“Sex Education” conta a história de Otis Milburn, um jovem com algumas dificuldades de socialização, que encontra na colega (e mais que isso) Maeve (Emma Mackey) a companhia perfeita para concretizar uma ideia de génio que o vai levar a ter uma vida muita mais integrada no liceu: uma equipa de terapia sexual para os colegas que procurem resolver os seus problemas — os tais que Asa Butterfield, que interpreta Otis, jura que nunca conseguiria tratar: “Não estou qualificado para isso”, diz-nos em entrevista.

Otis é filho de uma terapeuta sexual, a doutora Jean F. Milburn (Gillian Anderson), mas ela própria precisaria, talvez, de algum apoio, portanto não é óbvio que a mãe ensine ao filho tudo o que sabe e que esta espécie de clínica underground de Otis e Maeve beneficie disso. A primeira temporada mostra a evolução pessoal e “profissional” das personagens, como evoluem, como se relacionam e como ajudam os outros (por vezes em prejuízo próprio). Sex Education é uma história de crescimento, é uma série que entra na categoria “coming of age”, mas não de forma clássica. O humor é refinado, herdeiro da tradição inglesa, mas não é por isso que os dramas deixam de ser densos e próximos da realidade (e que não se ficam pela juventude, bem pelo contrário).

A segunda temporada que chega à Netflix esta sexta-feira, dia 17 de janeiro, continua com a mesma filosofia, mas permite que novas personagens se apresentem ao serviço. Falámos com o ator Asa Butterfield num rápido encontro em Londres.

[o trailer da segunda temporada de “Sex Education”:]

Já trabalhou com realizadores como Tim Burton (“A Casa da Senhora Pelegrine para Crianças Peculiares”, 2016 ) ou Martin Scorsese (“A Invenção de Hugo”, 2011). O que é que o atraiu para este projeto em particular?
Queria trabalhar em televisão e ainda não o tinha feito. Ou melhor, fiz alguma coisa, mas queria tentar trabalhar numa história mais longa e ganhar mais experiência. Na televisão há mais tempo para trabalhar a personagem, mais tempo no ar, e queria fazer algo assim. Tinha lido uns quantos guiões, nenhum dos quais me tinha parecido ser o certo e, depois, quando esta história apareceu e li o guião, achei que era muito engraçada – o que é sempre uma coisa boa. Dava para perceber que estava bem escrito e que tinha reflexão. Todas as personagens me pareceram muito reais e complexas. Não eram apenas um estereotipo de miúdos na escola. Todas as personagens tinham algo com que um ator podia brincar, o que só mostra que a história tinha pernas para andar. Se uma personagem é tridimensional, então aí é possível realmente levar o trabalho até ao próximo nível. E era uma série britânica também, o que é ótimo porque significa que podia trabalhar perto de casa [Londres]. Encontrei-me com o Ben [Taylor], o realizador, com a Sian [Robins-Grace] e os outros produtores e eles explicaram-me que visão tinham para a série e fiquei muito entusiasmado. Foi assim que tudo começou.

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Teve algum receio das cenas embaraçosas que viriam com fazer uma série sobre a vida sexual de um grupo de adolescentes?
Um ator já sabe o que o espera quando aceita um papel em “Sex Education”. E isso [as cenas constrangedoras de sexo] era algo para que todos estávamos disponíveis porque somos adultos e podemos ter este tipo de conversa de forma bastante aberta. É muito mais difícil falar destes temas quando se é adolescente. Portanto, ter a oportunidade de tirar um pouco da pressão sobre as pessoas que estão a assistir à série, quase poder ter estas conversas por elas – ou, pelo menos, começar a conversa por elas — é algo mais útil e poderoso do que alguma vez imaginámos.

Há quem o procure para partilhar questões e problemas sexuais desde que a série começou?
Surpreendentemente não! Tenho tido muita sorte. Ninguém me apresentou os seus problemas sexuais e tenho a certeza de que nunca conseguiria resolver os problemas de ninguém, não estou qualificado para isso.

Quando começou a trabalhar em “Sex Education” pensou que talvez ajudasse as pessoas a falar dos vários temas difíceis que a série aborda?
Sim, esperávamos que assim fosse. Nunca sabemos como vão ser recebidos os projetos em que estamos a trabalhar. Estávamos a divertir-nos imenso durante as gravações, mas depois quando sai está fora das nossas mãos. Já tínhamos assistido a todos os episódios e toda a equipa estava satisfeita com o resultado final, mas às vezes, quando vemos algo que já está completo, apenas recordamos os bons momentos que tivemos durante a produção. Alguém que está a ver pela primeira vez tem uma experiência completamente diferente. Assim que a série saiu começámos logo a ter reações muito positivas, houve muito carinho por “Sex Education” e pela honestidade da série. Era isso que queríamos.

[as reações do elenco ao ler o argumento da segunda temporada de “Sex Education”:]

Uma segunda temporada era algo que estava garantido desde o princípio?
Estávamos todos à espera de poder continuar e fazer mais episódios porque estávamos a gostar imenso de trabalhar na série, mas nunca esteve garantido. Mas assim que a primeira temporada saiu, a resposta foi tão positiva que não demorou nada até anunciarem uma nova temporada.

Não foi logo no mês a seguir a ter saído?
Sim, acho que foi à volta disso. Estávamos todos super excitados com a ideia de voltar a trabalhar em “Sex Education”. E espero que possamos fazer uma terceira temporada. Neste momento ainda não sabemos se será possível, mas a equipa está toda a fazer figas.

Imagina-se feliz no papel de Otis durante alguns anos?
Sim. Não acho que vá estar no ar durante anos e anos porque obviamente vamos ficar mais velhos e as personagens estão a acabar o liceu. É um mundo pequeno e uma história simples. Não sei quantas temporadas poderá durar, tudo depende da Laurie [Nunn], a argumentista.

É a personagem que passou mais tempo a desenvolver?
Sim, acho que sim.

Como tem sido para ti enquanto ator ter mais tempo para trabalhar numa personagem?
Tem sido divertido. Ponho muito de mim no Otis e sinto-me bastante em casa quando estou a desempenhar a personagem e a sua inépcia. Adoro personagens embaraçosas. São muito divertidas porque é tão fácil identificarmo-nos com elas. Toda a gente já foi assim num momento ou noutro e conhece a terrível sensação de passar por essas experiências. Tem sido muito fixe poder ir nesta viagem com o Otis desde a primeira temporada até à segunda e vê-lo amadurecer e ganhar mais confiança em si mesmo e nas suas capacidades. É bom.

[para recapitular a primeira temporada:]

Como é que vê o enorme crescimento de plataformas como a Netflix e as oportunidades que criam?
A linha que separa a televisão do cinema está cada vez mais fina. Há muitos atores que estão a atravessar essa linha e a trabalhar em ambos os campos — a qualidade da televisão é fantástica. Há mais programas de televisão que são genuinamente extraordinários com personagens realmente complexas. Os atores têm mais de tempo para desenvolver uma personagem, levá-la numa viagem mais longa e olhar para ela mais de perto do que alguma vez poderiam fazer no cinema. E a Netflix tem um alcance global, claro. É ótimo poder fazer algo a que qualquer pessoa pode assistir em qualquer lugar do mundo. É mesmo muito fixe.

Na série, o Otis está sempre a dar conselhos a toda a gente, apesar de ele próprio não ter muita experiência. Há algo que gostaria que alguém lhe tivesse dito quando tinha 16 anos?
Não sei ao certo… Estava a trabalhar quando tinha 16 anos [“Ender’s Game – O Jogo Final”, de 2013, ao lado de Ben Kingsley e Harrison Ford] e estava rodeado por adultos. Nessa idade só queremos estar com os nossos amigos e não ter as responsabilidades de um adulto, mas aprendes muito com eles e é importante manter essas relações. Gostava que alguém me tivesse dito para não perder contacto com eles, especialmente quando tive a sorte de trabalhar com pessoas mais velhas que são extremamente sábias e talentosas.

Começou a trabalhar muito jovem. Como foi atravessar a adolescência de forma tão pública? E sair dessa fase tendo tido sucesso em criança?
Sempre me esforcei por manter os pés na terra. A minha carreira veio sempre depois da minha família, amigos e da minha vida de criança. Nunca me senti demasiado desligado nem senti que tinha deixado de viver a vida de um miúdo. Acho que isso me ajudou enquanto adulto e enquanto ator também. Pude desfrutar da minha infância. O meu mundo não girou à volta de ser ator. Acho que quando isso acontece, pode fazer com que atuar deixe de ser tão divertido e seja demasiado parecido com um emprego. Ainda posso fazer outras coisas, tenho tempo para fazer outras coisas. Tenho a sorte de agora poder ser mais seletivo a respeito dos papéis que aceito e poder escolher quando quero trabalhar e quando quero tirar algum tempo para mim e fazer algo completamente diferente.