A escritora portuguesa Maria Velho da Costa, uma das “Três Marias” e autora das Novas Cartas Portuguesas (juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta), morreu este sábado, aos 81 anos, disse à agência Lusa a realizadora Margarida Gil, amiga da família. Faria 82 anos no próximo dia 26 de junho. Segundo Margarida Gil, a premiada romancista estava fisicamente debilitada, mas lúcida, e morreu de forma súbita em casa, em Lisboa.

Nascida em Lisboa, em 1938, Maria Velho da Costa licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras de Lisboa e deu aulas como professora de ensino secundário no início da sua carreira. Viria a ser leitora do departamento de Português da King’s College de 1980 a 1987 e adjunta do secretário de Estado da Cultura do Governo de Maria Lurdes Pintasilgo, o escritor Hélder Macedo.

Sobre essa experiência, diria ao Público, numa entrevista publicada em 2013, que embora Hélder Macedo tenha sido “exemplar” e “muito pouco autocrático”, “há tiques, de esquerda e de direita, que a posição de governante dá a toda a gente”. Contudo, sempre se assumiu como uma “mulher de esquerda”.

Na manhã deste sábado, Marcelo Rebelo de Sousa prestou “homenagem a uma obra invulgar e memorável”: “Maria Velho da Costa marcou, a vários títulos, o seu tempo, o nosso tempo”, disse o Presidente, enaltecendo o seu papel no antigo regime, quando sofreu a perseguição judicial e política às “Novas Cartas Portuguesas”.

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“Poucos ficcionistas portugueses contemporâneos escreveram livros tão cultos e inventivos, tão exigentes e insubmissos. Maria Velho da Costa era uma ficcionista com aguda consciência de não-ficção, da poesia, do cinema”, considerou o Presidente numa nota publicada na página da presidência, destacando a autora como uma escritora “muito atenta à dominação das mulheres e a outros mecanismos ancestrais”, e de “grande consciência ideológica e crítica”.

Marcelo destacou ainda o trabalho de Maria Velho da Costa como professora em Portugal, e mais tarde no Reino Unido, e as funções públicas na Secretaria de Estado da Cultura, na Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e no Instituto Camões.

Considerada uma das vozes renovadoras da literatura portuguesa desde a década de 1960, é autora dos romances Maina Mendes (1969), Casas Pardas (1977) e Myra (2008). Em entrevista a Fernando Assis Pacheco, em 1975, descrevia a sua relação com a escrita como “uma necessidade”: “Eu escrevia para me entender e para entender melhor as coisas”, declarou.

Também o primeiro-ministro homenageou a escritora. Numa nota divulgada na rede social Twitter, António Costa lembrou Maria Velho da Costa como “uma das “Três Marias” que ousaram reclamar, para as mulheres, a liberdade que lhes era devida. Sendo, ao mesmo tempo, manifesto e obra literária, “Novas Cartas Portuguesas” inscreve Portugal na história da luta pelos direitos das mulheres”. Diz ainda o primeiro-ministro que “Maria Velho da Costa deixa-nos uma obra inovadora, que merece todos os leitores que venha a encontrar”.

Juntamente com Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno, foi autora das Novas Cartas Portuguesas (1972), uma obra literária que denunciava a repressão e a censura do regime do Estado Novo, que exaltava a condição feminina e a liberdade de valores para as mulheres, e que foi não só censurada como valeu às três autoras um processo judicial.

“As Três Marias”, como ficaram conhecidas, sentaram-se no banco dos réus acusadas do crime de “ofensas à moral pública”, num julgamento que mobilizou até as atenções da imprensa internacional. “Nas cartas foi uma agressão. Foi horrível. Eu estava a trabalhar a pleno nessa altura. Nenhuma de nós tinha consciência de que estava a fazer uma coisa que viesse a ter o peso e a importância internacional que teve”, confessou ao Público em 2013. O julgamento acabaria com as autoras a serem ilibadas, já após o 25 de Abril de 1974.

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Maria Velho da Costa foi também a primeira mulher a tornar-se presidente da Associação Portugesa de Escritores e viria a receber o Prémio Camões, em 2002, pela sua obra literária. Em 2013, recebeu o Prémio Vida Literária, da APE, afirmando, no discurso de aceitação, que a literatura não é só “uma arte, um ofício”, mas também “a palavra no tempo, na história”. “Os regimes totalitários sabem que a palavra e o seu cume de fulgor, a literatura e a poesia, são um perigo. Por isso queimam, ignoram e analfabetizam, o que vem dar à mesma atrofia do espírito, mais pobreza na pobreza”, afirmou na altura.

No campo político, foi ainda adida cultural em Cabo Verde (1988-1991), tendo também pertencido à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.  Em 2003, foi feita Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e, em 2011, Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.

Notícia atualizada na manhã de domingo com as reações do Presidente da República e do Primeiro-Ministro.