Notícia atualizada às 14h40 com a resposta da ministra da Saúde

“Censura”, “lápis azul”, “lei da rolha”. Vários presidentes de câmara, sobretudo da zona norte do País, onde os números de infeção pelo novo coronavírus são mais elevados, têm reagido com estes termos à decisão esta sexta-feira comunicada pelo ministério de Saúde que passa a impedir os delegados de saúde de comunicarem às autarquias os dados epidemiológicos da Covid-19. Marta Temido já respondeu, para dizer que “não há qualquer proibição de partilha de informação”, mas confirmar que, havendo partilha, as entidades regionais só devem partilhar dados da DGS. Isto porque, diz a ministra da Saúde, “boletins parcelares podem ser causadores de análises fragmentadas”. Por isso, o apelo a que a informação seja centralizada a tempo e horas.

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A polémica aqueceu quando os autarcas de Chaves, Valpaços, Vale de Cambra, Boticas e Espinho, através de comunicados ou entrevistas, lamentaram e criticaram a medida, que pretende fazer do boletim divulgado diariamente pela Direção-Geral de Saúde (DGS) a única fonte de informação sobre a Covid-19 em Portugal. Alguns, depois de o fazerem, decidiram ainda informar a população que não tencionam cumprir a ordem emitida pelo ministério dirigido por Marta Temido.

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Foi o caso de Joaquim Pinto Moreira, autarca de Espinho, que este sábado bem cedo fez saber que a “Comissão Municipal de Espinho não abdicará desse direito e dá conta pública da sua estupefação, indo naturalmente interpelar o Ministério da Saúde e o Ministério da Administração Interna sobre este assunto”.

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Em entrevista à Rádio Observador, o presidente daquela câmara municipal criticou abertamente o Governo, pediu transparência na divulgação dos dados e questionou a fiabilidade da informação diariamente divulgada pela DGS ao País — “Os dados que constam do boletim epidemiológico da DGS não são dados fiáveis. Há efetivamente um enorme desfasamento entre aquilo que são os dados desse boletim da DGS e a informação que nos é reportada via delegada de saúde, que é de facto muito mais credível, fidedigna e fiável“, acusou Joaquim Pinto Moreira, explicando que esta sexta-feira tinha a informação de 48 infeções confirmadas no concelho de Espinho, enquanto no boletim da DGS foram reportadas apenas 37. “O boletim da DGS, que é parcial, reporta apenas 78% dos casos, é uma ferramenta de trabalho que não podemos utilizar para atualizarmos planos de contingência”, concluiu.

“É evidente que nós não queremos conhecer os dados por razões mórbidas”, frisou ainda Joaquim Pinto Moreira, explicando que só conhecendo todos os factos sobre a evolução da pandemia no concelho poderá tomar medidas efetivas para a combater.

“Temos ativado o nosso plano de emergência municipal e temos medidas que apenas são aplicáveis ao nosso concelho. Eu para fazer a adequação dessas medidas, em função da evolução epidemiológica do meu concelho, preciso de conhecer em concreto esses dados. É um dado absolutamente fundamental para que o presidente da Câmara possa conhecer verdadeiramente a situação epidemiológica no seu concelho. É absolutamente incrível que hoje, volvidos tantos anos da reinstauração da democracia em Portugal, ainda se use o lápis azul. Isto não é nada mais nada menos do que a instauração da lei da rolha por parte do ministério da Saúde.”

Apesar da proibição, Salvador Malheiro, presidente da Câmara de Ovar, única cidade portuguesa até agora a ser submetida a um cerco sanitário, na tentativa de contenção da doença, partilhou esta sexta-feira à noite através do Facebook a contagem diária de infetados, a partir dos dados recolhidos pela ACES (Agrupamento dos Centros de Saúde) do Baixo Vouga. No ar, deixou também a dúvida sobre a fiabilidade da informação comunicada pela DGS: “546 foi o número fornecido pelo ACES, há minutos, relativo aos infectados confirmados actualmente no Município de Ovar. Vamos ver que números apresenta a DGS amanhã… hoje apresentaram só 379”.

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Para o presidente da Câmara Municipal de Vale de Cambra, José Pinheiro, a decisão do Governo traduz-se numa “sonegação da informação que a todos prejudica”, sobretudo tendo em conta que nesse concelho de quase 26.000 habitantes a autarquia já registava na sexta-feira 100 casos de Covid-19 – 51 dos quais num único lar de idosos – e que a contabilidade da DGS continua a referir menos de 50 infeções.

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Classificando a decisão do ministério da Saúde como “reprovável”, o presidente da Câmara Municipal de Vale de Cambra diz que essa vem apenas juntar-se “à dificuldade em conseguir realizar testes” de rastreio à covid-19, uma vez que, se não fosse pelo “empenho da Câmara Municipal, muitos deles não chegavam” ao território.

Vítor Machado, comandante dos Bombeiros Voluntários locais, concorda: “Lamentável é, provavelmente, a palavra indicada para o momento, quando um município que tudo tem feito para responder à pandemia, que gasta os seus recursos para responder e substituir quem deveria responder, e que tem tomado todas as decisões apropriadas a cada situação, agora deixa de poder ser informado da real condição do seu território”.

Recordando a “subida vertiginosa” de casos da Covid-19 no concelho, onde a meio da semana passada o número de infetados praticamente duplicou na sequência de dezenas de testes efetuados num lar de idosos, o comandante da corporação critica a decisão de proibir os delegados locais de saúde pública de disponibilizarem dados aos presidentes de Câmara – e, por inerência do cargo, à Comissão Municipal de Proteção Civil.

Vítor Machado admite que os números recolhidos localmente “fazem soar alarme” mas defende que esses dados “também fazem com que a população adote medidas mais restringidas no seu dia-a-dia – o que é bom e tem reflexo nos possíveis contágios”.

Ministra insiste: entidades regionais só devem partilhar dados da DGS

Na habitual conferência de imprensa diária, para dar conta dos últimos dados do boletim epidemiológico em Portugal, a ministra da Saúde respondeu às críticas dos autarcas nacionais confirmando que não pode haver partilha de informações com origem local, mas a garantir que “não há qualquer proibição de partilha de informação”.

“Há, sim, um apelo claro a todas as entidades que integram o ministério da Saúde, em especial as autoridades locais e regionais de saúde, se concentrem no envio de informação atempada e consistente para o nível nacional. Boletins parcelares podem ser causadores de análises fragmentadas”, diz a ministra, explicando que a pequena dimensão de alguns dados pode levar à “violação do segredo estatístico” e à identificação dos doentes.

“Temos de ter a noção que algum tipo de informação só pode ser coligido por autoridades oficiais. Como tal, a DGS está neste momento a trabalhar numa metodologia que permita que as suas entidades locais e regionais possam também aferir aquilo que são os seus próprios reportes informativos pelos mesmos períodos de tempo”, disse ainda Marta Temido.

A ministra exortou as autoridades de saúde locais a não deixarem de partilhar informação com as entidades com quem costumam articular-se, nomeadamente as autarquias, mas pediu que o façam utilizando apenas os dados emanados pela DGS, “procurando esclarecer eventuais discrepâncias”.

Porto e Chaves exigem à mesma os dados

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, pediu à ARS do Norte e ao Ministério da Saúde todos os dados desagregados do concelho, referentes à pandemia da Covid-19, já após as declarações de Marta Temido, como noticiou o Observador.

Câmara do Porto pediu ao Ministério da Saúde números da Covid-19 no município

Também a Câmara de Chaves pediu que a informação estatística local sobre a pandemia da Covid-19 regresse “já hoje”, após as declarações da ministra da Saúde. “A melhor forma para contrastar a proibição dos boletins epidemiológicos é estes regressarem com normalidade já hoje ou amanhã no máximo”, adiantou à Lusa o autarca de Chaves, do distrito de Vila Real, Nuno Vaz.

Para Nuno Vaz, as autarquias e autoridades locais que têm mantido uma postura responsável e adequada na divulgação de informações epidemiológicas não devem ser prejudicadas. “Se havia municípios que divulgavam informação pouco rigorosa, o que deviam fazer era sinalizar e corrigir esses locais”, vincou.

O autarca de Chaves considera ainda que “apenas com a população informada há garantia que as medidas tomadas as nível local possam ter sucesso”.

“Esta decisão deve ser rapidamente invertida. Vamos manifestar essa intenção junto da tutela, pela necessidade de essa informação existir nos municípios, não só para as próprias comissões de proteção civil, mas também para difundir pela comunidade, para esta estar informada”, realçou.