Filipa Bibe recorda-se com precisão do dia em que teve de fechar as portas das escolas de costura Maria Modista – 13 de março. A pandemia obrigou a tanto. Ainda que temporária, a medida foi custosa mas antecipou o estado de emergência entretanto decretado por Marcelo Rebelo de Sousa e apaziguou a equipa que andava receosa em sair de casa. Mas nem um dia completo passou e a fundadora do projeto que data de 2012 já tinha as mãos ocupadas. A falta de equipamento médico em algumas unidades hospitalares juntou-se à vontade das costureiras em ajudar. Linha a linha. Ponto por ponto.
Coube a Fernanda Conceição, aluna da Maria Modista e enfermeira na Fundação Champalimaud, alertar para a falta de cógulas para proteger os pescoços dos profissionais de saúde em tempos de pandemia. O pedido que Fernanda fez a solicitar esse material foi partilhado pelas redes sociais da Maria Modista e, da noite para o dia, nasceu uma campanha espontânea de solidariedade. Fundadora, equipa, alunas e até ateliers juntaram-se para criar alguns materiais de proteção em falta: cógulas e botas impermeáveis até joelho.
A falta de fornecedores foi compensada com máquinas de costura quando Filipa Bibe decidiu-se a encontrar o material de fabrico certo. Depois de alguns testes optou pelo TNT, isto é, tecido não tecido. “É o mais fácil de encontrar nas retrosarias. É um tecido que parece papel e que é impermeável. Há muitas gramagens. Fomos testando o tecido num copo de água. A própria equipa da Fundação Champalimaud testou-o em termos de esterilização.”
Comecei a fazer stories no Instagram do que estava a produzir e perguntei se mais alguém precisava. Choveram pedidos de médicas e enfermeiras de vários hospitais. Precisavam de cógulas e botas até ao joelho”, conta ao Observador.
Às publicações de alerta divulgadas nas redes sociais — sobretudo no Instagram — “choveram mensagens”. Foram vários os hospitais que manifestaram interesse na iniciativa. Filipa Bibe recebeu e continua a receber tantas mensagens que muitas delas permanecem por abrir. “Quase não tenho tempo para me sentar a costurar, estou sempre ao telefone e ao computador a distribuir trabalho.”
Se trabalho é coisa que não falta, o mesmo se pode dizer de trabalhadoras. Foram muitas as pessoas que se voluntariaram para também a partir de casa costurar cógulas e botas. “Toda a gente que tem uma máquina em casa pode ir ao nosso site e descarregar as respetivas informações sobre como se faz uma cógula. No Instagram criei uma pastinha só sobre Covid-19 onde também se explica os métodos de produção.” Filipa Bibe já perdeu a conta a quantas colaboradoras e colaboradores angariou.
“Tenho muitas pessoas a querer ajudar, a querer colaborar. Tenho uma aluna que tem uma marca de biquínis e que está a costurar botas. Outra aluna com uma joalharia está a produzir viseiras. Temos seguidoras como a Pureza Mello Breyner [do Pureza Mello Breyner Atelier] a quem esta manhã fui entregar 150 cógulas para produzir. Ligou-me há pouco a dizer que já tem tudo pronto. Como tem quatro costureiras paradas, quer mais cógulas para produzir.”
O material para a produção é outro ponto e nesse capítulo também entra a palavra solidariedade, com instituições a doarem o que podem. “A [loja] Nomalism foi a primeira empresa de tecidos a quem pedi ajuda, doaram tudo o que tinham. Entretanto também já criaram uma equipa com mais fábricas e com mais costureiras”, comenta, consciente que perdeu o fio à meada e que já não sabe onde a solidariedade começa ou acaba. “Há equipas no norte que estão a fazer o mesmo para os hospitais da zona.”
Mais recentemente, a Associação Filhos do Coração dou 5.700 metros de elástico e 1.000 metros de TNT. O material vai servir para produzir cógulas e botas para os principais hospitais da zona de Lisboa a lidar com a pandemia — Curry Cabral, São José, Dona Estefânia, São Franciso Xavier, Egas Moniz e Amadora Sintra, incluídos numa lista que ainda longa. São os elementos dos próprios hospitais que vão ou a casa de Filipa Bibe ou a uma das escolas do projeto levantar o material de proteção.
Filipa Bibe está a ajudar como pode os profissionais de saúde do país desde o dia 14 de março porque há materiais cujos fornecedores são particularmente difíceis de encontrar. Não tem a mínima noção de quantas botas ou cógulas — tanto em TNT como em campos cirúrgicos — já ajudou a fazer. É tudo pro bono, “naturalmente”. É como a enfermeira Fernanda Conceição costuma dizer: ” Da modista ao cientista, todos são precisos para esta luta”.