O oitavo episódio do julgamento do caso Alcochete arrancou esta terça-feira no gelado tribunal do Monsanto com uma expectativa: as perguntas do advogado do ex-presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, à testemunha chave do processo, Ricardo Gonçalves. No entanto, um dia depois de ter esbracejado do lugar dos réus, quando ouviu a testemunha reproduzir o que teria dito numa reunião no dia antes da invasão à Academia, nem uma pergunta se fez sobre isso. A manhã, atirou depois a juíza presidente, acabou por ser muito pouco “produtiva para o tribunal”. Produziu-se depois um bocadinho mais com a segunda testemunha do dia, Manuel Fernandes, a acrescentar um pormenor sobre a tal frase da reunião – a mesma referida por Ricardo Gonçalves – mas com uma referência temporal: “Amanhã vamos lá estar todos às 16h e aconteça o que acontecer, vocês estão comigo?”. Esta intervenção também não mereceu qualquer interrogação por parte da defesa de Bruno de Carvalho.
A manhã acabou por estender-se e terminar com o advogado dos leões, Miguel Coutinho, a pedir à juíza que os oito jogadores do Sporting que permanecem no plantel, não sejam ouvidas presencialmente em tribunal, mas por videoconferência – uma hipótese que em relação a eles ainda não tinha sido levantada. Caso a juíza entenda que a sua presença física é mesmo necessária, então que os arguidos sejam retirados do tribunal para não condicionarem os depoimentos dos jogadores. Ainda os advogados não tinham saído da sala e o ponto de interesse já era outro: na bancada dos arguidos a funcionária judicial e os arguidos. À tarde, a inquirição de Paulo Cintrão foi mais curta, com o assessor da SAD a pormenorizar alguns pontos que se passaram nas instalações.
Na segunda-feira, o responsável pela segurança da academia, Ricardo Gonçalves, tinha trazido algumas novidades ao tribunal: assegurou que as imagens do CCTV (videovigilância) da Academia nunca estiveram desaparecidas; assumiu ter visto indivíduos a saltarem a vedação após a invasão (o que contraria a ideia de que teriam sido apenas 43 indivíduos no espaço a entrarem e a saírem pelo portão principal); e falou de uma reunião na véspera do ataque entre Bruno de Carvalho e elementos do staff, onde o ex-líder terá perguntado se estavam com ele “acontecesse o que acontecesse”. Apesar de alguns advogados terem tentado derrubar o seu depoimento, com pedidos de nulidade, confrontação com que disse na investigação e até um pedido à juíza para um processo por falsas declarações, chegada a vez da defesa de Bruno de Carvalho, esta terça-feira, as perguntas focaram-se no sistema de fecho das portas da Academia e no atual presidente Frederico Varandas – uma linha que a juíza cortou de imediato.
[O resumo do dia 7 do julgamento do caso de Alcochete]
Miguel A. Fonseca perguntou a razão pela qual, ainda na Madeira, os adeptos se aproximaram dos jogadores.
– Se os jogadores foram abordados foi porque foram ter com os adeptos?
– Sim.
– Lembra-se de ouvir insultos?
– Sim.
– Lembra-se de ouvir hijo de puta?
Depois, o advogado de Bruno de Carvalho passou para uma conversa com Jorge Jesus no aeroporto, que o diretor de segurança na altura disse não se recordar “porque a preocupação era retirar os jogadores”. Sobre a frase “Amanhã falamos em Alcochete”, Ricardo Gonçalves negou ter ouvido, explicando de seguida que o então técnico leonino dava uma folga em semanas com um jogo e não dava quando existiam dois encontros.
A conversa ficou depois um pouco dispersa, com o diretor de segurança a dizer que iria contactar a sua operadora para tentar perceber o porquê de não haver registo da chamada feita a Bruno Jacinto, ex-Oficial de Ligação aos Adeptos, com a juíza a alertar que esse telefonema não constava nos registos de ambos os telefones. “Visitas indesejadas para mim são sempre, outra coisa são visitas inesperadas. Nunca me passou pela cabeça que pudesse haver uma invasão. Fiquei preocupado porque a visita não foi tratada nos moldes habituais”, disse. “Se houve 12 minutos entre o telefonema recebido a avisar da visita e a chamada para a GNR, porque não fechou os portões? E o que fez pela segurança das pessoas?”, perguntou o advogado de Bruno de Carvalho. “Liguei à GNR e avisei o staff”, respondeu Ricardo Gonçalves. “Se havia maneira de colocar os jogadores em lugar inacessível a pessoas no interior da Academia? Em tese, sim”, admitiu de seguida. Para depois tocar em Varandas.
– Viu Frederico Varandas durante o evento?
– Vi de manhã. E depois.
– Onde devia estar o doutor?
– Não me compete a mim dizer…
[O resumo do dia 6 do julgamento do caso de Alcochete]
Sílvia Rosa Pires, a juíza presidente, deixou nesta altura um aviso. “Vamos ao que interessa, não para o soundbyte ou para satisfazer o ego sabe-se lá de quem”, atirou. “Mas a GNR diz que não estava lá ninguém para prestar a assistência médica…”, retorquiu Miguel A. Fonseca. “A testemunha não está aqui para comentar filmes mas sim para esclarecer factos”, disse depois de novo a juíza, perante a pergunta sobre os vídeos do interior da Academia, alertando para o tempo a passar e para a pouca produtividade que o julgamento está a ter esta manhã. Por volta das 11h30, chegou (finalmente ao fim) o interrogatório a Ricardo Gonçalves, com a advogada de nove dos arguidos, Sandra Martins, a pedir a reconstituição do crime na Academia com o diretor de segurança. E com um ponto de relevo: Miguel A. Fonseca não fez uma pergunta sequer sobre as reuniões de Bruno de Carvalho com o staff, ao contrário dos vários comentários sobre o atual presidente do clube verde e branco.
“Aquele alarme foi posto a tocar para alguém aparecer a rir-se num vídeo fabricado. Qual foi a pessoa que viram a rir-se num ataque terrorista? Frederico Varandas! A que é que achou tanta piada? Também deverá vir aqui depor. Alguém perdeu e alguém ganhou com isto. Interessa-me saber o que é que a pessoa, a seguir ao Jorge Jesus, com a maior responsabilidade no balneário, andou a fazer durante duas ou três horas. Onde é que ele está hoje? Para mim é importante, para saber o que aconteceu”, referiu Miguel A. Fonseca, citado pelo Record.
Manuel Fernandes volta a falar na frase e em Bas Dost a chorar
Manuel Fernandes, um dos jogadores com mais jogos e golos da história do futebol do Sporting, foi a testemunha seguinte apresentada pelo Ministério Público. Hoje, o agora comentador desportivo e embaixador do clube já se encontra reformado mas na altura era responsável do departamento de scouting e surge inclusive nos vídeos das câmaras internas que vieram a público particularmente indignado com os invasores.
[O resumo do dia 5 do julgamento do caso de Alcochete]
Alcochete. Arguido levado para a esquadra teve “comportamentos impróprios” com os polícias
“Ouvi um grande barulho, pessoas a falar alto. Estava eu, o [José Carlos] Laranjeira e o Pedro Brandão. Abri a porta e saímos. Forçaram a porta de vidro automática, não me recordo se ficou aberta. Houve um de cara tapada que me disse ‘Manel, desvia-te que isto não é contigo’ e seguiram para o balneário. Tentámos evitar que entrassem mais mas não conseguimos. Entraram também alguns de cara destapada”, começou por dizer. “Vi o Bas Dost com uma ferida na cabeça e outra pessoa que devia ser do posto médico do Sporting que o estava a agarrar. Estava a chorar. No balneário só vi muito fumo. Se vi quem o agrediu? Não, não vi”, prosseguiu.
“Quando cheguei ouvi insultos um pouco agressivos com alguns jogadores. O Patrício, o William, o Battaglia, o Acuña. Mas não estiveram lá muito tempo. Se ouvi alguém a motivá-los ou se era para falar dos maus resultados? Não ouvia o que eles estavam a dizer, não fixei. Estava tão nervoso até que depois abandonei aquilo tudo. Já passou um ano e tal e não me recordo de muita coisa. Pedi autorização para ir para casa porque não me estava a sentir bem. Qual não foi o meu espanto quando vejo os jogadores à noite e depois liguei ao treinador a dizer que se calhar tinha de ir lá também”, frisou ainda Manuel Fernandes no seu depoimento. “Bruno de Carvalho entrou lá com o André Geraldes uma hora e meia depois. Vi Geraldes e soube que o ex-presidente estava num gabinete. Já não estava lá nenhum dos adeptos. Geraldes passou e perguntou-me o que se tinha passado e eu respondi que aquilo era uma coisa estranha. Mas falei muito pouco, já estava de saída”, recordou depois.
De seguida, o antigo goleador leonino abordou também as reuniões de Bruno de Carvalho, à data presidente do Sporting, na véspera da invasão à Academia. “Houve uma para o staff, outra para os treinadores e outra para os jogadores. Aquela em que participei demorou 20 minutos. Houve uma frase que o presidente disse e que depois conversei com outras pessoas, pensando que se referia ao despedimento do treinador [Jorge Jesus]. Perguntou-nos: ‘Amanhã vamos lá estar todos às 16h e aconteça o que acontecer, vocês estão comigo?’. Comigo, aquilo que demonstrou foi descontentamento porque tinha um programa de televisão e não o defendia”, disse.
– Sabia o que ia fazer à Academia às 16h?
– Nós pensámos que ele ia despedir o Jorge Jesus.
Já em resposta aos advogados, Manuel Fernandes disse a Miguel Matias que os adeptos no seu tempo nunca foram agressivos para os jogadores. “Não quer dizer que fosse o caso naquele dia, no meu tempo tínhamos uma forma de reagir e felizmente estes jogadores tiveram sangue frio. Quantos eram? Os invasores eram o equivalente a mais de três equipas de futebol. Os jogadores ficaram estáticos e não reagiram a nada, foi o melhor para todos. Não vi os invasores impedi-los a sair”, referiu. “Espero nunca mais ver uma coisas destas no Sporting. Penso que as pessoas não queriam que isto tomasse estas proporções”, comentou depois a Amândio Madaleno, já depois de ter assumido que chegou a dormir entre o regresso a casa após a invasão e a saída para ir prestar depoimento.
[O resumo do dia 4 do julgamento do caso de Alcochete]
Jogadores pedem para não falar perante os arguidos. E os gritos com os arguidos
No final da sessão matinal, Miguel Coutinho, advogado do Sporting, apresentou um requerimento para que os oito jogadores leoninos que estavam na Academia, permanecem ainda no plantel de Silas e são testemunhas poderem ser ouvidos por videoconferência “por causa do que viveram naquele dia e por motivos de segurança”, referindo ainda que a pressão de estar presente perante os alegados agressores pode trazer transtornos. Em paralelo, Miguel Coutinho nomeou também uma série de razões para mostrar que não é fundamental que estejam fisicamente no tribunal. Caso seja recusado, pede então que os arguidos não estejam na sala para não inibir testemunhas. O advogado anunciou que os atletas querem instaurar procedimento criminal contra os arguidos.
Já a sessão da manhã ia longa e tinha sido dada como terminada, pelas 13h40, quando se começaram a ouvir vozes mais exaltadas junto aos arguidos. Um deles reclamava que queriam almoçar mas que estavam à espera do “chibo”, referindo-se a Nuno Torres. Torres, de pé, discutia com a funcionária judicial que o acusava de lhe ter chamado “mentirosa”. “Eu exijo que me respeitem, se não me respeitarem a mim, não estão a respeitar o tribunal”, disse a funcionária – fazendo ecoar na cabeça dos arguidos o recado dado na última semana pela juíza, que se não tiverem um comportamento respeitoso em tribunal podem voltar a ficar em prisão preventiva.
[O resumo do dia 3 do julgamento do caso de Alcochete]
Ao que tudo indica o incidente entre a funcionária e o arguido terá começado ainda na segunda-feira, com ele a dizer que se sentia mal e a pedir à polícia para chamar a advogada dele. A advogada de Nuno Torres acabou por deslocar-se aos bancos dos arguidos e chamar a atenção do seu cliente à frente de todos. “Você vai respeitar a funcionária”, avisou-lhe a advogada Mónica Cardoso, de dedo em riste. Os arguidos acabaram por sair do tribunal para almoçar. Nuno Torres dirigiu-se ao seu BMW azul, tão referido neste processo, e arrancou.
Bruno de Carvalho, que tinha sido dispensado pela juíza de comparecer nas sessões à exceções das alegações finais em virtude dos seus compromissos profissionais, marca de novo presença na sala. Também Fernando Mendes, que por razões de saúde não tem comparecido em todos os dias, está em Monsanto. “Não sabia que havia alguém a combinar o que quer que fosse nem vi ninguém de cara tapada. Só ao longe, a 300 metros”, disse à entrada. “Já tinha dito no aeroporto que lá ia. Vocês sabem que no aeroporto, quando houve aquela situação, falei com o Jorge Jesus e disse ‘Então mister, continuamos a conversa’. E ele próprio disse ‘Está aqui muita gente, isto está a ser um show off, falamos em nossa casa’. ‘Então vou lá falar consigo, em nossa casa’, respondi. O objetivo era acabar a conversa que estávamos a ter no Funchal, sobre o que se tinha passado com o Marítimo. Não sabia que havia grupo, não sabia que havia alguém a combinar o que quer que fosse, não falei com ninguém. Só depois, quando entrei, comecei a perceber o que se tinha passado”, acrescentou o ex-líder da Juve.
“Ficámos perplexos com o que estávamos a ver”
A parte da tarde começou às 15h30 com a audição de Paulo Cintrão, assessor de comunicação da SAD há três anos com a equipa de futebol profissional na Academia, em Alcochete. “Apercebi-me da entrada quando estava entre os campos 3 e 3 com o repórter de imagem da Sporting TV. Ficámos perplexos com o que estávamos a ver”, referiu inicialmente, antes de prosseguir a descrição de tudo o que assistiu durante a invasão do espaço.
[O resumo do dia 2 do julgamento do caso de Alcochete]
“Vi entrar uma série de indivíduos encapuçados, veio um indivíduo com uma tocha em direção a mim e assustei-me. Percebi que não era para mim quando ouvi dizer ‘Eles não estão aqui’. No campo estava o Jorge Jesus e o Rollin Duarte, que ainda tentou tirar a tocha. Ficámos todos perplexos, aquilo era algo que não estávamos à espera e ficámos sem reação”, disse Cintrão, que viu alguns dos suspeitos a tentar abrir as portas, um a dar com o cinto no Porsche [de Nelson Pereira] que chamou a atenção, houve uma tocha lançada para o telhado e outra para o campo. “Foi uma confusão total, até pelo alarme de incêndio”, descreveu, antes de contar viu Bas Dost “no chão com sangue na cabeça, acompanhado, e que ainda assistiu a Acuña “levar um chapadão na zona do cachaço”.
“Havia muito barulho. Foi o disparo do sistema de incêndio, aquele apito muito alto, muita gente… Não posso dizer que houve ameaças ou insultos, vi só uma agressão”, disse sem saber quem a tinha protagonizado. “O que houve ali foi um enorme sentimento de impotência perante o que estava a acrescentar”, salientou. Paulo Cintrão confirmou também que Emanuel Calças, um dos arguidos, chegou a estagiar na parte da comunicação na Academia. De referir que, logo num dos primeiros dias do julgamento, um militar da GNR tinha dito que um dos indivíduos à porta da Academia se tinha identificado como sendo “Emanuel Calças, jornalista do Sporting” e que um dos advogados colocou essa ideia em causa porque Calças estaria num dos carros em fuga que acabou intercetado.
“Ouvi Jorge Jesus perguntar ao Fernando Mendes ‘O que se passou aqui? Alguém tem de ser responsabilizado’. Ele respondeu que nada tinha a ver com isso e que estava de cara descoberta. Não percebi que Jorge Jesus tinha sido agredido. André Geraldes? Vi chegar mais de uma hora depois”, prosseguiu. “O diretor de comunicação, Nuno Saraiva, perguntou-me se o mister [Jesus] queria que o presidente lá fosse. Ele estava exaltado e quando o tentei abordar ele disse ‘Sai daqui, sai daqui'”, acrescentou antes de recuar até aos episódios que se passaram no domingo anterior na Madeira após a derrota do Sporting com o Marítimo. “Ouvi o Acuña e o Battaglia, que não gostaram do que ouviram e responderam mal aos adeptos, em espanhol”, referiu.
[O resumo do dia 1 do julgamento do caso de Alcochete]
A badalada frase “Vocês estão comigo, aconteça o que acontecer?” de Bruno de Carvalho na reunião com alguns elementos do staff do Sporting voltou então a ser referida, com Paulo Cintrão a corroborar o contexto da mesma que já tinha sido dado por Ricardo Gonçalves e Manuel Fernandes. “Todos pensaram que era por causa do despedimento de Jorge Jesus. O assunto da reunião era mesmo esse, se estávamos disponíveis para ajudar. Ficámos convictos que o Sporting já não tinha treinador para a final da Taça de Portugal”, explicou.
– Bruno de Carvalho instou os presentes a irem a Alcochete no dia seguinte?
– Do que me recordo, estava previsto ele ir porque de manhã recebo um telefonema a dizerem-me que provavelmente ele já não iria à Academia.
– Quem fez a chamada?
– Nuno Saraiva. Perguntei-lhe se tinha sido por causa da capa do Correio da Manhã [n.d.r. nesse dia saiu aquilo que ficaria denominado como caso Cashball] e ele disse que sim.
O assessor da SAD para a comunicação contou ainda que soube do horário do treino do dia da invasão por volta das 20h/20h30 da véspera, entre outros pormenores em respostas aos advogados dos arguidos como a exaltação de Fernando Mendes no aeroporto da Madeira, a imagem de Bas Dost “curvado e a pingar sangue da cabeça” ou a tocha que tinha sido lançada para a zona do estacionamento. “Pedi para que retirassem a tocha debaixo do carro do Nelson mas quando a tiraram, arremessaram-na para um campo de erva seca”, disse.
O julgamento do caso de Alcochete tem esta quarta-feira a nona sessão, com a audição dos antigos adjuntos de Jorge Jesus, Raúl José e Miguel Quaresma (que ainda seguiram com o técnico para o Al-Hilal da Arábia Saudita mas regressaram depois ao Sporting quando o treinador assinou pelo Flamengo), e de Nelson Pereira, treinador de guarda-redes na altura da invasão que coordena agora o departamento de guarda-redes do clube.