“Ainda hoje [dia 25 de maio, segunda-feira] li que o presidente da SAD se recandidata exatamente porque levou o clube à insolvência. Portanto, recandidata-se por causa disso mesmo. Mas pronto, é outro tema para outro dia”. No habitual espaço de comentário no Jornal da Noite da TVI, Miguel Sousa Tavares, fintou a questão das eleições do FC Porto, o seu clube, mas não deixou de lançar uma “farpa” a Pinto da Costa, com quem esteve vários anos sem falar como escreveu numa crónica do jornal A Bola em 2014 – numa altura em que a SAD azul e branca lhe colocou um processo por uma resposta em entrevista à Sábado sobre o valor de Ghilas, um avançado do Moreirense. O que poucos se recordavam era que o jornalista, editor e comentador foi de forma indireta um “gatilho” em 1988.

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Depois de um jejum de seis anos, Pinto da Costa, que chegara à presidência do FC Porto em 1982, conseguiu o tão desejado Campeonato em 1985 e voltou a ganhar na época seguinte. Em 1986/87, o Benfica venceu a prova com mais três pontos mas os dragões estavam num outro nível inimaginável para quem tinha conquistado apenas cinco vezes a Liga até meio dos anos 70: já depois de uma derrota na final da Taça dos Vencedores das Taças de 1984 frente à Juventus de Platini, Boniek, Paolo Rossi, Tardelli, Tacconi ou Bonini (2-1), o conjunto azul e branco então liderado por Artur Jorge bateu o Bayern de Matthäus, Rummenigge, Höeness, Brehme ou Pfaff na final da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1987. Pouco depois, entre o final desse ano e o início de 1988, mais dois títulos extra fronteiras: a Taça Intercontinental, no gelo de Tóquio frente ao Peñarol com golos de Gomes e Madjer, e a Supertaça Europeia, com dois triunfos frente ao Ajax com golos de Rui Barros e Sousa.

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Entre 1982 e 1988, ano em que Pinto da Costa teve pela primeira vez um rival nas eleições, o FC Porto ganhou três Campeonatos, duas Taças de Portugal, três Supertaças, uma Taça dos Clubes Campeões Europeus, uma Taça Intercontinental e uma Supertaça Europeia. Seis anos, 11 títulos, entre os quais os três primeiros internacionais para um clube até então fundado em 1906 mas que também nesse ano “mudou” a data de nascimento.

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Numa Assembleia Geral Ordinária que tinha como objetivo discutir e votar o Relatório e Contas da Direção que se referia ao ano civil de 1987, Custódio Castro, que liderava a comissão nomeada pelo clube para estudar aquela que era a verdadeira fundação do FC Porto, destacou que a semente dos azuis e brancos tinha sido lançada em 1893, uma teoria que confirmada por outro associado, Rui Guedes, que mostrou em dois recortes de jornal ainda do século XIX que já havia então referências aos dragões. Os argumentos foram apresentados ao longo da noite com provas documentais e os sócios votaram por uma larga maioria na alteração para restituir os factos, passando assim o artigo inicial dos estatutos a conter que “o FC Porto, pessoa coletiva e de utilidade pública, foi fundado em 28 de setembro de 1893, tendo iniciado imediatamente a sua atividade”. 

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Pinto da Costa chegou, viu e venceu (literalmente). No entanto, Martins Soares, médico que tinha sido apoiado por um grupo de adeptos a avançar com uma candidatura já por altura da final perdida da Taça dos Vencedores das Taças, decidiu desafiar a liderança dos azuis e brancos “empurrado” pelas palavras numa entrevista a Miguel Sousa Tavares. O título era “Tenho medo de não conseguir sair” mas, no interior, a ideia era outra. “Quero sair, preciso de sair… Tenho o direito de sair! Já cumpri o meu dever, ninguém pode dizer que não cumpri”, referia, destacando o sentido de missão que o levou ao topo em 1982 e que colocara o clube na alta roda europeia.

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Quando se candidatou pela primeira vez às eleições do FC Porto, neste caso sem adversário, Pinto da Costa tinha quatro grandes objetivos com tanto de simples de enunciar como de complicado para cumprir:

  1. Contratar José Maria Pedroto para treinador da equipa de futebol;
  2. Recuperar Fernando Gomes, que estava nos espanhóis do Sporting de Gijón, para começar a formar uma equipa capaz de ser regular e que aspirasse à presença numa final europeia;
  3. Rebaixar o estádio das Antas para aumentar a lotação em 20 mil lugares;
  4. Publicar uma revista de grande qualidade (a Dragões);

Em 1988, até a “grande promessa” de Martins Soares, que passava por resgatar Rabah Madjer ao Valencia (para onde tinha seguido após ser campeão europeu), foi concretizada por Pinto da Costa no verão de 1988. Assim, o que verdadeiramente dava alguma “luta” era mesmo a composição da lista aos órgãos sociais, sobretudo a presença de um número 2 (no primeiro elenco tinha quatro vices, um diretor tesoureiro, um diretor de contabilidade e 18 diretores de todas as outras áreas do clube). “Tomei a decisão de esclarecer todos que não haveria número 2, que estariam todos ao mesmo nível e que quem pretendesse essa prerrogativa tinha que alterar os estatutos porque essa figura não existia”, contou. Assim, número 2, só mesmo o João Pinto, como disse numa entrevista.

Martins Soares, médico, foi candidato à liderança do FC Porto em 1988 e 1991, ano em que teve 20% no sufrágio

Numa lista que contava com Adelino Caldeira, atual vice e administrador do FC Porto, e Lourenço Pinto (líder da Associação de Futebol do Porto), Martins Soares teve 535 votos contra 10.196 de Pinto da Costa, que “esmagou” o adversário naquela que foi até então o ato eleitoral com mais participantes (cerca de 12 mil sócios, quase um terço do total de associados à data). Mas o candidato derrotado não baixou os braços. Pelo contrário.

No triénio seguinte, entre desvios de jogadores do Benfica, o FC Porto, que elevara e muito a fasquia, “só” ganhou um Campeonato, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. Martins Soares voltou a concorrer, “apresentou” como sucessor para Artur Jorge o britânico Kenny Dalgish, que tinha sido campeão pelo Liverpool. E ao longo de dois meses conturbados nas Antas houve mesmo o lançamento de panfletos “Pela decência” (o lema da candidatura) a partir de um avião. O resultado foi mais equilibrado, o vencedor foi o de sempre: Pinto da Costa conseguiu quase 80% (79,85%) num sufrágio que teve outro episódio caricato: o comendador Gonçalves Gomes, que tinha sempre ajudado o clube em termos financeiros nos momentos mais conturbados, não se apercebera que as quotas não estavam em dia mas foi autorizado a votar na mesma pela ajuda aos azuis e brancos.

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Desde 1991 e até 2020, não mais Pinto da Costa voltou a ter adversário nas eleições e não mais Martins Soares falou ou voltou a candidatar-se. Já este ano, admitiu essa possibilidade após a apresentação de José Fernando Rio mas acabou por integrar a lista de Nuno Lobo, também ele candidato. Quase três décadas depois, o FC Porto volta a ter um sufrágio eleitoral sem lista única (mais uma lista apenas para o Conselho Superior, a lista D). E, desta vez, sem qualquer tipo de promessa de jogadores ou treinadores porque os tempos também mudaram.

O Observador vai escrever todos os dias um artigo sobre as eleições do FC Porto, a 6 e 7 de junho