Sarju Raikundalia, Nuno Ribeiro da Cunha, Mário Leite da Silva e Paula Oliveira são os quatro portugueses que foram constituídos arguidos no processo conhecido como Luanda Leaks. Segundo o Procurador-Geral da República de Angola, Heldér Pitta Grós, são suspeitos de terem funcionado como testas de ferro para negócios de Isabel dos Santos, também ela arguida por suspeitas de crimes como branqueamento de capitais, falsificação de documentos, abuso de poder e tráfico de influências.

“São pessoas cujos nomes aparecem sim, mas são de fachada, já que as empresas pertencem de facto a Isabel dos Santos”, referiu Pitta Grós. Os quatros estão fora de Angola e serão notificados para que “venham voluntariamente à justiça”. Se tal não acontecer, a PGR irá recorrer aos “instrumentos legais”, como mandados de captura internacionais. Quem são e como se relacionam ao universo Isabel dos Santos?

Sarju Raikundalia e as “injustiças que dominam o mundo”

Sarju Raikundalia, antigo administrador financeiro da Sonangol

 

Sarju Raikundalia, 42 anos e natural da Índia, recebeu a nacionalidade portuguesa em 2006, através de um despacho publicado em Diário da República. É licenciado em Gestão e Administração de Empresas pela Universidade Católica e tem uma pós-graduação em Finanças pela mesma universidade.

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Na página de perfil da Sonangol, que ainda pode ser consultada, lê-se que o português é a sua língua nativa, sendo também fluente em inglês e espanhol. Tem um nível “elementar” de francês e consegue comunicar em gujarati, uma língua falada sobretudo no oeste da Índia.

Antes de ser nomeado administrador financeiro da Sonangol, em 2017, pelo atual presidente angolano João Lourenço, foi auditor sénior da PricewaterhouseCoopers (PwC) entre 2000 e 2004, passando depois para a Esteves & Pinho S.R.O.C Lda. Em 2009, regressa à PWC, desta vez como manager sénior de auditoria, com funções como “atrair clientes para a empresa”. A partir de 2013, na PWC Angola, passa a “coordenar e controlar os trabalhos de auditoria de acordo com os procedimentos internos de controlo e contabilidade no setor do petróleo e gás”.

Isabel dos Santos e vários portugueses constituídos arguidos em Angola

Foi administrador financeiro da Sonangol enquanto Isabel dos Santos era líder da petrolífera. Segundo a investigação Luanda Leaks, chegou a viajar até à Sonangol UK, a subsidiária no Reino Unido da petrolífera, para afastar Sandra Júlio da liderança da empresa e substituí-la por Maria Rodrigues, irmã de um ex-marido de Marta dos Santos, que, por sua vez, é irmã de José Eduardo dos Santos. Mas não foi bem sucedido.

É suspeito de, após a exoneração da petrolífera, ter ordenado uma transferência, segundo a indicação de Isabel dos Santos, no valor de cerca de 38,1 milhões de dólares para a Matter Business Solutions, uma empresa offshore de consultoria, com sede no Dubai, e que pertencia a Paula Oliveira, outra das arguidas (e amiga da empresária angolana). Ou seja, a operação foi feita numa altura em que já não teria legitimidade para o fazer. Segundo o procurador-geral da República de Angola, “abandonou o país” depois de ter sido exonerado. Sarju Raikundalia está a ser investigado pelos alegados crimes de associação criminosa, peculato, abuso de poder e branqueamento de capitais.

Na conta de Twitter, criada em 2014 e com muito pouca atividade, escreveu, na biografia, que o “Sucesso é a soma de pequenos esforços, repetidos dia após dia”. Numa publicação nesse mesmo ano, acrescentava uma citação do escritor canadiano Robin Sharma: “Quando presenciares injustiça, fala. E faz algo em relação a isso. Se não o fizeres, permites que a injustiça domine o mundo”. 

Nuno Ribeiro da Cunha, diretor do EuroBic

Nuno Ribeiro da Cunha, diretor do Private Banking do EuroBic

Diretor do Private Banking do EuroBic (do qual Isabel dos Santos era a maior acionista até ter anunciado, esta quarta-feira, a venda da posição), Nuno Ribeiro e Cunha, 46 anos, era um homem da confiança de Isabel dos Santos. Foi Ribeiro da Cunha quem validou transferências no valor de vários milhões de euros da conta da Sonangol no EuroBic para o Dubai, após a exoneração de Isabel dos Santos. Esta quinta-feira foi conhecida a notícia da sua morte. Segundo fontes próximas, citadas pelo Jornal Económico, terá sido um suicídio.

Um dia antes, na quarta-feira, soube-se que, a 7 de janeiro deste ano, tinha sido encontrado com ferimentos graves nos pulsos e no abdómen na casa de férias da família, em Vila Nova de Milfontes, e levado para o hospital. À TVI, o gestor disse que o incidente foi o resultado de um esgotamento e depressão, que nada teve a ver com o Luanda Leaks ou questões profissionais — negando que tenha cometido qualquer ilegalidade no EuroBic. A mesma versão foi contada à Polícia Judiciária, que suspeitou que Ribeiro da Cunha pudesse estar sob coação para simular o suicídio e apreendeu-lhe o telemóvel, segundo a TVI. Ao Observador, a PJ confirmou que estavam a ser equacionadas todas as hipóteses, entre a tentativa de homicídio e de suicídio.

Investigação internacional acusa Isabel dos Santos de alegadamente ter desviado 115 milhões de dólares da Sonangol

Mário Leite da Silva, o braço direito de Isabel dos Santos em Portugal

Mário Leite da Silva, um dos braços direitos de Isabel dos Santos

Ao todo, Isabel dos Santos terá desviado da Sonangol 115 milhões de euros que tinham na sua base um contrato de prestação de serviços — há dúvidas sobre se foram efetivamente prestados — com a Matter Business Solutions, e que é constituída por várias pessoas próximas de Isabel dos Santos: não só Paula Oliveira, mas também Mário Leite da Silva, braço direito da empresária angolana em Portugal. Os dois aparecem como diretores da empresa.

Num perfil recentemente publicado pelo Observador, pode ler-se que Leite da Silva começou, em 2006, a colaborar com Isabel dos Santos, que o “roubou” ao empresário Américo Amorim. Foi membro do conselho de administração da Fidequity, a empresa com sede na Avenida da Liberdade que gere vária participações de Isabel dos Santos.

Competente, duro e autoritário. O braço direito que está com Isabel dos Santos “para o bem e para o mal”

Surge ainda como administrador de empresas-chapéu de Isabel dos Santos, como a Galp e a Efacec ou a Wise Intelligence, ligada à consultoria e gestão de projetos. Tal como Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, foi alvo do arresto preventivo de participações em empresas e contas bancárias decidido em dezembro.

Natural do Porto, é casado (com uma ex-consultora da PwC, onde também trabalhou) e tem dois filhos. É professor na Porto Business School, e descrito por um aluno como um “professor of practice”, ou seja, mais virado para o mundo empresarial. É filiado no PSD desde, pelo menos, os 20 anos.

Mário Leite da Silva é ainda presidente do conselho de administração do Banco de Fomento Angola (BFA), mas, segundo a Lusa, deverá deixar em breve o cargo, dado que o mandato está a chegar ao fim. Não vai a Angola há mais de um ano.

Paula Oliveira e os acordos da offshore no Dubai

Paula Oliveira, amiga pessoal de Isabel dos Santos e empresária

Paula Oliveira, amiga próxima de Isabel dos Santos (que chegou a estar no casamento da portuguesa), esteve ligada à criação da Matter Business Solutions. Segundo o Expresso, apesar de nunca ter assumido no currículo fazer parte da empresa, a sua assinatura aparece a representar a companhia offshore em dois acordos de pagamentos da Sonangol.

Um deles, segundo o jornal, é um contrato celebrado entre a Sonangol UK e a empresa do Dubai, fechado cinco dias antes de Isabel dos Santos ter sido afastada da petrolífera pelo Presidente João Lourenço a 15 de novembro de 2017. O contrato terá legitimado a transferência de cerca de 57,8 milhões de dólares para a Matter Business. É ainda administradora não-executiva da NOS.

Numa entrevista no ano passado ao site Executiva, disse que “é na imperfeição que reside a criatividade”. Segundo a publicação, Paula Oliveira “dedicou os últimos 10 ao empreendedorismo estratégico e a apoiar o desenvolvimento de novos negócios em diversas indústrias em mercados emergentes e mercados maduros”. É sócia na SDO Consulting, especializada em recursos humanos.

É licenciada em Gestão de Recursos Humanos e Psicologia do Trabalho e tem uma pós-graduação em Gestão pela Universidade Católica Portuguesa. “O que me move são os desafios, ultrapassar obstáculos e ganhar. Tal e qual como empreender; criar um projeto é igualmente um caminho longo, complexo e profundo – desde identificar a necessidade no mercado até a realização da ideia existem imensas variáveis e imponderáveis a interpretar e gerir”.

Já faço consultoria há muitos anos e hoje posso ter o “luxo” de escolher os projetos que realmente me realizam enquanto pessoa e profissional.

Questionada sobre por que razão as mulheres ainda ocupam menos de 30% dos cargos de liderança, Paula Oliveira defendeu: “Porque são as mulheres que procriam. Porque as mulheres começaram a estudar muito mais tarde do que os homens, porque em Portugal os cargos de liderança não são ocupados por pessoas com menos de 45/50 anos! Porque quando as pessoas de 30/35 anos conseguirem ocupar cargos de liderança nas grandes empresas portuguesas, essa percentagem vai subir muito rapidamente. Nas gerações de 30 para baixo as quotas começam a ser muito diferentes. Estamos em desigualdade de número e não de género. Não gosto desta lei.” Paula Oliveira é casada e tem três filhos.

[Artigo atualizado a 23 de janeiro, com a notícia da morte de Nuno Ribeiro da Cunha]