A azáfama é constante a bordo do Sagres, onde se ensaiam cerimónias, abastecem-se depósitos e se dão os últimos retoques na estrutura do navio-escola que, no domingo, inicia a viagem que Fernão de Magalhães realizou há 500 anos.

A missão está enquadrada no programa das comemorações do V Centenário da Circum-Navegação do navegador português Fernão de Magalhães, que arranca no domingo após a cerimónia de largada que contará com a presença do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa irá entregar à tripulação a bandeira que os atletas portugueses irão utilizar nos Jogos Olímpicos de Tóquio, onde o navio atracará em 18 de julho.

Até lá, os afazeres são muitos, sendo constantes os sons de martelos e berbequins, a par com ensaios de discursos e revisões de procedimentos. O comandante do navio Sagres, Maurício Camilo, não esconde a ansiedade destes dias que antecedem uma viagem que pretende fazer num ano o que o navegador português fez em três, há cinco séculos, e que percorrerá 41.258 milhas náuticas em 6.782 horas de navegação. “Estamos num frenesim na preparação do navio, no abastecimento do navio e, ao mesmo tempo, a tentar deixar as nossas vidas em terra o mais organizadas possível. Juntando tudo é um frenesim terrível até à largada”, disse o comandante à Lusa.

Para Maurício Camilo, o principal desafio da missão é “a própria dimensão da viagem que vai demorar um ano e seis dias, 41 mil milhas, e que vai exigir das pessoas e ao navio algum esforço e, em determinadas alturas, bastante esforço”.

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O comandante elege como ponto alto desta missão a presença em Tóquio durante os Jogos Olímpicos, como Casa de Portugal, e a comemoração dos 500 anos da entrada da esquadra de Magalhães no Estreito de Magalhães, em 20 de outubro. Esta será, de resto, a tirada mais complicada, não só porque é muito longa (32 dias), das maiores que o Sagres já navegou, mas também porque é feita “numa área em que as condições meteorológicas normalmente não são muito favoráveis”. Este deverá ser “o maior desafio em termos de meteorologia”, até porque é esperado mau tempo, adiantou.

Ao leme do navio estará a tenente Diana Azevedo, 29 anos e na Marinha desde 2008, que à Lusa sublinhou a particularidade do navio Sagres: “Além da navegação a motor, temos a componente vélica que nos caracteriza na navegação, nomeadamente oceânica”.

Se, em termos logísticos, o maior desafio passa por preparar o navio, em termos humanos, o repto é manter o espírito de coesão a bordo. “Em termos de convivência, o mais importante é manter uma coesão, um espírito a bordo. Isso ajuda bastante”, disse, sublinhando que as comunicações disponíveis a bordo e nos portos onde o navio vai atracar ajudam a matar as saudades.

O navio parte domingo e fará a primeira paragem na próxima sexta-feira, em Tenerife, Espanha. Para Diana Azevedo, este será sem dúvida o seu maior desafio profissional. “Como chefe de serviço de navegação, é um grande desafio. Vou aprender muito na minha área – meteorologia. Vai ser uma experiência totalmente diferente do que estávamos habituados, principalmente pela duração da missão”, explicou.

À volta com as compras anda o primeiro sargento Vitor Rafael, dispenseiro no navio Sagres e que tenta assegurar que nada falte na mesa dos 144 tripulantes. Há cerca de um mês que os armazéns começaram a encher-se de secos, como arroz, massa, enlatados. Seguiram-se os congelados – cerca de 12 mil quilos de carne e peixe. Ovos, verdes e fruta também estão assegurados, pelo menos até à próxima paragem em terra.

De acordo com Vitor Rafael, para esta missão foram adquiridas duas toneladas de bacalhau, 3.000 quilos de batatas e 1.000 quilos de cebolas, além de 360 ovos, água, charcutaria, entre outros produtos alimentares, que deverão ser repostos durante as paragens nos 22 portos de 19 países que a viagem contempla.

Miguel Vitor, 25 anos, segundo marinheiro e operador de comunicações, tem consciência que esta é uma viagem histórica e foi por isso que se voluntariou. Acredita que estes últimos dias antes da largada são “os mais complicados”, não só ao nível do trabalho, como a nível pessoal, que “é ainda pior”. “Vai ser um desafio trabalhar com vários tipos de equipamentos e de frequências, mas o importante é que a mensagem chegue a bom porto”, apontou, em relação à sua área profissional.

Para Miguel Vitor, a grande vantagem do navio Sagres, em termos de comunicações, é o satélite que transporta e que, em caso de emergência ou para uma comunicação mais rápida, pode ser utilizado para contactar seja com quem for e para que nível for. E nem as saudades que diz serem complicadas de gerir refreiam o entusiasmo deste navegador. “É para isto que um marinheiro português é feito: para estar no mar e conhecer o mundo”, atirou.

A primeira viagem do navio Sagres com a bandeira portuguesa realizou-se em 25 de abril de 1962, que já realizou três viagens de circum-navegação em 1978/79, 1983/84 e 2010, mas nenhuma tão longa como a que começa no domingo.