Depois de a defesa de Carlos Santos Silva, o empresário amigo de Sócrates, ter dito em alegações finais que tinha havido delação premiada no processo da Operação Marquês por parte de Hélder Bataglia, que acabou beneficiado no processo Monte Branco, esperava-se que o advogado do empresário angolano respondesse. Não o fez logo no arranque da sessão, porque o advogado Rui Patrício pediu ao juiz Ivo Rosa para começar antes pelas alegações de Rui Horta e Costa, mas respondeu cerca de uma hora depois. “Não vou dizer se a Dra Paula Lourenço está certa ou não, mas não posso eu passar por burro”, disse.
Rui Patrício pegou nos “factos” que “estão na acusação”, para mostrar que o seu cliente não foi beneficiado. Isto embora a advogada Paula Lourenço tenha dito que o benefício foi no Monte Branco, de onde também alegou ter nascido o processo que envolve agora o ex-primeiro-ministro José Sócrates. E. olhando para a acusação, é certo que Bataglia foi acusado de cinco crimes de branqueamento de capitais, dois de falsificação de documento, um de abuso de confiança e dois de fraude fiscal, mas não do crime de corrupção como está a maior parte dos 28 arguidos do processo.
No entanto, defende Rui Patrício, nada disso cola com a tese da defesa de Santos Silva de que foram as suas declarações no processo que deram ao Ministério Público matéria para montar a acusação. “O meu cliente não representou uma viragem neste processo”, disse.
Hélder Bataglia confessou, em 2017, em Portugal, que transferiu, em 2008, 12 milhões de euros para Carlos Santos Silva a pedido de Ricardo Salgado. Informação que não tinha especificado em resposta à carta rogatória que lhe foi enviada meses antes, em abril de 2016, para Angola, onde tem domicílio fiscal. “Não é verdade que haja contradição entre as declarações”, defendeu Patrício, “Não estou a dizer que as declarações são boas ou más”, ressalvo. Mas das 40 perguntas enviadas para Angola, o seu cliente só não respondeu à 15.ª, não só por razões “pessoais e empresariais”, mas porque os advogados assim o aconselharam como vem, aliás, descrito no documento.
Já no final da sessão, o advogado concretizou aos jornalistas: “O que está no processo não é uma delação premiada”, lembrando que já tomou uma posição pública sobre este assunto (opondo-se). Dada a resposta a Paula Lourenço, Rui Patrício voltou aos argumentos que defende para que Bataglia não seja levado a julgamento. E o principal foi aquele que já tinha enunciado no requerimento de abertura de instrução, a de que a ter cometido os cinco crimes de que é acusado não poderia ser julgado em Portugal por duas razões: os alegados crimes não foram cometidos em território português, mas em Angola; e naquele país as autoridades já o tinham investigado por suspeitas idênticas, num processo que acabou arquivado, logo a investigação não pode ser replicada noutro país.
Operação Marquês. Bataglia diz que não pode ser punido em Portugal
Os 10 mandamentos para livrar Rui Horta e Costa de um julgamento. E ainda os 7 anões de Vara
Antes de avançar para as alegações de Bataglia, o advogado Rui Patrício alegou em nome de Rui Horta e Costa — um dos arguido que não pediu a abertura de instrução. E fê-lo em 10 tópicos, à semelhança dos “10 mandamentos”. Horta e Costa é acusado de corrupção ativa, branqueamento e dois crimes de fraude fiscal. “Não cometeu nenhum destes quatro crimes”, garantiu a defesa.
O Ministério Público acredita que beneficiou dos dois 2 milhões de euros que o holandês Van Doren, que comprou um empreendimento no Oceano Clube, transferiu para a conta do empresário Joaquim Barroca — valor que foi depois dividido e um desses dois milhões chegou a Armando Vara.
“Como Armando Vara e Joaquim Barroca não explicara como os receberam, o Ministério Público entendeu que houve um crime de corrupção”, disse.
Ao contrário do que refere o MP no despacho de acusação, o advogado diz que o investimento em Vale do Lobo não foi um movimento irracional, muito menos contou com um crédito “viciado” da Caixa Geral de Depósitos. “Onde esta demonstrada a irracionalidade deste movimento? Quem corrompe o Dr Vara para apostar um empréstimo de valor, sozinho, ainda vai prestar garantias pessoais?” interrogou, lembrando que à data “os créditos nos eram metidos pela boca abaixo”.
“O mais que [Rui Horta e Costa] fez foi participar nalgumas reuniões da Caixa” e dar um contributo para os moldes do financiamento, disse Rui Patrício que não quer acreditar que Armando Vara mandasse sozinho no banco público.
“A mim ninguém me convence que era o Dr. Vara e os sete anões à volta”, disse.
O advogado acusa ainda o Ministério Público de, na acusação, cometer “um equívoco enorme no crime de branqueamento”. É que este crime exige um crime precedente e as transferências em si não são, do seu ponto de vista, um crime de branqueamento, mas sim a execução do pacto corruptivo. “Se a vantagem não chegou à esfera do destinatário, não se pode lavar! O pagamento da peita, do suborno é uma coisa, outra coisa é pegar nesse pagamento e ir as compras, depositar aos poucos…”, explicou, lembrando várias vezes que é preciso simplificar, um pouco à semelhança do que faz quando explica qualquer coisa à sobrinha Bárbara, que esta sexta-feira “faz dez anos”.
“O Dr. Rui Horta e Costa não transferiu, não ordenou, não recebeu, nunca falou sequer com o senhor Van Dooren. Qual é o ato de execução que praticou?”, interrogou.
Rui Patrício estabeleceu ainda uma ligação entre a Operação Marquês e o processo Face Oculta, em que Armando Vara foi condenado. “Vara foi uma forma indireta de chegar a Sócrates e foi uma espinha encravada na garganta do MP. E fez-se esta história de Vale de Lobo, tão desprovida de sentido… um ensaio de onde há Vara há Sócrates”, acusou.
Interrogatório a Hélder Bataglia. “Não se dizia ‘não’ ao dr. Ricardo Salgado naquela altura”
Naquela que será a antepenúltima sessão do debate instrutório do processo que envolve o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, foi também a oportunidade de o advogado Manuel Castelo Branco explicar ao juiz porque não devem as sociedades Vale do Lobo e Oceano Clube serem julgadas.
“Aquilo que é difícil entender é como é que uma sociedade vendeu um valor, fê-lo constar nas suas demonstrações financeiras e é acusada de fraude fiscal de um montante que não recebeu e que nunca entrou na sua esfera sequer”, terminou.
Na próxima quarta-feira será o dia da defesa de Sócrates, assegurada por Pedro Delille, alegar ao juiz porque não deve levar o ex-ministro a julgamento. Só depois alegam as defesas dos arguidos que não pediram a instrução — uma fase facultativa do processo em que o juiz de instrução avalia se há indícios para o caso seguir para julgamento.