O presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) admitiu esta terça-feira que a suspeita que envolve três juízes desembargadores “é de uma gravidade extrema” e, sendo “um caso inédito”, nunca lhe ocorreu que sucedesse algo semelhante.

Joaquim Piçarra falava na conferência de imprensa onde o CSM anunciou a instauração de processos disciplinares aos juízes desembargadores Luís Vaz das Neves, Orlando Nascimento [ex-presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa] e Rui Gonçalves depois de ter sido detetados fortes indícios de abuso de poder e violação do dever de exclusividade.

“A suspeita é de uma gravidade extrema, porque põe em causa um dos pilares do Estado de Direito, mas também revela que o sistema funciona porque conseguiu detetar essas irregularidades”, afirmou o presidente do CSM, admitindo, porém, que é um “caso inédito”, acrescentando: “Nunca me passou pela cabeça que sucedesse algo semelhante”.

Contudo, garantiu, “o Conselho está determinado em exercer as suas competências na área disciplinar e aquilo que decidir será, doa a quem doer, para todos os juízes seja um magistrado de direito ou o presidente do Supremo Tribunal de Justiça”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Três juízes alvo de processo disciplinar. “Nunca me passou pela cabeça que alguma vez sucedesse algo semelhante”, disse presidente do CSM

O órgão de gestão e disciplina mandou averiguar se houve intervenção humana que adulterou o processo de distribuição eletrónica dos processos no tribunal da Relação de Lisboa. Os processos disciplinares instaurados servem para averiguar se os desembargadores violaram algum dever funcional enquanto magistrados, sendo a matéria criminal da responsabilidade do Ministério Público.

Questionado sobre a cedência do salão nobre do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) para a realização de uma arbitragem extrajudicial por parte de Orlando Nascimento e cujo árbitro foi Vaz das Neves, Joaquim Piçarra afirmou que “nada impede que o juízes jubilados possam ser árbitros”, mas estão proibidos de receber remuneração e discorda em absoluto da utilização daquele espaço para a realização de diligência daquela forma alternativa e privada de resolução de litígios. Sobre as funções futuras do ex-presidente do TRL dentro do próprio tribunal, depois de este ter renunciado ao cargo, a decisão cabe à nova presidente, a desembargadora Maria Guilhermina Freitas.

Questionado sobre as decisões judiciais tomadas pelos três juízes que estão sob suspeitas, o presidente do CSM lembrou que “o sistema tem mecanismos para solucionar a questão e dá a hipótese às partes de poderem suscitar as revisões dos acórdãos através da revisão das decisões”.

Na última semana foi revelado que o ex-presidente da Relação de Lisboa Vaz das Neves foi constituído arguido por suspeitas de corrupção e abuso de poder no âmbito da Operação Lex, que tem também como arguidos os desembargadores Rui Rangel e a sua mulher Fátima Galante.

O juiz jubilado é ainda suspeito de ter sido arbitro em atos de arbitragem extrajudicial e ter recebido dinheiro e ainda ter interferido no sorteio que decidiu o desembargador que analisou um recurso de Rui Rangel contra o Correio da Manhã.

Rui Gonçalves foi o relator em 2013 do acórdão que absolveu o empresário desportivo José Veiga, num caso de fraude fiscal relacionado com a transferência de João Pinto para o Sporting, condenando o jogador a ano e meio de prisão por fraude fiscal qualificada, ficando a pena suspensa por quatro anos, mediante o pagamento de uma indemnização de mais de meio milhão de euros.