Uma década depois de chegar ao parlamento de La Paz, Jeanine Áñez ganha lugar de destaque num país mergulhado em crise, após quase um mês de confrontos nas ruas — que fizeram oito mortos, 508 feridos e culminaram na renúncia de Evo Morales. Ainda que interinamente, a advogada torna-se na segunda mulher a comandar os destinos da Bolívia, quatro décadas depois, sublinha o El Espanol.

Jeanine Áñez autoproclama-se como Presidente da Bolívia

Desde que entrou no parlamento, em 2010, Jeanine Áñez fez sempre oposição a Evo Morales, de acordo com a Euronews. Proveniente de uma pequena povoação da Amazónia, na região de Beni, no norte do país, a nova líder interina opôs-se de forma mais intensa, entre 2010 e 2015, à construção de uma estrada que atravessaria território indígena e o Parque Nacional Isiboro Sécure (que ocupa cerca de 13 mil km quadrados e abrange a região de Beni). O projeto, de Evo Morales, foi rejeitado pelos grupos indígenas. Depois, a partir de 2015, a senadora dedicou-se a outras causas, nomeadamente a violência contra as mulheres.

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Antes de entrar no parlamento, Jeanine Áñez foi eleita representante da região de Beni para a Assembleia Constituinte que fez o esboço da Magna Carta (a constituição do país) — promulgada em 2009 por Evo Morales.

Este é o documento que acaba por permitir o vazio de poder, preenchido agora pela senadora. Em caso de renúncia do presidente, a constituição da Bolívia prevê que o mais alto cargo do país seja ocupado pelo vice-presidente. Na linha de sucessão estão ainda os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Só que, depois de ter havido um total de cinco desistências na hierarquia — o presidente Evo Morales, o vice-presidente, a presidente do Senado, o presidente da Câmara de Deputados e o vice-presidente do Senado —, Jeanine Áñez, até há poucos dias segunda vice-presidente desta câmara, entrou, de forma imprevista e polémica, na sucessão a Evo Morales.

Apesar de pertencer ao partido de direita Unión Demócrata, que tem apenas nove dos 36 lugares no Senado, a advogada chamou a si o poder e a responsabilidade de pacificar o país e organizar eleições, depois de uma cerimónia no congresso a que faltaram os políticos do partido maioritário — o Movimento para o Socialismo, de Evo Morales. A questão está longe de ser pacífica e Adriana Salvatierra — política fiel a Morales e até aqui presidente do Senado — lembra que ainda não apresentou a renúncia, considerando que a autoproclamação não é válida.

A revista Time sublinha as diferenças já notadas face a Evo Morales: Jeanine Añez felicitou apoiantes a partir de um velho palácio, em vez do moderno palácio presidencial mandado construir por Morales — criticado pela oposição como um excesso — e transportava a bíblia, que foi banida pelo anterior presidente boliviano.

EUA reconhecem Jeanine Añez como Presidente da Bolívia

Jeanine Añez já foi reconhecida por vários governos, nomeadamente dos EUA, da Rússia, do Brasil e da Colômbia. No caso dos EUA, o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, felicitou Jeanine Añez esta terça-feira, elogiando a advogada por se disponibilizar para dirigir o país “num processo de transição democrática, de acordo com a Constituição da Bolívia e à luz dos princípios da Carta Democrática Interamericana”, da Organização dos Estados Americanos.

As felicitações do secretário de Estado da Administração Trump acabaram por gerar uma reação de Evo Morales, que renunciou perante a ameaça dos militares. O ex-presidente criticou a postura americana, dizendo que há na Bolívia “uma conspiração política e económica alimentada pelos Estados Unidos”.

Numa conferência de imprensa a partir do México, Evo Morales disse estar disponível para regressar, se os bolivianos derem o sinal: “Se o meu povo pedir, estamos preparados para voltar e voltaremos, mais cedo ou mais tarde”, garantiu.

A autoproclamação de Jeanine Añez já está a ser contestada nas ruas por apoiantes do ex-presidente. As agências internacionais deram conta de confrontos com recurso dos manifestantes a pedaços de madeira e metal.