Fechado em casa como tantos milhões de portugueses, Filipe La Féria não sabe quando poderá retomar a atividade normal como encenador e produtor de teatro, porque é impossível prever quando termina o isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus. De uma coisa tem a certeza: teatro no ecrã do computador ou da televisão torna mais pobre a relação entre espectadores e atores. E, no entanto, assim se vai passar o Dia Mundial do Teatro, que se assinala esta sexta-feira.
“Não há nada mais satisfatório do que a presença do público numa sala”, comentou La Féria ao Observador. “Estarmos olhos nos olhos com as pessoas faz com que o espetáculo seja diferente todos os dias, cria uma afetividade que faz subir a intensidade e a qualidade da peça. Um bom público faz um bom espetáculo”, explicou o mais conhecido dos encenadores portugueses.
O Teatro Politeama, em Lisboa, que La Féria dirige desde a década de 90, é uma das salas que por estes dias utilizam a internet para manter diálogo com o público. Até ao início de maio, no Facebook, o Politeama transmite todos os dias às 21h30 a gravação dos musicais mais famosos que por ali passaram. Até esta sexta-feira, é exibido My Fair Lady, com Anabela e Carlos Quintas. A partir de sábado, 28, passa Maldita Cocaína, a que se seguem Música no Coração, Jesus Cristo Superstar, Severa, A Canção de Lisboa e Judy Garland: O Fim do Arco-Íris.
Se o Dia Mundial do Teatro será um dia de salas fechadas, no Facebook, no YouTube ou no Vimeo, e também no ecrã da televisão e até na rádio, o espetáculo continua e não é preciso pagar bilhete. O Observador selecionou algumas propostas.
Teatro Nacional D. Maria II
A até 6 de abril, enquanto as portas não se reabrem, decorre a iniciativa “D. Maria II em Casa”, que consiste na apresentação via internet de peças gravadas em vídeo. O objetivo é o de “incentivar os portugueses a incluírem o teatro nas suas novas rotinas” domésticas, em período de quarentena. As peças são publicadas à sexta-feira na plataforma Vimeo e a primeira foi para o ar a 20 de março: Montanha Russa, de Miguel Fragata e Inês Barahona, do grupo de teatro Formiga Atómica. Mas há mais.
No Dia Mundial do Teatro, a sala do Rossio preparou um dia inteiro de atividades. Para as crianças, às 11h00, será disponibilizada no Vimeo a peça A Origem das Espécies, criada em 2016 por Carla Maciel, Crista Alfaiate, Marco Paiva e Paula Diogo, a partir de Charles Darwin.
Durante a tarde, o D. Maria II transfere-se para o Instagram e a partir das 14h00, em colaboração com a Casa Fernando Pessoa, promove a Maratona Clube dos Poetas Vivos: 38 personalidades, entre as quais André Teodósio, Carla Bolito, Joana Bértholo e Sara Tavares, dão vida à obra de vários poetas.
À noite, quando forem 21h00, estreia-se no Vimeo o espetáculo Sopro, de Tiago Rodrigues, que em 2017 passou pelo Festival de Teatro de Avignon e no ano seguinte ganhou um Globo de Ouro da SIC para de Melhor Espetáculo. Sopro é apresentado em português, com interpretação em língua gestual portuguesa e legendas em inglês e francês.
[vídeo de promoção de Sopro]
Teatro Nacional São João
No Dia Mundial do Teatro, o Teatro Nacional São João, no Porto, organiza uma visita guiada virtual a partir das 18h00 – um documentário de Luís Porto com duração de 30 minutos. E às 22h00 vai apresentar a peça Castro, de António Ferreira, “tragédia nuclear do teatro português” com encenação de Nuno Cardoso. Em ambos os casos, a transmissão é feita no Vimeo, no Facebook e no Instagram.
Nos últimos dias, e enquanto não retoma a atividade (o que está previsto para 7 de abril), a sala da Praça da Batalha tem vindo a publicar no site oficial textos dramáticos do escritor francês Alfred Jarry, com tradução de Luísa Costa Gomes, e ainda uma coleção de textos sobre peças históricas do teatro mundial – tudo para download gratuito.
Teatro Nacional de São Carlos
Em dia de celebração, a única sala de teatro lírico do país apresenta excertos de óperas apresentadas nesta temporada: La Forza del Destino, de Giuseppe Verdi; Orfeo ed Euridice, de Chrisoph Willibald Gluck; e Maria Stuarda, de Gaetano Donizetti. O Facebook será um dos canais de partilha.
Teatro Experimental de Cascais
É precisamente nesta sexta-feira que o Teatro Experimental de Cascais (TEC) dá início às “Noites de Teatro” na internet, com uma relíquia do baú: Auto da Índia, de Gil Vicente, numa gravação de 1980 feita nos estúdios da Globo, quando o TEC andou em digressão pelo Brasil. Encenação de Carlos Avillez e cenografia e figurinos de Júlio Resende. É às 21h30 no YouTube.
“Juntamo-nos, assim, aos artistas que nos tempos de hoje, vendo-se impossibilitados de estrear, recorrem à Internet, quer ajudando as pessoas no seu isolamento, quer mostrando os seus trabalhos por esta via”, resumiu Fernando Alvarez, responsável pela programação do TEC.
Depois desta estreia, e até 18 de maio, serão apresentadas mais oito peças no YouTube, sempre às segundas-feiras. Por exemplo: O Comboio da Madrugada, de Tennessee Williams (30 de março) e As You Like It, de Shakespeare (6 de abril). Quando a crise do novo coronavírus estiver ultrapassada, o TEC conta estrear em palco, nas condições normais, Bruscamente no Verão Passado, de Tennessee Williams – mas ainda não há data certa.
Teatro do Noroeste
A companhia de teatro de Viana do Castelo responde ininterruptamente à pandemia desde 16 de março até 9 de abril, com um novo espetáculo a cada 24 horas via Facebook e YouTube. Para esta sexta-feira, são três as propostas: Salta Para o Saco, uma encenação de Elisabete Pinto para maiores de seis anos (às 10h00); Perdição, de Fernando Gomes (14h30) e A Estalajadeira, de Ricardo Simões (21h30).
Teatro Aberto
A sala da Praça de Espanha, em Lisboa, estreia nesta quinta-feira às 21h00, véspera do Dia Mundial do Teatro, a gravação de A Verdade, de Florian Zeller. Pode ser vista no site do teatro. É uma versão de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, com Joana Brandão, Miguel Guilherme, Patrícia André e Paulo Pires. Uma vez superada a crise, o Teatro Aberto vai repor a peça que estava em cena antes da suspensão: Alma, de Tiago Correia, a que se seguirá Só eu Escapei, de Caryl Churchill.
Teatro da Garagem
Carlos J. Pessoa, encenador do Teatro da Garagem, publicou esta semana no Facebook um manifesto sobre a crise atual. “À infeção contrapor o afeto, ao contágio viral contrapor o contágio da beleza. O outro não é a perdição viral, o outro não é a morte, o outro é a vida, o outro sou eu”, escreveu. Para concretizar esta mensagem de esperança, o grupo lisboeta decidiu reiventar a peça O Mundo Novo, que se estrearia no palco do Teatro Taborda, não fosse o coronavírus. A nova versão terá 16 episódios de curta duração que passam a partir desta quinta-feira à noite no Vimeo e na recém-criada página “Espetáculo em Casa”, da RTP.
Teatro de Marionetas do Porto
O nome diz tudo, Temporada Primavera em Casa, e é assim que as Marionetas do Porto se mantêm perto dos mais pequenos e não só. Até ao fim de junho, 14 peças emblemáticas da companhia terão entrada livre através do site, do Facebook ou do Instagram. Para começar, nesta sexta-feira, Nada ou o Silêncio, de Beckett.
Culturgest
Intitula-se 100% Lisboa e é descrita como a peça mais vista de sempre na Culturgest, razão por que foi a escolhida para celebrar o Dia Mundial do Teatro, com transmissão às 21:00 no Facebook e no YouTube. A companhia alemã Rimini Protokoll, sob a direção de Helgard Haug e Stefan Kaegi, pegou em estatísticas oficiais relativas a Lisboa e deu-lhes um rosto, colocando em palco cem habitantes da cidade. A estreia absoluta foi em fevereiro do ano passado.
[vídeo de apresentação de 100% Lisboa]
Também no ecrã… da RTP
A estação pública de televisão também se associa ao Dia Mundial do Teatro. Na RTP1, às 21h45, passa a curta-metragem Olga Drummond (2018), de Diogo Infante, sobre velhos atores que vão para um lar – com Eunice Munõz, Ruy de Carvalho, Lourdes Norberto, Manuela Maria, Cecília Guimarães, António Marques, Manuela Couto, Isabel Abreu, Rita Salema, Patrícia Tavares e Lídia Muñoz.
Ainda na RTP1, às 23h00, é emitido o registo vídeo de As Árvores Morrem de Pé, espetáculo de Filipe La Féria que recria a peça celebrizada por Palmira Bastos nos anos 50 e 60, com texto de Alejandro Casona. Eunice Muñoz, Ruy de Carvalho, Manuela Maria, Carlos Paulo, Maria João Abreu e João D’Ávila são alguns dos atores.
[vídeo promocional de As Árvores Morrem de Pé]
E ainda… na rádio
No programa “Teatro sem Fios”, da Antena 2, às 19h00 desta sexta-feira, os Artistas Unidos interpretam Restos, de Bernardo Santareno, cujo centenário de nascimento se assinala este ano. A leitura encenada é repetida a 5 de Abril, às 14h0o, com Inês Pereira, João Estima, Nuno Gonçalo Rodrigues e direção de Pedro Carraca.
“No final dos anos 70, Santareno escreve várias peças curtas que agrupa sob o título Os Marginais e a Revolução (1979): A Confissão, Monsanto, Vida Breve em Três Fotografias; Restos é a derradeira. Nenhuma esperança aqui. Nem alegria. Estamos no refluxo da vida, são cadáveres adiados que procriam”, diz a sinopse divulgada pelo grupo de teatro lisboeta que Jorge Silva Melo dirige.