O Conselho Superior da Magistratura (CSM) aplicou uma pena de demissão ao juiz desembargador Rui Rangel, arguido na Operação Lex, no âmbito do processo disciplinar aberto na sequência dessa investigação. É a pena disciplinar mais grave de uma lista de sete possíveis, previstas no Estatuto dos Magistrados Judiciais. Quanto à juíza Fátima Galante, também arguida, foi condenada à pena de aposentação compulsiva — a segunda pena mais grave.

As penas aplicadas a ambos os juízes “referem-se a factos praticados no exercício de funções conexos com matéria criminal ainda em segredo de justiça”, informa o CSM num comunicado enviado na sequência do plenário realizado esta terça-feira em que foram decididas as penas. O CSM não detalha, porém, quais foram os “factos praticados” que levaram à aplicação destas penas disciplinares aos juízes uma vez que “estão estritamente ligados” à matéria criminal que se encontra em segredo de justiça — neste caso, a Operação Lex.

Não pode o Conselho Superior da Magistratura divulgar neste momento a matéria concretamente apurada nestes ilícitos”, lê-se no comunicado.

As penas de aposentação compulsiva e de demissão podem ser aplicadas, segundo o artigo 95.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, caso o juiz revele “definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função”, “falta de honestidade ou tenha conduta imoral ou desonrosa”, revele “inaptidão profissional” ou ainda caso “tenha sido condenado por crime praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes”.

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A juíza Fátima Galante terá assim de se aposentar e o juiz Rui Rangel, o seu ex-marido, fica afastado definitivamente, sem possibilidade de voltar a exercer funções, com “cessação de todos os vínculos com a função”, descreve o artigo 90.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Além destas duas penas disciplinares — as duas mais graves —, estão previstas mais cinco, da mais leve para a mais pesada: advertência, multa, transferência, suspensão de exercício e inatividade.

O Observador tentou contactar Rui Rangel, mas ainda sem sucesso.

Juízes podem recorrer, mas penas têm efeitos imediatos “em condições normais”

Rangel e Fátima Galanete ainda poderão recorrer da pena. Em declarações à Rádio Observador, o juiz desembargador e presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Soares, explica que um eventual recurso não terá “efeitos suspensivos, em condições normais” — quer isto dizer que as penas de demissão e aposentação compulsiva devem começar a ser executadas.

Sem conhecer os atos praticados pelos juízes e analisados pelo CSM e que levaram à aplicação destas penas, o juiz Manuel Soares diz conseguir “supor, porque é a ordem natural das coisas, que são atos de gravidade extrema” e “praticados no exercício da função”.

Uma pena de demissão aplicada a um juiz que tem 35 anos de carreira, não há-de ter sido resultado de uma falta leve, que o CSM tenha apurado”, apontou.

Quanto a esta matéria, o presidente da ASJP diz que “devemos” ter um “sentimento misto”. “Por um lado, todos devemos ficar sobressaltados quando percebemos que podem haver juízes que praticam atos de gravidade tal que seja incompatíveis com a função, mas por outro lado temos de ficar tranquilos quando percebemos que o sistema funcional, sem olhar a quem é o destinatário da decisão”, explicou.

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O juiz Manuel Soares considerou que “não é positivo para a justiça”, quando “um juiz é punido por factos que têm a gravidade que estes parecem ter”. “A justiça precisa que as pessoas confiem na integridade ética dos juízes e dos procuradores”, explicou, adiantando que “as pessoas devem ficar tranquilas quando percebem que um sistema de controlo como é o CSM tem condições de afastar da carreira pessoas que são consideradas inaptas por ela”.

Rui Rangel, arguido pelos crimes de tráfico de influência, fraude fiscal, branqueamento de capitais e recebimento indevido de vantagem na Operação Lex, foi ouvido no início de outubro pelo CSM que estava a investigar se houve recebimento indevido de dinheiro por parte do juiz e se os níveis económicos que exibe eram compatíveis com rendimentos. O juiz recusou ter praticado qualquer crime.

O juiz e a ex-mulher estão a ser investigados por alegadamente terem agilizado uma fraude fiscal relacionada com a transferência do jogador João Pinto do Benfica para o Sporting. De acordo com a investigação, ambos os juízes teriam exercido influência sobre os responsáveis pelo caso, alegadamente em troco de dinheiro e a favor do Benfica.

Rangel e Fátima Galante são dois dos 14 arguidos da Operação Lex. Entre eles, o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, o vice-presidente do clube Fernando Tavares, e ainda João Rodrigues, advogado e ex-presidente da Federação Portuguesa de Futebol.

O facto de ter sido constituído arguido, no início de 2018, no âmbito da Operação Lex já lhe tinha valido um processo disciplinar no CSM, que teve como resultado uma pena de suspensão de exercício. Depois de ter estado suspenso durante 270 — o prazo máximo da suspensão preventiva —, Rui Rangel regressou ao Tribunal da Relação de Lisboa em julho.

O regresso polémico não foi visto com bons olhos por alguns colegas. Na sua primeira distribuição, realizada por sorteio eletrónico, foram atribuídos quatro recursos a Rangel: um deles da Operação Marquês. No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça já o tinha proibido de decidir sobre este processo depois de este juiz, no âmbito de um recurso interposto em 2017, ter decidido a favor de José Sócrates — dando-lhe a única vitória que o ex-primeiro-ministro teve na fase de inquérito deste processo.

Juiz Rui Rangel já decidiu quatro recursos desde que voltou. Alguns colegas não gostaram do regresso