O Tribunal da Relação de Lisboa está no centro de uma crise, provocada pelas recentes suspeitas sobre os seus dois últimos presidentes, um dos quais arguido por corrupção, e que se seguem à Operação Lex, envolvendo mais dois juízes.
Na semana passada, foi constituído como arguido o juiz jubilado Luís Vaz das Neves, ex-presidente da Relação de Lisboa, devido a mensagens telefónicas trocadas com o desembargador do mesmo tribunal Rui Rangel, suspeito de corrupção no caso Operação Lex, alegadamente para a viciação dos concursos de distribuição de processos para casos que àquele magistrado interessavam.
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Além de Vaz das Neves, também o seu sucessor na presidência da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento, foi envolvido numa polémica.
Após ser divulgado que alegadamente autorizou o uso do salão nobre da Relação para a realização de uma arbitragem (resolução privada de litígios) feita por Luís Vaz das Neves, Orlando Nascimento apresentou a sua demissão do cargo.
Até substituir Vaz da Neves na presidência da Relação de Lisboa, Orlando Nascimento era o seu vice-presidente e teria a responsabilidade do sorteio eletrónico dos processos.
O CSM decidiu, entretanto, instaurar processos disciplinares a Vaz das Neves, Orlando Nascimento e ainda a Rui Gonçalves, também desembargador na Relação de Lisboa, todos por situações de alegado abuso de poder.
Rui Gonçalves foi o relator em 2013 do acórdão que absolveu o empresário desportivo José Veiga, num caso de fraude fiscal relacionado com a transferência de João Pinto para o Sporting, condenando o jogador a ano e meio de prisão por fraude fiscal qualificada, ficando a pena suspensa por quatro anos, mediante o pagamento de uma indemnização de mais de meio milhão de euros.
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Em comunicado distribuído em conferência de imprensa foi referido que o processo de averiguações, que decorre desde 13 de fevereiro, apurou que “há indícios de atribuição, no mínimo, de três processos no Tribunal da Relação de Lisboa, da qual resultam fortes indícios de abusos de poder”.
O juiz conselheiro inspetor encarregado do caso considerou também que houve “indícios de violação do dever de exclusividade”.
O presidente do CSM admitiu que a suspeita que envolve três juízes desembargadores “é de uma gravidade extrema” e, sendo “um caso inédito”, nunca lhe ocorreu que sucedesse algo semelhante.
“A suspeita é de uma gravidade extrema, porque põe em causa um dos pilares do Estado de Direito, mas também revela que o sistema funciona porque conseguiu detetar essas irregularidades”, afirmou o presidente do CSM, admitindo, porém, que é um “caso inédito”, acrescentando: “Nunca me passou pela cabeça que sucedesse algo semelhante”.
O próprio Presidente da República também comentou o caso da Relação de Lisboa, elogiando a ação rápida do CSM.
“Estamos habituados a ver como o melhor que deve haver na justiça, que é olhos vendados, e seja quem for, em qualquer poder do Estado ou na sociedade civil, deve ser objeto de investigação porque ninguém está acima da Constituição e da lei”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.
Questionado se estes casos vão deixar uma mancha para a imagem que os portugueses têm da justiça, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “deixaria uma mancha grave porventura se se viesse a provar aquilo que neste momento são indícios em investigação” e ainda caso “a justiça não mostrasse – como mostrou – estar à altura do desafio”.
Para o Presidente da República, a decisão do CSM “é importante para valorizar a democracia em Portugal” e “para os portugueses acreditarem crescentemente na justiça”.
Estes novos episódios seguem-se ao caso Operação Lex, que há dois anos abalou o mesmo tribunal.
O processo da Operação Lex, que tem como principal arguido o juiz Rui Rangel, da Relação de Lisboa, e a sua ex-mulher e também desembargadora, Fátima Galante, foi conhecido a 30 de janeiro de 2018, quando foram detidas cinco pessoas e realizadas mais de 30 buscas e teve origem numa certidão extraída do caso Operação Rota do Atlântico, que envolveu o empresário de futebol José Veiga, suspeito de crimes de corrupção no comércio internacional, branqueamento de capitais, fraude fiscal e tráfico de influências.
A certidão extraída veio a dar origem ao processo Operação Lex, investigado pela magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, Maria José Morgado, uma vez que envolve um juiz desembargador e, por isso, só pode ocorrer num tribunal superior.
O desembargador Rui Rangel é suspeito receber avultadas quantias através de favorecimentos e de várias ligações a empresários e figuras do desporto, como o Benfica e o seu presidente, Luís Filipe Vieira, que resultaram na indiciação por corrupção/recebimento indevido de vantagens, de branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Entre os vários arguidos constituídos até agora contam-se, além de Rui Rangel, a sua ex-mulher, a desembargadora Fátima Galante, o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, o funcionário judicial da Relação Octávio Correia, o advogado Santos Martins e o antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol João Rodrigues.
Rui Rangel é suspeito de crimes de tráfico de influência por alegadamente ter prometido influenciar resultado de processos a troco de contrapartidas financeiras e alegadamente o presidente do Benfica ter-lhe-á prometido um futuro cargo na universidade do clube.
A Operação Lex foi desencadeada há mais de dois anos, mas não foi ainda conhecida a acusação.