Foi aos seis anos que tentou esculpir a sua primeira peça: um barco de madeira. Ainda hoje guarda a cicatriz da ferida quando a ferramenta lhe escapou das pequenas mãos. O pai fechou tudo a sete chaves, teve receio de que o filho se voltasse a magoar. Mas a paixão e o gosto pela madeira estavam já gravados no corpo e alma de António. Trabalhar a madeira, esculpir-lhe a vida pelas próprias mãos tornou-se o hobby de muitos anos, quando chegava a casa do emprego na área imobiliária. Herdou o talento do pai, Armando Ferreira da Costa, bancário, e um artista-carpinteiro de mão cheia, “um verdadeiro perfecionista”, nas palavras de António, e o primeiro a transmitir o amor pela carpintaria a três gerações da família.

Por estes dias, o legado persiste no lugar 01 dos Ateliers da Penha, em Lisboa, as oficinas de cowork na Penha de França, onde António e o filho Gonçalo perpetuam o dom de Armando todos os dias. O resultado são pranchas de skate em madeira reutilizada, feitas à mão, para adeptos de street surf, uma tendência urbana que tem vindo a ganhar cada vez mais curiosos e praticantes nos paredões e parques urbanos. “É uma espécie de surf em terra, mais para passeio do que para manobras ou acrobacias, e dá para toda a família”, explica Gonçalo Sassetti, 37 anos, formado em gestão ambiental e hotelaria — sempre fez skate e bodyboard – e que depois de vários anos a trabalhar num hospital, decidiu virar o leme profissional, unir-se ao saber do pai e lançar as AFC Woodboards, um produto 100 por cento português e sustentável. “O meu pai já tinha uma grande reserva de madeira colecionada, e é tão fácil encontrar madeira por aí, há também os amigos que se desfazem de coisas e tudo o que é deixado no lixo”, revela.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Desde camas a móveis pintados, pequenos ou maiores bocados, tudo pode servir para fabricar manualmente as pranchas, todas diferentes entre si e com um número de série único, o que torna cada skate (ainda) mais autêntico, porque exatamente funde restos de origens e texturas diferentes. “Veja aqui esta madeira belíssima, estava pintada com uma tinta horrível, vai dar uma prancha fantástica”, explica António, enquanto segura as duas traves para exemplificar a quantidade de hipóteses que tem pela frente, ao dar uma nova vida ao desperdício. “Encontramos de tudo, desmontamos as peças, uma cama, por exemplo dá para uma dezena de pranchas, também depende do estado em que estão”, continua Gonçalo, o mais recente artesão da família que tem contado com o vasto conhecimento do pai para pôr em marcha as AFC Woodboards, pensadas para cumprir os 3 R’s: Reduzir, Reciclar e Reutilizar. “Tentamos usar materiais o menos tóxicos possível, este é um verniz de água, por exemplo”, mostra, enquanto enverniza a primeira de um lote de pranchas com vários tons de madeira que ainda não conseguem “fugir” à utilização de resina, por exemplo. “Estou à procura de outro componente, mas ainda não encontrei”, confessa António, advertindo que as tábuas têm de ser, acima de tudo, seguras e resistentes. E se há umas que dão mais luta que outras, António tenta nunca desistir.  “Esta aqui por exemplo, por causa deste decalque mais curvado, é das mais difíceis de fazer, mas dá-me um prazer imenso tudo isto, desde o projetar ao concretizar”, conta.

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São necessários três dias de trabalho que obedecem a um processo técnico de molde, prensagem e colagem, algumas das várias fases do processo. “Neste momento estamos a fazer doze pranchas por semana, porque temos estes moldes que se usam nestes estaleiros, a ideia subjacente à nossa marca é ser algo simples de se fazer, não precisando de mão de obra muito especializada”, referem ambos. A marca também contempla a possibilidade de só se comprar a prancha, sem as rodas e os trucks, se preferir, entre três tamanhos principais à escolha, pequeno, médio e grande, indicado para pais e filhos passearem juntos.

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Não só o mercado de surf e skate nacional e estrangeiro, também a decoração é um dos alvos a apontar pela AFC Woodbards, para quem, por exemplo não faça skate mas queira ter uma prancha em casa. “Trabalha aqui connosco um arquiteto que adora Sintra, e eu já tenho aqui o desenho da prancha inspirado nisso, é possível fazer-se tudo”, revela. Olhando para a prancha esculpida com as teclas de um piano desenhada por António para oferecer ao filho pianista, das suas mãos imagina-se, sem custos, um universo de mil desenhos possíveis.

Para já, a inspiração das AFC Woodboards são algumas das mais belas praias portuguesas. No site, cada modelo, com a respetiva funcionalidade, tem o nome duma praia. Há a do Norte, na Caparica, onde os mentores moraram, passando por Santa Cruz até à Arrifana ou Malhão, ligando a história de cada skate ao mar português e, preservando a história da génese da modalidade, desde os anos sessenta, nos EUA, quando um grupo de surfistas californianos decidiu pregar rodas de patins a tábuas para descer as ruas e as ladeiras de Los Angeles, em dias de mar flat.

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Desde aí, o skate e o surf nunca mais se largaram. E deslizar nestas pranchas de madeira pode ser o aquecimento perfeito antes de entrar no mar. Ou até para quem queira experimentar pôr-se em cima de um skate pela primeira vez. (O Observador agradeceu o convite à AFC Woodboards mas passou esta parte, sob pena de o leitor não poder ler estas linhas!)

Nome: AFC Woodboards
Data: 2019
Pontos de venda: loja online
Preços: desde 159 euros

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