Filho de emigrantes, Marco Pinto nasceu em França e esteve até aos 18 anos sem saber o que era o Algarve: “Os meus pais são de Guimarães por isso sempre que vínhamos a Portugal, no verão, íamos para o Norte. Só quando tirei a carta de condução é que desci até cá. E fiquei maluco.”
A água quente não foi a única culpada, e a verdade é que a região ficou de tal forma presente que mais tarde Marco começou a trazer a namorada Julie Pereira, igualmente filha de portugueses, para pequenas e grandes temporadas.
“Vínhamos sempre que podíamos, mas às tantas já estávamos fartos de arrendar apartamentos em Lagos ou em Albufeira, e começámos à procura de um terreno.” A ideia era pôr aí uma caravana ou até mesmo uma tenda – o suficiente para fazer um refúgio no campo onde pudessem cortar, de vez em quando, com “a vida maluca” da capital francesa. Em Paris, o casal tinha uma empresa de gestão imobiliária e passava os dias “a 200 à hora”, a olhar para papeladas de rendas e a administrar condomínios. Em Loulé, mais concretamente na serra do Caldeirão, acabaram por encontrar a quinta que os fez mudar de vida.
Hoje, com 42 e 31 anos, e um bebé algarvio, são ambos vegan, têm uma marca de cosmética natural, uma loja-atelier, uma horta biológica e um eco bed & breakfast, tudo sob o teto Casa Brava. O nome veio do lado selvagem da quinta que compraram em 2014 e que estava abandonada e em ruínas. “Quando comprámos a propriedade, fizemos uma casinha de madeira para passar cá uns dias, mas era cada vez mais difícil voltar para Paris e estar na cidade”, conta Marco. “Sempre que chegávamos aqui, ficávamos outros. Foi aqui que a nossa ligação com a natureza e a nossa vertente ecológica cresceu a sério. Já tínhamos algumas preocupações, mas não como agora. Aqui mudámos a nossa maneira de viver, de comer e de consumir.”
“Estes não são sabonetes para vender nas feirinhas”
Toda a filosofia slow e ecorresponsável do casal é percetível nos vários projetos a que deitaram mãos quando se mudaram para o Algarve, há quatro anos, depois de venderem a empresa “séria” que tinham. A começar pelos sabonetes feitos por Julie através da técnica antiga da saponificação a frio, num atelier entretanto instalado no centro histórico de Loulé, junto à muralha, e onde funciona também a loja da marca. “Queríamos fazer algo manual e encontrámos aqui a matéria-prima perfeita: azeite biológico extravirgem mundialmente premiado.” Como diz Marco, apesar da componente artesanal, estes “não são sabonetes para vender nas feirinhas, é uma imagem com design e de alta gama.” Barras esteticamente apelativas envolvidas em rótulos de cartão reciclado, impressos localmente com os nomes criativos de cada variedade: Aroma do Sol, Remédio de Flores e Alma Vulcânica, para dizer algumas. Ao todo são oito tipos de sabonetes e todos usam a tal base de azeite misturada com outros ingredientes biológicos cultivados a poucos quilómetros de distância, entre eles o tomilho, a lavanda, o eucalipto e a alfarroba. Cada um tem propriedades diferentes – purificante, detox, hidratante, e por aí fora – e há até um sabonete redondo para a higiene íntima, desenvolvido em parceria com ginecologistas e clinicamente testado.
A par da cosmética, e com a mesma preocupação de respeitar o ambiente, a Casa Brava começou a vender na mesma loja acessórios em madeira reciclada (como as colheres ou as saboneteiras feitas a partir de antigos ramos de oliveiras), ervas aromáticas e condimentos biológicos que começam por ser cultivados na horta e ainda, mais recentemente, recipientes esculpidos em pedras da própria quinta.
Outra grande novidade é a ampliação do bed & breakfast, um projeto ainda assim de pequena escala – exatamente como o casal pretende.
“Quando restaurámos a casa da quinta para nós vivermos, restaurámos também o antigo curral e começámos a experimentar arrendar um quarto, na perspetiva de partilhar a nossa história e de permitir que outras pessoas como nós pudessem dar um passo atrás na sua vida agitada e aproveitar o campo”, recorda Marco. Os hóspedes gostaram das paredes de pedra, da rede pendurada no alpendre, da salamandra exterior e da piscina que parece ter sido escavada no próprio chão, não longe das alfarrobeiras. Gostaram tanto que no final de maio a antiga pocilga voltou a abrir portas, completamente irreconhecível e transformada numa casinha de campo com capacidade para três pessoas, a pensar nos casais com um filho. Como seria de esperar, os sabonetes usados no bed & breakfast são Casa Brava, o pequeno-almoço é vegan, a água doméstica é reaproveitada e num passeio pelo campo o mais provável é encontrar Marco sorridente e de enxada na mão. “O grande projeto da Julie é o da cosmética, o meu é a horta biológica”, conclui o franco-português. “A horta agora é o meu escritório. E sou feliz.”
Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestle nº 4 – especial viagens (junho 2019).