O caso da Nissan contra Carlos Ghosn, em que a justiça japonesa age como se fosse uma arma de arremesso do construtor nipónico – salvo da falência pela Renault, dirigida então pelo próprio Ghosn – é um exemplo triste que nos chega de um país tido como civilizado. Já se conhece a história da prisão no Japão de Ghosn e de Greg Kelly, o americano seu braço direito, em Novembro de 2018, situação onde ambos ainda estariam à espera não só de um julgamento, mas ainda de uma acusação formal de que se pudessem defender, como acontece em qualquer regime democrático.
Ghosn conseguiu fugir do Japão, mas Kelly por lá continua. Sem acusação, sem direitos e, como tal, sem possibilidade de se defender, há já 16 meses. Isto enquanto várias dezenas de quadros da Nissan, a começar pelo CEO, foram igualmente apanhados a receber verbas não declaradas ao fisco, de que resultou apenas o afastamento da empresa e o pagamento de uma pequena multa. A própria marca, que recorria ao esquema, também foi penalizada, mas escapou apenas com multa. Presos, só mesmo os executivos estrangeiros em representação da Renault.
Mas esta situação estará em vias de ser alterada, porque se tornou difícil para o Governo americano admitir o tratamento de que estava a ser alvo um dos seus cidadãos, por parte da justiça nipónica, depois das declarações de Carlos Ghosn após a sua fuga do Japão, em que chamou a atenção para a situação do seu antigo braço direito. Segundo a Automotive News, três senadores americanos, nomeadamente Roger Wicker, Lamar Alexander e Marsha Blackburn, pressionaram o Governo japonês para assegurar um julgamento justo a Greg Kelly, o americano ex-director da Nissan que continua preso há mais de um ano, por alegadamente ter cometido crimes financeiros. Os senadores fizeram saber que, caso o Governo persistisse na sua conduta, as relações entre os dois países ficariam em risco.
Num comentário publicado no Real Clear Politics, os três senadores criticaram a forma como o americano ex-funcionário da Nissan está a ser tratado, o que incluiu um período passado na solitária de uma prisão em Tóquio. Segundo eles, a experiência de Kelly, que é idêntica à de Ghosn, deverá levar todos os americanos (e todos os não japoneses) a pensar duas vezes sobre a possibilidade de trabalhar numa empresa no Japão, uma vez que não parecem estar garantidos os direitos básicos aos executivos estrangeiros.
Estes três senadores representam os Estados americanos em que a Nissan tem investimentos nos EUA, o que significa que existem muitos executivos japoneses a trabalhar no Mississipi e no Tennessee, com estes a confiar que a justiça americana os vai tratar de forma correcta, caso venham a ser suspeitos do que quer que seja. Kelly e a sua família não acreditam que o ex-quadro da Nissan possa aspirar a um julgamento justo, sobretudo porque dificilmente se poderá defender sem o testemunho de Ghosn, que por estar refugiado no Líbano, dificilmente irá comparecer em tribunal.