A nacionalização da TAP é um cenário que volta a estar em cima da mesa, perante a falta de acordo entre o Governo e os acionistas privados sobre os termos da ajuda do Estado à empresa. O Expresso avançou esta terça-feira que a companhia vai ser nacionalizada, depois de os acionistas privados terem inviabilizado um acordo na noite de segunda-feira, relativo a uma ajuda pública até 1.200 milhões de euros, ao recusarem a proposta e as condições do Governo.
O Observador confirmou entretanto que o processo negocial não foi ainda dado como encerrado, e no quadro das conversas que vão decorrer nas próximas horas (pelo menos até quarta-feira), a solução para um acordo pode passar pela saída de David Neeleman do capital da TAP. O acionista americano e brasileiro tem batido o pé às condições impostas pelo Estado na ajuda à empresa e está a bloquear o acordo para viabilizar empréstimo à TAP. Neeleman, que tem vários negócios no setor da aviação no Brasil e nos Estado Unidos, já estava a negociar a venda da sua participação na TAP antes da pandemia.
O Jornal Eco avança entretanto que Humberto Pedrosa, empresário português sócio de David Neeleman, estará a negociar a compra das ações na Atlantic Gateway a empresa detida pelos dois que tem 45% da TAP. O acionista do grupo Barraqueiro tem manifestado publicamente vontade de ficar no capital da transportadora.
A recusa dos privados em aceitar as condições do Estado foi confirmada pouco depois, em audição parlamentar, pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que tem a tutela sobre a TAP. A proposta de ajuda do Estado, disse o ministro, foi chumbada em reunião no Conselho de Administração (da TAP) na segunda-feira. “Era preciso maioria qualificada, ou oito votos a favor. Os privados abstiveram-se (acordo parassocial da Gateway vincula os dois sócios a votar alinhados no conselho de administração da TAP) e por isso foi chumbada”.
“E é por isso está a aparecer um conjunto diverso de notícias”, considerou.
Este desenvolvimento surge depois de ter sido dado como iminente um acordo entre os acionistas privados e o Estado, pelo menos numa primeira fase, de forma a viabilizar o empréstimo de emergência à TAP. No entanto, e apesar de terem sido aceites várias condições, como o reforço dos poderes do Estado na gestão da empresa, e até a conversão dos créditos acionistas injetados pelos privados em capital, não foi possível fechar o acordo esta segunda-feira.
Também esta informação avançada ao Observador foi confirmada na audição do ministro, ainda que por meias palavras. “Se [o sócio privado] aceitar, aceita. Se não aceitar, não aceita. E acabou”. O caminho a seguir, então, seria o Estado aceitar uma proposta de uma saída acordada, que é negativa para todos. “Mas que garanta a paz à TAP e evite o litígio futuro”, sublinhou.
Como? Caso essa proposta não seja aceite, Pedro Nuno Santos garantiu que o Estado fará “uma intervenção mais assertiva na empresa”. Só mais tarde foi mais explícito do que isto.
Se o privado não aceitar as condições do Estado português, nós teremos de intervencionar a empresa, nacionalizar a empresa, sim, ou quer que nós deixemos a empresa cair?”, perguntou o ministro.
Caso a divergência de mantenha, a nacionalização será a forma do Estado intervir na TAP, ainda que não seja certo qual o modelo mais adequado neste momento. Até porque uma nacionalização poderia implicar ter de rever a autorização dada pela Comissão Europeia à ajuda do Estado da TAP, um cenário que o Governo quererá evitar.
Por outro lado, o próprio contrato assinado ente a Gateway e o Estado prevê, em caso de incumprimento ou bloqueio a acionista, a opção do Estado readquirir a posição privada na empresa. E na versão renegociada em 2017 já com os socialistas no poder, até está previsto que o Estado assuma a recapitalização feita pelos privados (os tais 217 milhões de euros emprestados pelos privados que o Governo pretende sejam convertidos em capital, mais os 10 milhões de euros pagos em 2015 pela empresa). E é o direito a uma compensação pelo dinheiro aplicado na TAP que David Neeleman estará a querer fazer valer nesta negociação.
Os deputados também insistiram com Pedro Nuno Santos no sentido de saber – como escreve o Expresso – se o diploma de nacionalização já estava a caminho da Presidência do Conselho de Ministros, para ser aprovado. Ou seja, se a nacionalização é inevitável ou não. E o ministro até se mostrou irritado com a insistência, nomeadamente do CDS-PP.
“Se o decreto vai a caminho? Eu sei lá se vai a caminho ou não! De carro, a pé ou de bicicleta? Olhe, está a 500 metros daqui, na Calçada da Estrela”, ironizou.
Mas o certo é que a hipótese da nacionalização volta, assim, a ganhar força depois de ter sido dado como iminente um acordo entre o Estado e os acionistas privados David Neeleman e Humberto Pedrosa sobre as condições que o Estado pretende impor à gestão da companhia.
Ainda esta segunda-feira, o empresário americano-brasileiro afirmava estar disponível para a entrada do Estado na comissão executiva da empresa, o que o Governo já fez saber que não pretende. No entanto, o principal obstáculo será de natureza financeira e da imposição de os privados, incluindo a companhia brasileira Azul, converterem em capital todos os empréstimos concedidos à TAP. Será sobretudo David Neeleman a bater o pé a esta condição.
David Neeleman garante “empenho dos privados” na TAP e agradece “muito” o apoio do Estado
Os acionistas da TAP estiveram reunidos esta terça-feira numa assembleia-geral para aprovar as contas do ano passado depois da transportadora ter anunciado prejuízos de 395 milhões de euros no primeiro trimestre, ainda sem o impacto mais negativo da pandemia.
“Seria um desastre o país perder a TAP”, diz Pedro Nuno Santos
Numa audição regulamentar na comissão de Economia e Obras Públicas, o ministro com a tutela da TAP, Pedro Nuno Santos, escusou-se, inicialmente, a confirmar ou a desmentir a informação de que a companhia aérea vai, inevitavelmente, ser nacionalizada.
Perante questões do PSD sobre o acordo de ajuda do Estado à companhia, o ministro preferiu insistir nas virtudes do plano criado e já aprovado pela Comissão Europeia, que inclui ajudas de 1.200 milhões de euros e um plano de reestruturação. Pedro Nuno Santos disse ainda que o debate mais difícil para quem acredita na nacionalização da TAP é o de saber se vale a pena. “É preciso que o povo português entenda a importância da TAP”, disse o ministro.
E enumerou: a TAP, enquanto empresa, é uma das maiores exportadoras nacionais, que traz metade dos turistas que chegam a Portugal. Também disse que a TAP ajuda a manter mais de 10 mil postos de trabalho e compra 1.300 milhões de euros por ano a empresas nacionais.
“Seria um desastre para o país perder a TAP, só os fanáticos religiosos da Iniciativa Liberal é que acham que nos podemos dar ao luxo de perder a TAP. São uns irresponsáveis. Acham que no dia seguinte a TAP é substituída por outra companhia qualquer”, disse.
“Temos todos a obrigação de explicar ao pais a importância da TAP”, insistiu.
O ministro também aludiu – porque foi questionado sobre isso por Cristóvão Norte, do PSD – a uma alegada “cláusula secreta” assinada no âmbito da reprivatização da companhia que permitia ao acionista David Neeleman ser indemnizado em caso de nacionalização.
Responsabilidade financeira do Estado aumentou com renegociação socialista de 2017
O jornalista Pedro Santos Guerreiro afirmou, no Jornal das 8 da TVI, que “há uma cláusula secreta” no acordo de privatização que permite a David Neeleman ser indemnizado caso haja uma nacionalização. Segundo esta cláusula, “se algum dia a TAP fosse nacionalizada, Neeleman receberia o valor dos empréstimos que entretanto tivesse feito à TAP mais um valor a partir de uma avaliação profissional a realizar”.
Pedro Nuno Santos rejeitou qualquer cláusula secreta, reiterando que essa cláusula foi explicada e abordada num relatório do Tribunal de Contas de junho de 2018. A auditoria em causa faz uma avaliação da privatização da TAP em 2015 e da revisão dos termos da operação que permitiu ao Estado ficar com 50% do capital da empresa, já com o Governo de António Costa.
Auditoria do Tribunal de Contas. Recompra da TAP aumentou riscos para o Estado
O Tribunal de Contas concluiu que a revisão do acordo com os acionistas privados compromete mais a Parpública em caso de incumprimento ou bloqueio entre acionistas. Isto porque as opções de compra de ações da Gateway, o consórcio que integra os acionistas privados, passam a incluir as prestações acessória e suplementares feitas pelos privados na capitalização da TAP. “Assim, nas situações de incumprimento ou de bloqueio, os novos acordos criaram o risco adicional para o Estado, de pagar, no mínimo, € 217,5 M (a capitalização efetuada pela Atlantic Gateway).”
A auditoria divulgada em 2018 concluiu que “nas situações de incumprimento ou de bloqueio, os novos acordos criaram o risco adicional para o Estado, de pagar, no mínimo, € 217,5 M (a capitalização efetuada pela Atlantic Gateway)”. Será esta a “cláusula” que permite aos acionistas privados serem compensados, caso o Estado aumente a sua participação na TAP nos termos que estão previstos neste acordo.
Antes da revisão do acordo com os privados, o “incumprimento grave e definitivo dos compromissos assumidos pelo comprador atribuía ao Estado (Parpública), o direito potestativo de compra de ações até 100% do capital da TAP SGPS. Tal direito permitia readquirir a participação (61%) da Atlantic Gateway pelo mesmo valor (10 milhões de euros), perdendo esta a capitalização e as prestações complementares de capital colocadas na empresa”.
“Ainda vamos submeter a proposta ao sócio privado e esperamos que seja aceite”
Pedro Nuno Santos disse que a proposta de ajuda do Estado foi chumbada no Conselho de Administração na segunda-feira. “Era preciso maioria qualificada, ou oito votos a favor. Os privados abstiveram-se e por isso foi chumbada”.
“E é por isso está a aparecer um conjunto diverso de notícias. Nós ainda vamos submeter a proposta ao nosso sócio privado [a Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa] e esperamos que seja aceite”, salientou.
Aliás, para Pedro Nuno Santos, as notícias que dão conta que a nacionalização da TAP é uma inevitabilidade correspondem a “um jogo negocial feito na comunicação social em que nós não entramos”. Mas na primeira resposta direta que deu sobre as notícias que saíram esta terça-feira, o ministro confirmou que o jogo ainda não acabou.
Pedro Nuno Santos também comentou as declarações do acionista David Neeleman, que na segunda-feira salientou que estava pronto para aceitar a presença de um representante do Estado na comissão executiva da companhia.
“É até um bocado ridículo. Pedir 1.500 milhões de euros ao Estado e depois vir dizer que até tem disponibilidade para aceitar um representante”, afirmou, com ironia, o ministro. Uma maior intervenção e controlo público na companhia serão efetuados pelo reforço de poderes do conselho de administração onde o Estado tem a maioria dos votos e que atualmente está afastada da gestão executiva da empresa.
Já antes, Pedro Nuno Santos tinha aludido ao “braço de ferro” que existe há semanas entre os privados e o Estado por causa da TAP, nas palavras da deputada bloquista Pires.
“Essa imagem do braço de ferro transite uma imagem de equilíbrio. Não lhe chamemos braço de ferro. Isto resulta apenas da atitude intransigente e firme do Estado, que é a de defender o povo português. Estamos disponíveis a salvar, mas o povo português quer assegurar um conjunto de condições mínimas, equilibradas e razoáveis”, disse Pedro Nuno Santos.
O Estado português, salientou, “está perfeitamente à vontade”.