“Preppers”, de preparadores. O termo diz respeito a pessoas que levam particularmente a sério a ideia “mais vale prevenir do que remediar” e que passaram anos, senão uma vida, a preparar-se para o armagedão. Se antes eram uma comunidade facilmente posta em causa, em tempos de Covid-19 os “preppers” tornaram-se num dos assuntos do dia. A revista Time interroga-se sobre como é que estas pessoas nos podem ajudar a lidar com o novo coronavírus, a Business Insider reúne ferramentas sanitárias úteis usadas pelos “preparadores” e a CNN assegura que o negócio da autossobrevivência está em alta — e até os mais ricos de Silicon Valley viraram “preppers” (ainda que com benesses que só o dinheiro pode comprar).
O movimento tem raízes nos EUA e até teve direito a um programa de televisão da National Geographic. Chamava-se Doomsday Preppers e foi emitido entre 2011 e 2014, e foi a série que esteve na origem da Portugal Preppers Network. A rede foi criada em 2012 a pensar nas famílias portuguesas que querem aprender a ser mais autossuficientes e a estar preparadas para alterações às rotinas diárias. Exemplos de tais situações podem ser “desastres, catástrofes ou colapsos financeiros”, tal como se lê na página oficial da rede. A pandemia recentemente declarada entra facilmente neste leque de opções.
Em 2012, já havia no país quem se identificasse com o estilo de vida descrito, assegura Paulo Guerreiro, de 36 anos, ao Observador. Mas a criação do site e respetivas redes sociais ajudou a dar rosto a uma comunidade “de centenas” de pessoas. O criador da Portugal Preppers Network assegura que, em Portugal, as práticas associadas ao movimento “não são tão levadas ao extremo como acontece nos EUA” e explica que a ideia resvala mais para autossuficiência. É por isso que existem “mochilas de emergência para 72 horas”, entre outros kits, cuja informação está disponibilizada no site, ou a prática comum de acumular mantimentos em casa — o que não equivale, garante, a açambarcar alimentos.
“Em Portugal, a mentalidade não é de preparação. Costumamos dizer que as coisas só acontecem aos outros”, diz Paulo Guerreiro, fazendo sobretudo referência a uma altura em que já existem mais de 400 casos de infeção por Covid-19 no país.
“Quando surgiram as primeiras notícias, mesmo na China, a comunidade foi acompanhando a situação ao nível das redes sociais. Ao fim e ao cabo, o preparador já tinha algumas coisas. Foi-se repondo uma coisa ou outra. Não houve a maluquice de ir aos supermercados comprar tudo e mais alguma coisa”, continua o “prepper” português. “Açambarcar não é um conselho, é antes o desespero das pessoas por não saberem o que fazer e o que ter em casa.”
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Paulo conta que tem mantimentos em casa para o período de um mês. Aposta sobretudo em enlatados e congelados, sem esquecer massas e arrozes. Também já tem por casa alguns desinfetantes e máscaras. Quando surgiram os primeiros relatos de Covid-19, diz, foi “reforçar o stock” com meia dúzia de cada item. “É para isso que serve a preparação. Não queremos que as coisas aconteçam. Mas, caso aconteçam, já estamos preparados e mentalizados.” O “preparador” contesta ainda a atual dependência nos supermercados e aconselha, se possível, à criação de pequenas hortas em casa.
O que os “preppers” nos podem ensinar
A preparação é, na sua essência, uma questão de “autossuficiência”, tal como já antes afirmou à Time a fundadora do grupo “PandemicPreps” que no Reddit tem mais de 11 mil membros e onde, por estes dias, se trocam conselhos e dúvidas sobre como reagir à Covid-19. “Um preparador é uma pessoa que toma medidas antecipadas para garantir o bem-estar económico, físico e emocional da família em tempos mais difíceis”, continuou Jane que não quis dar o apelido por questões de privacidade.
“Preppers – Better safe than sorry” é o nome de outro grupo no Reddit, este com quase 150 mil membros. Algumas das publicações mais recentes assinalam dúvidas dos utilizadores — “Algum conselho para quem não está preparado?” — e desabafos. As notícias sobre como o novo coronavírus está a impactar diferentes países são também uma constante no feed.
Em tempos de Covid-19, os conselhos mais difundidos passam por normas de higiene e etiqueta social, como lavar as mãos com frequência — de preferência com água e sabão — e manter uma distância considerável de terceiros. Já os “preppers” têm outras dicas — eles, que em tempos foram ridicularizados pelo seu estilo de vida e que agora estão a ter um momento de algum reconhecimento social. À agência de notícias AFP, Curt La Haise, a quem os amigos já chamaram paranoico por ter mantimentos para oito meses, conta que agora recebe vários pedidos de ajuda dos amigos. A arte de “prepping”, diz, “agora já não parece tão má”.
É precisamente a AFP que reúne alguns conselhos de preppers numa altura em que o mundo tenta responder à ameaça da Covid-19, entre os quais se destacam:
- “O papel higiénico é importante, mas também o são os desinfetantes para as mãos, toalhitas, a proteção para os olhos e as luvas”;
- “Tenha as finanças em dia; garanta que consegue pagar as contas e tenha dinheiro em mão”;
- “Talvez o mais importante: relaxe e não entre em pânico. E preste atenção às notícias sobre o que se está a passar à sua volta.”