“Houve alturas em que me sentei e disse: ‘Isto não vai acontecer. É muito difícil. Há muitos obstáculos pelo caminho’. Mas eu não desisto”. Em janeiro de 2018, David Beckham reconheceu que não tinha sido fácil, que não estava a ser fácil e que não seria fácil criar um clube de raiz. No evento em que anunciou que o Inter Miami, o clube pensado e fundado por si, iria entrar na Major League Soccer (MLS) daí a dois anos, o antigo jogador inglês não escondeu as dificuldades que encontrou pelo caminho: e estava longe de imaginar aquelas que ainda iria ter de superar.

A 14 de março, daqui a sensivelmente um mês, o Inter Miami vai fazer o primeiro jogo da própria história. O particular, um encontro contra os LA Galaxy onde Beckham jogou no final da carreira e onde se tornou um ídolo também para os norte-americanos, serve para apresentar o novo clube, para estabelecer ligações com a população de Miami que nesta altura não tem representação na MLS e ainda para preparar a equipa para o início do Campeonato. Afinal, é já no próximo mês que o Inter Miami se estreia na MLS, contra os Los Angeles Football Club, e começa um caminho que Beckham quer longo e próspero. Os problemas, esses, apareceram logo nas primeiras decisões.

O jogador inglês jogou nos LA Galaxy, o clube que vai agora assistir à estreia do Inter Miami

Para além de encontrar alguma dificuldade na procura por investidores — Miami já teve um clube de futebol que fracassou, no início do milénio, e esse antecedente preocupava os interessados –, o principal obstáculo que paralisou David Beckham foi mesmo o local onde vai ser construído o estádio e a sede do Inter Miami. Os primeiros planos apontavam para uma localização nos arredores da cidade, nos mais pacatos subúrbios onde o futebol é teoricamente mais popular, mas o antigo capitão da seleção inglesa queria exatamente o contrário: Beckham queria levar o futebol para o centro da cidade, para a população urbana que no passado verão vibrou com um encontro entre Real Madrid e Barcelona ainda na pré-época, para a janela de pessoas que já coloca a modalidade ao lado do futebol americano, do basquetebol ou do basebol. Por tudo isso, escolheu o campo de golfe Melreese, um espaço de mais de 50 hectares que irá receber o complexo desportivo, edifícios de escritórios e ainda uma zona comercial, um investimento que ronda os mil milhões de dólares e que deverá estar pronto em 2022.

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O problema foi que o obrigatório relatório ambiental feito em Melreese detetou um nível de poluição do solo acima do permitido. A contaminação por arsénico estava duas vezes acima do limite legal e a poluição do solo — provocada por cinzas contaminadas de uma incineradora da região — era superficial, por vezes a menos de 15 centímetros de profundidade. O responsável pelo relatório indicou mesmo que aquele era “o espaço mais poluído da cidade” e a equipa liderada por David Beckham viu-se obrigada a pagar milhões para desintoxicar o espaço e torná-lo viável para receber um complexo desportivo, centenas de atletas por dia e milhares de adeptos todos os fins de semana. Até lá, o Inter Miami vai jogar no Lockhart Stadium.

Esta quarta-feira, a menos de um mês da estreia oficial do Inter Miami, David Beckham sofreu mais um revés que, provavelmente, o dinheiro não vai conseguir pagar. O Inter Milão, o histórico clube italiano, venceu uma primeira fase do processo judicial que impôs à MLS, onde defende que o termo “Inter” é sinónimo do emblema treinado por Antonio Conte. O US Patent and Trademark Office (USPTO), a entidade norte-americana responsável pelos direitos de propriedade e pelas marcas registadas, considerou inválido um dos argumentos apresentados pelo Inter Miami e pela MLS. A liga dos Estados Unidos alegava que já existem vários clubes no mundo inteiro — o Internacional de Porto Alegre no Brasil, o Inter Turku na Finlândia e o Inter Leipzig na Alemanha são alguns exemplos — que têm a palavra nos respetivos nomes mas o USPTO indica que isso não significa que a MLS seja proprietária ou tenha direitos em relação ao termo.

O que está a ser decidido no USPTO é a atribuição ou não da propriedade da marca registada da palavra “Inter” ao Inter Milão: o clube italiano submeteu o pedido em 2014, quando Beckham anunciou a intenção de fundar uma equipa, e tem como objetivo impedir qualquer outro emblema no mundo inteiro de utilizar o termo no respetivo nome. Além de relativizar a alegação de que outros clubes já usam a palavra, o USPTO também rejeitou o argumento apresentado pela MLS de que a marca registada aplicada a “Inter” iria causar “uma sensação de confusão” nas equipas que já a utilizam.

Obstáculos à parte, o Inter Miami — ou qualquer outro nome que tiver nessa altura — vai mesmo apresentar-se à cidade, aos Estados Unidos e ao mundo daqui a um mês. O clube ainda não tem uma estrela (o nome mais sonante será o jovem Matías Pellegrini, que brilhou no Estudiantes) mas David Beckham já garantiu que o futuro vai passar por contratar jogadores com provas dadas. Opções não lhe faltam: Griezmann, Neymar, David Silva, Cavani e Suárez são alguns dos nomes que já admitiram uma eventual transferência para o Inter Miami no futuro.