A primeira ronda de negociações entre União Europeia e Reino Unido sobre a futura relação expôs “muitas divergências, e divergências sérias”, afirmou esta quinta-feira em Bruxelas o negociador-chefe do lado europeu, Michel Barnier, que se afirmou ainda assim otimista.

As nossas diferenças não constituem uma surpresa, especialmente depois de apenas uma ronda de negociações, mas algumas são muito, muito difíceis. Contudo, continuo a acreditar que podemos alcançar um bom acordo para os dois lados. Estes últimos dias foram construtivos”, declarou.

Michel Barnier falava numa conferência de imprensa na sede da Comissão Europeia, no final da primeira ronda de negociações entre UE e Reino Unido sobre a futura parceria no quadro do “pós-Brexit”, que decorreu em Bruxelas entre segunda-feira e esta quinta-feira, envolvendo equipas negociais com cerca de 120 pessoas de cada lado.

Ao contrário do que sucedia no final de cada ronda negocial sobre o Acordo de Saída, quando se apresentavam na sala de imprensa os negociadores-chefes de ambos os lados, Barnier compareceu sozinho para “dar conta” da primeira ronda de negociações sobre a relação futura, e embora tenha tecido rasgados elogios ao seu homólogo britânico, David Frost, e à sua equipa “muito profissional e competente”, sublinhou a complexidade e dificuldade das conversações.

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Constatamos convergências (…) mas, para ser muito franco, há muitas divergências, e divergências muito sérias”, disse, reforçando que tal “é normal numa primeira ronda de negociações”, mas não deixa de ser inquietante, sobretudo ao calendário extremamente apertado para as duas partes concluírem um acordo global ambicioso e justo.

Lamentando uma vez mais que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, não tenha querido prolongar o período de transição para o “Brexit” que terminará assim em 31 de dezembro próximo, Michel Barnier destacou entre os pontos de divergência sérios a questão das condições de concorrência equitativas — o chamado “level playing-field” -, designadamente por os britânicos não querem traduzir os compromissos que garantem assumir num acordo comum, “nem desejam mecanismos apropriados para assegurar o seu respeito, de uma parte e de outra”.

Outras matérias de divergência, apontou, são a questão da cooperação judicial e policial em matéria penal e o facto de o Reino Unido não querer que um acordo de pescas faça parte do acordo económico, pretendendo antes negociar separadamente, e de forma anual, o acesso às águas, o que a Comissão considera “impraticável”, pois estão em causa uma centena de espécies e os pescadores necessitam de previsibilidade.

Sublinhando repetidas vezes que é necessário as duas partes prepararem-se para as mudanças profundas que ocorrerão em 01 de janeiro de 2021, “quer haja acordo, quer não haja”, Barnier reforçou que nessa data o Reino Unido já não fará parte da união aduaneira e do mercado único, e disse ter a sensação de que muitos não têm noção das reais implicações dessa mudança.

Tenho a impressão de que, de um lado e de outro, as mudanças definitivas que se vão produzir e as dificuldades ligadas a essas mudanças são muitas vezes subestimadas”, afirmou, apontando a título de exemplo que, a partir de 01 de janeiro do próximo ano, serão aplicadas “formalidades aduaneiras sobre todas as importações e exportações” e “as instituições financeiras estabelecidas no Reino Unido perderão automaticamente os benefícios do passaporte financeiro”.

Numa nota de otimismo, Barnier disse ainda assim esperar que nos próximos 10 meses seja possível acordar uma parceria ambiciosa, aconselhando como chave para o sucesso das negociações a confiança mútua nas conversações, e ninguém recuar nos seus compromissos.

União Europeia e Reino Unido iniciaram esta semana a primeira ronda de negociações sobre a parceria futura, com a pressão suplementar de um calendário apertado, dado o período de transição do “Brexit” terminar no final do ano. As rondas de negociações serão realizadas alternadamente em Bruxelas e no Reino Unido, com a próxima a ter lugar ainda este mês em Londres.

Bruxelas e Londres partem para estas negociações com advertências de parte a parte e a lutar contra o relógio, dada a intransigência do Governo britânico relativamente ao período de transição, que rejeita prolongar além de 31 de dezembro de 2020, pelo que o complexo acordo sobre as relações futuras terá de ser impreterivelmente concluído nos próximos meses.

O governo britânico identifica como principal ponto de discórdia a exigência da UE de respeito pelas regras e leis europeias no “pós-Brexit”, propondo Londres em alternativa um “relacionamento baseado na cooperação amigável entre iguais soberanos, com ambas as partes respeitando a autonomia legal e o direito de gerir os seus próprios recursos como entenderem”.

Já a UE tem advertido repetidamente Londres que só é possível concluir um acordo se ficar garantida total reciprocidade, tendo em janeiro a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sublinhado que o acesso dos britânicos ao mercado único dependerá da livre circulação de pessoas.