O grupo hoteleiro português Vila Galé desmentiu esta terça-feira existirem indígenas na zona onde está a tentar construir um hotel de luxo, no sul do estado brasileiro da Bahia. O esclarecimento surge depois de o site The Intercept ter noticiado que este grupo português queria construir um resort numa reserva indígena, com o apoio do governo do Brasil.
De acordo com o portal de jornalismo, a Fundação Nacional do Índio (Funai) recebeu, em julho, um pedido do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) — órgão vinculado ao Ministério do Turismo do Brasil — para encerrar o processo de demarcação de uma reserva indígena no sul da Bahia, para a construção de um hotel de luxo.
A área em causa, que corresponde a 470 quilómetros quadrados, pertence ao povo Tupinambá de Olivença, que luta pela demarcação daquelas terras há pelo menos 15 anos, e cuja primeira fase do processo foi concluída em 2009.
“Esta é a primeira vez, pelo menos desde a Constituição de 1988, que um órgão federal faz lobby sobre outro — e o regista num documento oficial do governo — para entregar à iniciativa privada uma área indígena, também ela registada num documento oficial do executivo”, escreveu o The Intercept, depois de falar com vários especialistas, que declararam a ação inédita e ilegal.
A Embratur argumenta, no documento oficial enviado à Funai — órgão responsável pela proteção dos direitos indígenas no país sul-americano — que a rede hoteleira portuguesa Vila Galé tem a intenção de “viabilizar a construção de dois empreendimentos hoteleiros, do tipo resort, com 1040 leitos, no estado da Bahia”, assim como pretende dar “uma ampla divulgação do Brasil em Portugal e na Europa, através do empreendimento voltado para turistas estrangeiros”.
“Desta forma, a Embratur vem à presença de vossa Senhoria [Marcelo Augusto Xavier, presidente da Funai] manifestar o seu interesse no encerramento do processo de demarcação de terras indígenas Tupinambá de Olivença, localizadas especialmente nos municípios de Una e Ilhéus, Estado da Bahia. (…) Rogamos o fundamental e imprescindível apoio para a viabilização deste importante polo turístico”, declara o ofício.
Na área em causa vivem 4,6 mil nativos, além de pescadores artesanais, e a sua história remonta a 1680, quando missionários jesuítas fundaram aquele aldeamento indígena. Desde então, os Tupinambá residem no território que circunda a vila de Olivença, nas proximidades do curso de vários rios.
“Entre outros aspetos, [os Tupinambá de Olivença] destacam-se pela organização em pequenos grupos familiares e certos gostos alimentares, como a preferência pela ‘giroba’, uma bebida fermentada produzida por eles. Ainda que se considerem muitas vezes “índios civilizados” isso nunca significou um abandono de sua condição indígena”, diz o ‘site’ Povos Indígenas no Brasil, pertencente à organização não-governamental (ONG) Instituto Socioambiental (ISA).
Tendo em vista o empreendimento turístico em questão, o governo do Estado da Bahia e a Prefeitura Municipal de Una firmaram com o Grupo Vila Galé um protocolo de intenções com um investimento superior a 200 milhões de reais (cerca de 45 milhões de euros), gerando mais de 500 empregos diretos e 1.500 indiretos, detalhou a Embratur.
O órgão vinculado ao Ministério do Turismo frisou ainda, no documento, que o Vila Galé, assim como outros grupos e investidores, têm interesse em construir na área empreendimentos turísticos imobiliários, “compostos por um aldeamento de casas e condomínios de apartamentos residenciais, com serviços hoteleiros”.
Segundo o The Intercept, o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, amigo de Jair Bolsonaro, usou as redes sociais para descrever o projeto como “magnífico”, acrescentando que o mesmo “conta com o apoio do governo federal”.
Questionado pelo portal de jornalismo de investigação, a Embratur respondeu que “não tem competência para interromper a demarcação de terras indígenas”, argumentando que o documento em causa “apenas solicita a revisão do processo de maneira a garantir a segurança jurídica e estimular o desenvolvimento do turismo na região citada”.
Vila Galé garante: “Não existem indígenas nesta área”
Depois de a notícia ter sido publicada, o grupo Vila Galé enviou um comunicado onde esclareceu que em maio do ano passado celebrou “um acordo de parceria com uma empresa brasileira proprietária de uma área de cerca de 60 ha para o desenvolvimento de um resort hoteleiro numa área total aproximada de 20 hectares, no Município de UNA, Estado da Bahia”.
Este projeto, acrescenta o grupo na nota enviada, é “estruturante para UNA, para a Bahia e para o Brasil”, tendo, de seguida, enumerado o que irá fazer parte da construção: “Cerca de 500 quartos, 6 Restaurantes, Centro de Convenções e Eventos, piscinas, Clube de Crianças com Parque Aquático, Recepção, Bares, SPA com piscina interior aquecida, etc.”.
Este projeto, atenta a sua relevância em termos de investimento privado, geração de emprego (mais de 500 empregos diretos e cerca de 1.500 indiretos) e criação de riqueza, merece o apoio do Município de UNA, do Governo do Estado da Bahia e do Ministério do Turismo do Brasil/Embratur”, acrescenta o grupo Vila Galé em comunicado.
O grupo Vila Galé garante que os estudos e projetos foram “aprovados pelas entidades competentes” e que “a licença prévia ambiental está emitida e em vigor” e que a licença de instalação e o alvará de construção estão prontos para emissão. E acrescenta: “Não existe no local qualquer tipo de ocupação de pessoas e bens ou sequer vestígio da mesma num horizonte temporal muito alargado”.
Ainda sobre as notícias, o grupo informa, em quatro pontos, que: “a obra não está iniciada”; “não existem indígenas nesta área nem quaisquer vestígios dos mesmos no local”; “esta área é propriedade privada”; “existe um processo de demarcação de terra indígena na FUNAL, processo este que não está concluído”. O grupo indica ainda que este processo não está aprovado nem pelo Ministério da Justiça nem pelo Presidente da República. “Só após aprovação formal do Presidente da República é que se poderá falar em terreno indígena”.
(Artigo atualizado às 20h com o comunicado do grupo Vila Galé sobre a situação)