O guarda-redes francês Quentin Beunardeau afirmou esta quarta-feira à agência Lusa não ter sido ressarcido pelo Desportivo das Aves do atraso salarial de três meses, evocado na desvinculação unilateral com o último classificado da I Liga de futebol.

“Não vou dizer exatamente quanto dinheiro me devem, mas é mais do que o mês de março. O ponto principal é que sou um jogador livre, posso assinar por algum clube e quero encontrar um novo projeto que me permita jogar a partir da próxima época. Vou pensar mais tarde na questão do dinheiro, porque está tudo nas mãos do meu advogado e sei que deve ser um processo longo”, referiu o ex-titular da baliza avense.

Na quarta-feira, a Comissão Arbitral Paritária da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) deu razão à rescisão contratual apresentada por Quentin Beunardeau em 7 de abril, cinco dias após o emblema do concelho de Santo Tirso ter falhado a regularização dos ordenados de atletas e funcionários entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020.

“A partir do momento em que não recebi três meses de salários, fiquei em posição de rescindir. Perdi a minha confiança na direção e sei que eles não foram sérios connosco. Por isso, penso que tomei a melhor decisão para o meu futuro. Felizmente, tinha algum dinheiro de lado, mas não sou maluco e sei o que quero da vida”, argumentou.

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A situação foi despoletada em meados de fevereiro, quando o investidor e dono da administração avense, o chinês Wei Zhao, acertou as dívidas referentes ao último mês de 2019, justificando a demora com a paralisação da atividade económica no país mais populoso do mundo desde o início do ano, motivada pela pandemia de Covid-19.

“Ficámos muito surpreendidos e não sabíamos o impacto do vírus naquela altura. A administração falou connosco e disse que nos ia pagar, mas os diretores sabiam que gostaríamos de receber os salários com antecedência. Como somos futebolistas e só queríamos jogar e treinar, o tempo correu na expectativa de que nos pagariam”, lembrou à Lusa.

Só que o incumprimento dos vencimentos prolongou-se pelos meses seguintes, levando os atletas do Desportivo das Aves a suspender a atividade em 12 de março, amparados pelo apoio do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, no mesmo dia em que a I Liga era interrompida por tempo indeterminado devido ao novo coronavírus.

“Voltámos a falar com a direção e decidimos protestar no jogo contra o Belenenses SAD [previsto para 15 de março], mas nada aconteceu”, frisou o guarda-redes, que foi cumprindo planos de treino individuais na sua residência, enquanto a LPFP notificava os avenses em 18 de março para demonstrarem o cumprimento dos ordenados até fevereiro.

Apesar do prazo suplementar de 15 dias, a SAD nortenha não entregou a tempo a documentação para a certificação salarial do plantel principal e da equipa sub-23, quinta colocada da fase final da Liga Revelação, tendo o processo sido encaminhado para Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol em 3 de abril.

“Todos os jogadores passaram por dificuldades e chegou a um momento em que fica complicado viver, porque temos uma vida além do futebol, que não é simples, com família e contas para pagar. Por exemplo, tenho uma filha muito jovem e quero que não lhe falte nada. É triste ter chegado até aqui, porque o Aves é um bom clube”, lamentou.

Parte das verbas de janeiro e fevereiro começou a ser liquidada cinco dias depois, numa semana em que os avenses foram notificados das desvinculações de Quentin Beunardeau e também do avançado brasileiro Welinton Júnior, sendo que os nortenhos podem perder dois a cinco pontos, dos 13 somados em 24 jornadas, nove abaixo da zona de salvação.

“Não foi uma decisão fácil, porque gosto muito do clube, dos colegas de equipa e dos adeptos. Aliás, a minha vida mudou graças ao Aves, que me deu confiança e a oportunidade de jogar, pelo que pensei muito sobre esta decisão. O agente e o advogado ajudaram-me muito, mas a opinião da minha família também pesou”, observou.

Contactada pela agência Lusa, a SAD do Desportivo das Aves recusou comentar as dívidas reivindicadas pelo antigo internacional dos escalões jovens das seleções francesas, depois de ter confirmado em 08 de abril que o acerto dos vencimentos previa o pagamento dos dois primeiros meses do ano a Beunardeau e Welinton.

“Todo o plantel enviou-me mensagens a desejar boa sorte para o futuro. Perguntaram o porquê da rescisão, mas sei que estão comigo e acabaram por concordar, visto que passamos pela mesma situação”, considerou o atleta, recrutado aos franceses do Metz em julho de 2018, após representar Le Mans, Nancy e os belgas do Tubize.

O gabinete jurídico da SAD contestou junto da FIFA a legalidade das duas rescisões unilaterais e instaurou um processo disciplinar a Quentin Beunardeau, por declarações à comunicação social sem autorização do clube, nas quais garantiu que a ex-diretora executiva Estrela Costa repôs salários ao iraniano Mohammadi e a Welinton Júnior antes da derrota com o Sporting (2-0), em 08 de março, da 24.ª jornada do campeonato.

“Claro que não é justo. Ou paga a todos ou não paga a ninguém, porque devemos estar todos juntos como equipa. Ganhei uma primeira parte, uma vez que agora sou jogador livre, e já respondi ao clube, mas o meu advogado é que sabe disso”, explicou à Lusa o gaulês, de 26 anos, que estava vinculado ao emblema da Vila das Aves até junho de 2022.