do mundo, e um dos melhores de sempre, Eliud Kipchoge há muito que tentava completar uma maratona em menos de duas horas. Em 2017 ensaiou este objetivo, numa prova que sabia à partida não ser reconhecida oficialmente. Com sapatilhas personalizadas da Nike — o projeto, Breaking2, foi desenvolvido pela marca de desporto durante três anos — um carro à frente para cortar o vento, e a competição de Zersenay Tadese e Lelisa Desisa, Kipchoge usou a pista de Fórmula 1 de Monza para completar uma maratona em 2:00:25.

Lebres, sapatilhas especiais, carros de apoio e meteorologistas. Como vencer uma maratona em menos de duas horas

O feito de Kipchoge não é oficial por várias razões. Para conseguir o “impossível” de correr 42,195 quilómetros em menos de duas horas teve também a ajuda de várias benesses que numa competição oficial não seriam válidas, como explica o El País. Tudo começou por saber como é que ia estar o tempo.

Exatamente. Kipchoge teve o apoio de meteorologistas para garantir que o vento ia estar a menos de 14 quilómetros por horas, para evitar fricção, que a temperatura estaria entre os 10 e 12 graus e a humidade estava a menos de 70% para melhor aderência. Além disso, o percurso que fez foi praticamente plano e em linha reta: de uma ponta à outra, a reta de 9,6 quilómetros tem apenas um desnível de 2,4 metros.

Outra das ajudas de Kipchoge foi a Nike. Num golpe de marketing que vai continuar a ser falado, a empresa de sapatilhas (ou ténis, dependendo da zona do país em que nos lê), criou as Next%. Este calçado tem uma placa de carbono na sola que apresenta discos com fluído pressurizado. Quem o criou calculou que permitiriam uma poupança de tempo de um minuto e trinta segundos.

Por fim, as “lebres”. Ao todo, 41 atletas de alta competição foram acompanhando Kipchoge e iam sendo trocados com apoio de um carro em grupos de sete a cada cinco quilómetros. O objetivo foi o maratonista acompanhar estas lebres para não perder o ritmo. Segundo o mesmo jornal, este truque e a formação que assumiram durante a corrida permitiram uma poupança de tempo de quatro minutos e 30 segundos.

[Em atualização]