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Marega no jogo para homens de barba rija onde alguns não foram homens (a crónica do V. Guimarães-FC Porto)

Este artigo tem mais de 4 anos

Teve golos, oportunidade, intensidade, emoção. O V. Guimarães-FC Porto, que acabou com o triunfo dos dragões, teve tudo (2-1). Até teve demais – o que levou Marega a sair por insultos racistas.

Marega foi o protagonista do V. Guimarães-FC Porto (sobretudo por razões que nada têm a ver com  o futebol)
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Marega foi o protagonista do V. Guimarães-FC Porto (sobretudo por razões que nada têm a ver com o futebol)

AFP via Getty Images

Marega foi o protagonista do V. Guimarães-FC Porto (sobretudo por razões que nada têm a ver com o futebol)

AFP via Getty Images

Há qualquer coisa diferente no ambiente dentro de fora do Estádio Dom Afonso Henriques. Um misto de tensão, de ansiedade, de paixão pura e genuína por aquilo que é ou deve ser o futebol. Com excessos à mistura de quando em vez mas jogar em Guimarães nunca é apenas mais um jogo, é “o” jogo. “O” jogo que puxa ao máximo por todas as emoções, como se pode ver no exemplo de Sérgio Conceição que, como técnico, já terminou um encontro em lágrimas quando era treinador dos minhotos (depois de vários comentários que ouviu sobre a possibilidade de “facilitar” com os dragões, em janeiro de 2016) e um jogo de sorriso largo quando era técnico portista (após o final do Campeonato que já tinha conquistado, em maio de 2018). Este domingo não seria exceção.

https://observador.pt/2020/02/16/v-guimaraes-fc-porto-ze-luis-de-inicio-nakajima-no-banco-corona-de-volta-a-lateral/

“O Vitória é um adversário muito forte, que joga bem e no seu estádio talvez das equipas mais difíceis, não só no panorama nacional, mas mesmo na Europa. Na Liga Europa teve jogos muito bem conseguidos contra adversários que têm peso, que têm nome. É uma equipa bem trabalhada, bem orientada, com excelentes jogadores. É uma tarefa bastante difícil para nós. Conheço bem a paixão dos adeptos, o quão é difícil jogar naquele ambiente”, disse Sérgio Conceição no lançamento da partida, reconhecendo a gratidão por ter passado pelos vimaranenses mas deixando também o alerta para algo que já vincara depois do triunfo no clássico com o Benfica: de nada valia aquele triunfo no Dragão se não tivesse continuidade logo na jornada seguinte. E esse contexto adensou-se.

Se o FC Porto já tinha batido à porta da luta pelo título com a vitória frente aos encarnados, a derrota do Benfica na receção ao Sp. Braga, na Luz, abriu uma janela de oportunidade para haver uma aproximação de sete para apenas um ponto em duas jornadas e sobrando ainda 13 para o final do Campeonato. Se o ambiente que rodeia o Dom Afonso Henriques tem lugar cativo entre aqueles que melhor expressam o que é a paixão pelo futebol, esse resultado surpresa aumentou também a maré azul que se deslocou até ao Minho. Por um lado, havia na cabeça do V. Guimarães a última goleada ao Famalicão por 7-0 que podia catapultar a equipa para um final de temporada que levasse a equipa ao quarto ou mesmo ao terceiro lugar da Liga. Por outro, estava no pensamento do FC Porto o derradeiro triunfo com o Benfica por 3-2 que podia virar de vez as contas do título até ao final.

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Ficha de jogo

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V. Guimarães-FC Porto, 1-2

21.ª jornada da Primeira Liga

Estádio Dom Afonso Henriques, em Guimarães

Árbitro: Luís Godinho (AF Évora)

V. Guimarães: Douglas; Sacko, Pedro Henrique, Frederico Venâncio (João Pedro, 83′), Florent; Lucas Evangelista (Leo Bonatini, 75′), Pêpê, André André; Marcus Edwards, Ola John (Davidson, 76′) e Bruno Duarte

Suplentes não utilizados: Miguel Silva, Bondarenko, Ouattara e Poha

Treinador: Ivo Vieira

FC Porto: Marchesín; Corona (Nakajima, 83′), Mbemba, Marcano, Alex Telles; Uribe, Sérgio Oliveira, Otávio (Diogo Leite, 87′), Luis Díaz; Marega (Wilson Manafá, 71′) e Zé Luís

Suplentes não utilizados: Diogo Costa, Vítor Ferreira, Romário Baró e Aboubakar

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Douglas (10′, p.b.), Bruno Duarte (49′) e Marega (60′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Zé Luís (44′) e Marega (61′)

Até pela chuva que entretanto engrossou por altura do início da partida, e pelo ambiente arrepiante na entrada das equipas, este seria um jogo para ninguém se esconder. Um jogo para homens de barba rija. Até determinado ponto foi porque ao longo de 70 minutos houve golos, oportunidades, intensidade e emoção. Depois, Marega quis sair de campo agastado com o insultos racistas que foi ouvindo desde os festejos do segundo golo dos azuis e brancos (sendo que, no final, Sérgio Conceição assegurou que tinham começado ainda no aquecimento). O V. Guimarães-FC Porto, que terminou com o triunfo dos dragões por 2-1, teve excessos que passaram as marcas do tolerável e se é verdade que 26 jogadores foram homens de barba rija, outros não foram sequer homens.

Com poucas alterações nos dois conjuntos, com Ivo Vieira a trocar apenas João Carlos Teixeira por Evangelista e Sérgio Conceição a recolocar Corona como lateral tendo Zé Luís como unidade mais avançada perante o castigo de Soares, o FC Porto conseguiu fazer a diferença desde início pela forma como abordou a entrada em campo: muito pressionante, a condicionar a saída dos vimaranenses logo à saída da área contrária, com grande mobilidade e dinâmica em termos ofensivos pelos corredores laterais antes de procurar as zonas de finalização. Foi assim que surgiu o golo inaugural do jogo logo aos dez minutos, com alguma sorte que os dragões também foram procurando: Zé Luís recebeu na esquerda após mais uma boa combinação ofensiva, cruzou rasteiro atrasado, Sérgio Oliveira fuzilou à trave mas a bola acabou por embater no braço de Douglas para dentro da baliza.

[Clique nas imagens para ver os melhores momentos do V. Guimarães-FC Porto]

Nos 15 minutos iniciais, o V. Guimarães não tinha conseguido entrar uma única vez no último terço do campo, por mérito dessa pressão alta dos azuis e brancos mas também por culpa do bom posicionamento de Sérgio Oliveira e Uribe, a controlarem um meio-campo onde André André, Lucas Evangelista e Pêpê não conseguiam ter bola. Não tinha mas quando entrou foi com toda a força, ficando por três ocasiões muito perto do empate em menos de cinco minutos, naquela que foi a fase menos conseguida dos dragões mas que acabou por passar “sem mossa”: Marcano tirou em cima da linha um golo que parecia feito de Marcus Edwards, após cruzamento de Florent (17′); Pêpê obrigou Marchesín a grande defesa num remate de fora da área (18′); e Bruno Duarte acertou no poste lançado por Edwards, num lance que seria depois anulado por posição irregular do avançado minhoto (20′).

O ritmo de loucos dos 20 minutos iniciais acabou entretanto por acalmar, com o FC Porto a querer (e conseguir) agarrar mais no jogo em posse ainda que sem a mesma clarividência para fazer transições ofensivas que levassem perigo à baliza de Douglas. Marchesín não mais voltou a tocar na bola e, até ao intervalo, houve apenas mais uma grande oportunidade no Dom Afonso Henriques, com Otávio (que ao começar a jogar mais dentro do que tinha feito até aí equilibrou as contas nesse setor) a encontrar espaço entre linhas pelo corredor central para avançar em progressão, soltar em Marega mas ver o maliano rematar em jeito ao lado (40′).

Havia esse dado estatístico que indicava que os vimaranenses nunca tinham conseguido ganhar quando saíam a perder em casa com o FC Porto, tendo em 35 encontros nessa condição cinco empates e 30 derrotas. No entanto, a entrada do conjunto de Ivo Vieira mostrou uma equipa mais do que apostada em inverter essa tendência, naquele que foi o melhor período da formação visitada no encontro. Bruno Duarte, na sequência de uma grande jogada individual pela esquerda com cruzamento ao segundo poste que começou numa perda de bola comprometedora de Uribe a meio-campo, apontou de cabeça o empate (49′) antes de mais ameaças à baliza de Marchesín sem que o conjunto azul e branco conseguisse travar a enxurrada ofensiva catapultada pelo ambiente nas bancadas.

O FC Porto não conseguia ligar jogo entre setores e arriscava no passe longo a explorar a profundidade de Marega para tentar estancar a pressão do V. Guimarães e criar também perigo junto da baliza de Douglas. A eficácia, aí, foi de novo o fator diferenciador: na primeira vez que conseguiu ganhar um lance desses, aproveitando a solicitação de Mbemba e um corte defeituoso de Venâncio, Marega surgiu na área isolado e picou por cima de Douglas, fazendo o 2-1 aos 61′ antes de uma confusão iniciada com os festejos interpretados como uma provocação pelos adeptos da casa, que foram arremessando cadeiras e outros objetos para o relvado (o maliano viu amarelo).

É certo que Corona ainda desperdiçou uma grande oportunidade nos minutos finais e que Davidson ficou muito perto do empate no sexto minuto de descontos mas o jogo, e a aproximação do FC Porto ao Benfica, acabou por ficar em segundo plano perante a saída de campo de Marega, que não aguentou estar mais no relvado perante os insultos racistas que ia ouvindo das bancadas. Pediu para ser substituído, tentou ser travado por vários elementos incluindo adversários, mas não voltou atrás e saiu. Num jogo onde houve um vencedor que fez por isso e um vencido que merecia mais, todos acabaram derrotados num episódio que ainda dará muito que falar.

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