“Mário Soares daria uma volta ao túmulo se o PS nada fizesse e deixasse Marcelo Rebelo de Sousa ultrapassar os tais 70% com que foi eleito Mário Soares em 1991”, sublinhou Ana Gomes, em entrevista ao Diário de Notícias e à TSF, publicada este domingo.

A antiga eurodeputada considerou que não tem “dúvidas nenhumas de que o Presidente Marcelo vai recandidatar-se e que ganhará” as próximas eleições presidenciais, mas reafirmou que o “PS deveria ter um candidato que conseguisse federar à esquerda”.

“Não concordo com a tese construída, abstrusamente suponho, no tempo de [José] Sócrates, de que o PS não tem de ter um candidato às presidenciais. Bom, o resultado dessa tese foi pôr lá Cavaco Silva e depois Marcelo Rebelo de Sousa”, explicou, acrescentando que não aceita que o PS, “não tendo posição, se preste a pôr-se a jeito para favorecer aquilo que inevitavelmente Marcelo Rebelo de Sousa, num segundo mandato, quererá: favorecer o ‘centrão’, um entendimento do bloco central”.

Para a antiga eurodeputada, isso “é altamente negativo para a democracia” em Portugal.

Questionada sobre a possibilidade de voltar a haver dois candidatos presidenciais que possam dividir os eleitores socialistas, Ana Gomes vincou que “esse é outro aspeto ainda mais perverso deste ‘não ter posição’ ou apoiar frouxamente um ou outro candidato”.

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Por essa razão, a comentador considera inconcebível “que o PS não tenha posição” definida nas próximas eleições presidenciais.

Questionada também sobre uma eventual candidatura à Presidência da República, Ana Gomes optou por dizer que “a questão das eleições é daqui a quase um ano”.

“Nem a fecho [a porta a uma candidatura] nem a deixo aberta. Não estou aí. Estou a fazer o meu trabalho. O importante é discutir o que tem de ser discutido hoje e não o que se vai passar daqui a uns meses”, realçou.

Contudo, a antiga eurodeputada mostrou-se “muito preocupada por ver que a oposição” a Marcelo Rebelo de Sousa “vá ficar nas mãos de um indivíduo oportunista, arrivista, sem escrúpulos, como André Ventura”.

O líder do Chega e deputado único do partido na Assembleia da República apresentou formalmente a candidatura a Belém em 27 de fevereiro, em Portalegre.

Ana Gomes disse ainda que acompanha as declarações do atual chefe de Estado de que o princípio da legislatura “não pode ter o sabor de fim”.

“Infelizmente é isso que temos. Fui uma das vozes que defendiam que este Governo, depois das últimas eleições, devia ter trabalhado para uma geringonça dois, portanto, para um acordo que desse estabilidade e perspetivas de haver consenso para se fazer as reformas de fundo de que o país precisa”, prosseguiu a comentadora.

Ana Gomes afirmou que o primeiro-ministro, António Costa, “escolhe não o fazer, porque prefere a negociação à queijo Limiano, caso a caso”, mas que essa negociação “está a falhar”.

A socialista acrescentou que a líder da bancada parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, “de forma infeliz, disse que era a reedição das forças de bloqueio”, mas “é evidente que o parlamento nunca é força de bloqueio” e que estas declarações dão “argumentos aos populistas”.

Para Ana Gomes, a “história de o Governo se refugiar numa de ‘à justiça o que é da justiça’ e ‘à política o que é da política’ serve de mantra para tudo, para não se fazer o que é preciso, para não dar combate à corrupção, para não fazer as reforças de fundo que certas instituições absolutamente precisam”.

Questionada também sobre que balanço faz do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, que completa quatro anos na segunda-feira, 09 de março, a comentadora disse que “tem servido muito bem a Portugal e descomprimiu extraordinariamente o país” depois da “rigidez” da presidência do ex-chefe de Estado Cavaco Silva.

“Embora eu jamais me sentasse, como ele se sentou, na mesma mesa do ditador [Teodoro] Obiang [Nguema Mbasogo, Presidente da Guiné Equatorial] no quadro da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], jamais. Há limites”, vincou, acrescentando que também não favorece “a forma indireta que Marcelo utilizou para anunciar os pré-vetos a alguns diplomas legislativos, por exemplo, se acabassem as PPP [parcerias público-privadas] na saúde”.

Em relação à “questão da eutanásia”, Marcelo Rebelo de Sousa “fez bem, não tomou posição e recusou-se a tomar posição”.