O despejo que aconteceu na passada sexta feira na Rua da Fonte Taurina, na Ribeira do Porto, gerou polémica, revolta e uma onda de solidariedade na cidade. Joana Pacheco teve que abandonar a habitação camarária onde vivia com os dois filhos menores, de oito e 12 anos, e ainda não tem um teto definitivo.
Contactado pelo Observador, o gabinete de comunicação da Câmara Municipal do Porto explicou na altura que a ação em causa foi “uma desocupação coerciva por ocupação indevida e abusiva e não um despejo”. Sem querer entrar em grandes detalhes sobre o assunto, a autarquia acrescentava que os casos de despejo na cidade são situações “raras” e “extremas” e “caso as pretensões da requerente fossem atendidas poderia o vereador da Habitação incorrer num crime de prevaricação, passível de perda de mandato”.
“Caso o vereador da Habitação decidisse atribuir discricionariamente um contrato de arrendamento a esta senhora, passando por cima da Lei, do regulamento municipal aprovado em Executivo e Assembleia Municipal e por cima das cerca de mil famílias que aguardam, com direito, a uma habitação municipal, cometeria o crime de prevaricação que, entre outras penas, inclui a perda de mandato.”
Esta segunda-feira, perante a polémica do caso, a câmara veio a público justificar a decisão de desocupar a habitação. “Essa casa estava ilegalmente ocupada por uma família, que não era titular de qualquer contrato de arrendamento, nem no âmbito da Domus Social nem de qualquer outro regime. A senhora que ocupou a habitação tem dois filhos e, segundo se sabe, cerca de 1.200 euros de rendimento mensal e tomou conta da casa que anteriormente estava arrendada ao seu pai, falecido, que era inquilino municipal, e onde a renda era de menos de 15.00€ por mês por um T4 na Ribeira.”
Tal como o Observador noticiou na passada sexta-feira, o processo de Joana Pacheco arrasta-se desde 2017, logo após a mãe ter morrido. A antiga moradora da Ribeira viu-se forçada a abandonar a casa onde morava para ir cuidar do pai, que já tinha uma idade avançada. Desde então, tentou solicitar junto do município a sua integração no agregado familiar do progenitor, de quem foi cuidadora informal até ao seu falecimento. “Saí do agregado dos meus pais em 2012. Aluguei uma casa a dez minutos de onde sempre morei com eles. Mas, quando a minha mãe morreu, de imediato regressei para cuidar do meu pai. E nesse mesmo ano pedi a minha reintegração no agregado”, contou Joana ao JN.
A autarquia escreve em comunicado que a munícipe era arrendatária de uma outra casa particular no Centro Histórico, a poucos metros, na Rua do Comércio do Porto. “Casa que voluntariamente abandonou. Pagava aí uma de renda cerca de 300 euros e deixou-a quando decidiu mudar-se para a casa arrendada pelo pai, sem autorização da Domus Social e por sua exclusiva responsabilidade. Invocou que o fizera para auxiliar o Pai. O que carecia de autorização prévia, que nunca requereu.”
Segundo o município, não se trata, por isso, de um caso de cessação de contrato de arrendamento ou despejo, nem de um caso de assédio por parte do seu anterior senhorio. “A senhora fez um único pedido de habitação em 2018, que foi indeferido, dado que os seus rendimentos e condição social não lhe permitiam o acesso à habitação social, de que estão em lista de espera cerca de mil famílias no Porto, com rendimentos inferiores e condições sociais de maior necessidade”, refere o documento.
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Segundo a autarquia, após a entrada em vigor do novo regulamento, em março de 2019, Joana Pacheco não fez qualquer pedido de habitação social. “Não fez qualquer candidatura ao Porto Solidário que apoia o pagamento mensal da renda, não se inscreveu no programa de arrendamento acessível lançado recentemente pela Sociedade de Reabilitação Urbana para arrendamento de casas no Centro Histórico e, durante dois anos, não encontrou uma solução para o seu problema de habitação no mercado de arrendamento, como muitos outros cidadãos do Porto e de todas as outras cidades portuguesas, apesar de a Câmara do Porto ter uma verba disponível para auxiliar nestas situações, que este ano é de dois milhões de euros.”
O documento acrescenta ainda que Joana Pacheco, de 39 anos, foi notificada para deixar a casa. “Isso mesmo dizem as faturas que, nos termos da Lei, lhe foram sendo apresentadas enquanto ocupava ilegalmente a casa que tinha estado arrendada ao seu pai (…) Foram-lhe dados dois anos para encontrar uma solução e as faturas que lhe foram apresentadas, além de uma imposição legal, não são recibos, contrariamente ao noticiado na comunicação social.”
Este sábado, o grupo municipal do BE condenou o despejo e fala em má fé por parte da autarquia. “São especialmente chocantes e denotam má fé por parte da Câmara as condições em que este despejo ocorreu: a moradora foi chamada à Câmara Municipal para uma reunião com o Provedor do Munícipe por causa do processo em causa e, enquanto estava nessa reunião, a sua casa foi arrombada, os seus pertences retirados e a fechadura alterada”, referiu em comunicado.
Para a noite desta segunda-feira está agendado o segundo protesto sobre o caso, desta vez junto ao largo das traseiras do edifício da Câmara Municipal do Porto, duas horas antes de dar início a sessão extraordinária da Assembleia Municipal, no mesmo local.