Aos 16 anos, foi operada ao joelho e esteve vários meses sem poder andar. De lá para cá, durante os últimos 10 anos, Garbiñe Muguruza nunca tinha voltado a estar tanto tempo na mesma cidade. “Estou a bater um recorde. De repente, a vida disse: ‘Ei, há muito mais coisas do que o ténis, talvez seja um bom momento para te preparares para quando aquele dia chegar. Para quando tiveres de pousar a raquete'”, explicou a tenista espanhola, a quem a quarentena obrigou a parar pela primeira vez numa década inteira.

Num artigo na Vogue espanhola, Muguruza garante que estes meses têm mesmo servido para se preparar para o fim da carreira, já que “não estava pronta para o grande vazio” que foi não poder jogar ténis. “Quando cheguei a casa, confusa e sem nenhum plano, pensei: ‘E agora?’. A minha vida, o hábito de viajar a um ritmo frenético, da pressão e do esforço físico, estava parada de um dia para o outro. Não estava preparada para não poder preencher esse tempo livro com nada comparável”, conta a tenista, atual número 16 do ranking WTA, que já conquistou Wimbledon e Roland Garros e no passado mês de janeiro chegou à final do Open da Austrália, onde perdeu para Sofia Kenin.

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“As minhas malas estão em casa há mais de dois meses e, para minha surpresa, não tenho pressa de as refazer. O mundo disse-nos ‘stop’ e colocou-nos no nosso sítio. Agora, os dias têm realmente 24 horas. Os minutos vão passando e isso supõe que a minha cabeça se veja invadida de ideias”, diz Muguruza, que no final de fevereiro estava nos Estados Unidos a preparar a participação no torneio de Indian Wells, que acabou por ser cancelado, e que tem cumprido a quarentena em Genebra, na Suíça. Com casa perto do lago Leman, tem aproveitado “a calma e o silêncio” para observar as ovelhas e as vacas da quinta dos vizinhos, mas garante que existe uma exceção à tranquilidade da vida mais rural. “Pontualmente, converto-me numa mulher cosmopolita quando o cartão de crédito me pede sair da carteira e aí passo a ser a Carrie Bradshaw à procura de novos ‘Manolos’. Mas é só isso”, brinca a atleta, em referência à personagem de Sarah Jessica Parker na série “O Sexo e a Cidade”, cujo designer de sapatos favorito é Manolo Blahnik.

A tenista espanhola de 26 anos, que nasceu em Caracas e tem dupla nacionalidade, já que se mudou para Espanha com os pais ainda criança, sublinha a forma como o ténis “rapidamente se tornou algo insignificante”. “De repente, saímos da nossa bolha do circuito. O que se estava a passar acima de nós era muito maior e muito mais grave”, que acrescenta que não se identifica com o “mundo vazio, solitário, de prazeres efémeros” em que atualmente todos vivemos. “Estamos rodeados por um mundo superficial: meios de comunicação, câmaras, pessoas interesseiras ou a famosa sociedade em que o mais importante é o Bentley que tens. São as experiências únicas e partilhadas que nos nutrem, que alimentam a nossa visão, a nossa perspetiva e a vontade de viver”, atira Muguruza.

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A atleta aproveitou estes meses de paragem forçada para voltar a estudar e concluir quatro cursos online: dois de Nutrição e Saúde, da Universidade de Stanford, outro de Psicologia, da Universidade John Hopkins, e ainda um de Ciência do Exercício, pela Universidade do Colorado. E quando “aquele dia” chegar, o dia de pousar a raquete, já tem vários objetivos. “Gostava de fazer entrevistas a personagens interessantes, aprender costura e cozinhar, e até pegar num pincel e numa tela pela primeira vez e deixar que saia o que tem de sair”, revela Garbiñe Muguruza, cuja memória mais gratificante — e a que melhor preenche os requisitos que apresentou para “experiências únicas” — é a de uma viagem à Tanzânia, no passado mês de outubro, em que subiu ao Monte Kilimanjaro.

“Foi a primeira vez que um esforço deste tamanho era só para mim e para mais ninguém. Não existia troféu, não existiam câmaras, não existia cheque. Só a satisfação pessoal que essa experiência me deu”, termina a tenista espanhola.