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O ADN de Pavão ou Seninho que constrói Otávios e Fábios (a crónica do FC Porto-Belenenses SAD)

Este artigo tem mais de 4 anos

Belenenses SAD entrou melhor mas foi atropelado (5-0) por um FC Porto que transforma artistas em guerreiros e que faz crescer guerreiros como artistas em mais um jogo onde querer mais fez a diferença.

Otávio fez a assistência para o golo de Soares que desbloqueou o jogo antes de ser substituído por Fábio Vieira
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Otávio fez a assistência para o golo de Soares que desbloqueou o jogo antes de ser substituído por Fábio Vieira

Miguel Pereira

Otávio fez a assistência para o golo de Soares que desbloqueou o jogo antes de ser substituído por Fábio Vieira

Miguel Pereira

“Foi uma tragédia enorme, ninguém está preparado para ir para um jogo de futebol e ver um colega morrer dentro de campo. É verdade que foi para mim o passe, junto ao banco do FC Porto, antes do meio-campo… Antes tinha dado uma cabeçada, chovia, a bola estava pesadíssima. Foi uma cabeçada enormíssima, eu não tinha dado. Eu tinha dado um passo em frente e não tinha dado… Diz-me vai miúdo, vou para a linha e caiu”. Numa entrevista ao Porto Canal, António Oliveira, antigo jogador e treinador campeão pelos azuis e brancos, explicou o que recorda de um dos momentos mais dramáticos dos dragões em 1973, com morte em pleno relvado num dia 13 ao 13.º minuto de Pavão. Ainda hoje, com uma momentânea interrupção pelo meio, o Belenenses SAD homenageia o antigo médio portista, assim como o FC Porto faz o mesmo em relação a outro craque que partiu cedo, Pepe.

https://observador.pt/2020/07/05/fc-porto-belenenses-sad-dragoes-recebidos-por-verdadeira-multidao-em-jogo-vital-para-o-titulo/

Nessa conversa, Oliveira desfez o mito de que os jogadores só teriam sabido do sucedido no final do encontro, ao dizer que José Vitorino Santana, médico da equipa, lhe dissera ao intervalo no túnel pedindo um segredo que não aguentou na segunda parte por se ter tornado impossível segurar as lágrimas. Mas nessa conversa também o ’10’ explicou o porquê de Pavão ter sido sempre uma referência, “como jogador e como capitão de equipa”. “Foi sempre alguém que tinha uma característica: era muito direto. Se percebesse que alguém estava a humilhar ou a prejudicar qualquer colega, insurgia-se de imediato. Defendia como ninguém o jogador, o ser humano, e era uma pessoa justa, além de um jogador de exceção. Foi passando um para os outros. Parece que estamos aqui e que são palavras mas não, fomos aprendendo. Tivemos e vamos continuar a ter muita gente a passar valores. Os treinadores precisam que os jogadores entendam mas tem de haver depois essa simbiose, essa sintonia, entre o que um quer e o outro tem de fazer, entre o que um faz e o que o outro quer que faça”, destacou o agora comentador.

A recordação vem a propósito da homenagem que é sempre feito pelos azuis do Restelo mas cruza também com a notícia, a má notícia, que marcou o fim de semana do FC Porto: a morte de Seninho, aos 71 anos. O extremo deixou muitas saudades entre antigos companheiros e adeptos que se recordam do antigo extremo na década de 70, que mais não seja pela exibição de glória com dois golos em Manchester na segunda mão da segunda eliminatória da Taça dos Vencedores das Taças. Antes e pelo meio, o Fórmula 1, como era também conhecido, teve de regressar a Angola para cumprir o serviço militar e foi um dos mais utilizados em 1977/78, quando os portistas quebraram o maior jejum sem Campeonatos, de 19 anos. Gomes, o Bibota, recordou as qualidades ímpares. Octávio Machado, futebol à parte, falou de alguém simples e amigo do seu amigo. Mas houve outra história que ficou.

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Morreu Seninho, antigo campeão do FC Porto que rumou aos EUA após a grande noite de Manchester. Tinha 71 anos

Depois dessa exibição em Inglaterra, recebeu uma proposta da Warner, que era a proprietária do New York Cosmos que ficara sem a sua referência Pelé que pendurara as chuteiras. Os meio milhão de dólares por época eram 20 mil contos na moeda portuguesa. Uma fortuna. Seninho ganhava 30 contos por mês nas Antas e pediu 50 contos para renovar, algo que lhe foi negado por ser uma exigência que deixava a equipa sem capacidade financeira para poder acompanhar.  O FC Porto podia não ter recebido nada, o jogador fez questão que não fosse assim e oito mil desses 20 mil contos fossem para o clube, como reconhecimento de tudo o que tinha feito pela sua carreira. Se muitas vezes não é fácil perceber o que é a identidade de um conjunto, exemplos como estes mostram isso na prática.

A propósito de uma entrevista de Defour ao jornal O Jogo, a propósito da capacidade que o FC Porto por onde passou tem para superar o Benfica nos momentos decisivos, Sérgio Conceição remeteu essas explicações para o tal ADN. “Não existe nenhum antídoto, nenhuma poção mágica para isso e eu até preferia começar sempre em primeiro e acabar em primeiro. Isto faz parte do ADN do clube, um clube de gente que trabalha de forma muito séria e que é muito apaixonada por aquilo que faz. Isso está sempre presente mas uns anos são melhores do que outros. Faz parte daquilo que é o futebol”, explicou. E foi nisso que assentou uma caminhada que, em caso de triunfo frente ao Belenenses SAD, poderia no limite permitir que a equipa fosse campeã na próxima ronda.

Por mais que o treinador do FC Porto tentasse contrariar a lógica das “faixas encomendadas”, dizendo que “o objetivo de quem diz isso é mesmo distrair” mas salientando que nesta fase do Campeonato “o estado emocional é muito importante”, foram os próprios adeptos que tinham palavras e ações nesse sentido. Como aconteceu na sexta-feira, quando foram apresentados os novos equipamentos para 2020/21 (com mais riscas do que é habitual, à semelhança da camisola do plantel que ganhou Campeonato, Taça de Portugal e Taça UEFA com José Mourinho em 2002/03) e a maioria dos comentários pedia o escudo de campeão. Como aconteceu este domingo, com uma verdadeira multidão a concentrar-se perto do estágio da equipa, motas e carros a seguir o autocarro e a “explosão” com potes de fumo, tochas e bandeiras grandes à chegada por parte da claque Super Dragões.

Adeptos do FC Porto concentraram-se perto do Dragão para apoiarem a equipa na chegada do autocarro antes do jogo

Fosse por mérito da organização do Belenenses SAD, por excesso de ansiedade pelas receções eufóricas como se fosse já uma festa e não uma manifestação de apoio ou por desinspiração do FC Porto, os azuis e brancos não tiveram um início bom nem fácil de jogo, melhorando de forma crescente até ao primeiro golo e arrumando com a questão a mais de meia hora do final. Otávio esteve no melhor e no pior, entre a assistência com classe para o 1-0 de Soares e alguns lances com más ligações ofensivas, o último a levar Sérgio Conceição a chamar de imediato Fábio Vieira pouco depois dos 60′. O médio brasileiro é um bom exemplo do que é o tal “ADN Porto”: o artista com ginga que às vezes jogava mais sozinho do que pela equipa e que tinha uma propensão maior do que era normal para lesões tornou-se um guerreiro, que chama os companheiros para dar indicações como um líder, que é o jogador com mais amarelos pela forma como vive o jogo. E é um exemplo diferente de outro como Fábio Vieira, aquele jogador nascido e criado na casa, com um pé esquerdo que reclama altos voos e que aproveita cada minuto como se fosse o último. Com mais uma goleada (5-0), o título está mais perto e essa atitude também o explica.

Ficha de jogo

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FC Porto-Belenenses SAD, 5-0

30.ª jornada da Primeira Liga

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Rui Oliveira (AF Porto)

FC Porto: Marchesín; Wilson Manafá, Mbemba, Pepe, Alex Telles; Sérgio Oliveira (Danilo, 71′), Uribe (Vítor Ferreira, 76′); Otávio (Fábio Vieira, 62′), Corona (Luis Díaz, 71′); Marega e Soares (Fábio Silva, 76′)

Suplentes não utilizados: Diogo Costa, Diogo Leite, Tomás Esteves e Aboubakar

Treinador: Sérgio Conceição

Belenenses SAD: Koffi; Nuno Coelho, Ricardo Ferreira (Phete, 64′), Danny Henriques; Calila (Tiago Esgaio, 69′), Pina, André Santos (Show, 60′) e Rúben Lima; Edi Semedo (Dieguinho, 64′), Marco Matias (Cassierra, 64′) e Keita

Suplentes não utilizados: Luís Silva, Robinho e Chano Boukholda

Treinador: Petit

Golos: Soares (31′), Marega (57′), Alex Telles (75′, g.p.), Fábio Vieira (82′) e Luis Díaz (90+2′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Otávio (28′), Keita (40′), Danny (49′), Sérgio Oliveira (69′) e Dieguinho (69′)

Com uma única alteração na equipa em relação às opções iniciais em Paços de Ferreira, com o regresso de Sérgio Oliveira após castigo para o lugar de Danilo Pereira, Sérgio Conceição quis mostrar que os mesmos jogadores eram capazes de ter muito mais qualidade do que aquela que apresentaram no último encontro mas a ideia acabou por não se confirmar. Em determinados momentos, até pelo contrário: sem capacidade de desequilibrar na frente, com um jogo demasiado previsível e sem mobilidade ou velocidade perante a bem organizada defesa do Belenenses SAD. Assim, e até aos 20 minutos, pertenceu a Edi Semedo a melhor oportunidade com um cabeceamento ainda longe da baliza na área que passou muito perto da baliza de Marchesín (15′). E houve mais lances, com um ponto em comum: os dragões falhavam na transição defensiva e os visitantes sabiam sair com qualidade.

[Clique nas imagens para ver os melhores momentos do FC Porto-Belenenses SAD em vídeo]

Aos poucos, as coisas foram mudando. E o golo de Soares, que quebrou uma série de 12 jogos consecutivos sem marcar (daí ter celebrado como se estivesse a espantar os espíritos maus que o assombravam), acabou por ser o fator de viragem num minuto onde duas ações semelhantes não podiam fazer mais a diferença: numa jogada ofensiva interessante em que o Belenenses SAD conseguiu deixar Calica solto na direita, o cruzamento com quatro companheiros de equipa na área saiu demasiado longo e atrasado; na resposta, Corona não conseguiu melhor do que um remate contra um adversário mas, na segunda bola, Otávio recebeu sozinho na direita e cruzou de forma milimétrica para a cabeça do avançado (30′). A partir daí, o FC Porto, que nos festejos do golo ainda ficou a falar de um possível penálti não assinalado antes sobre Uribe, cresceu e viu o 2-0 anulado pelo VAR, num lance onde o médio colombiano combinou com Marega, ganhou um ressalto com o braço e rematou (35′).

No segundo tempo, o FC Porto melhorou na transição defensiva e as exibições seguras de Sérgio Oliveira e Uribe tiveram outra preponderância. Com o Belenenses SAD sem capacidade de saída, como tinha acontecido a espaços antes, percebia-se que um segundo golo mudaria de vez o encontro e foi mesmo isso que aconteceu: Corona, na primeira ação em que conseguiu desequilibrar na frente, foi ao corredor central explorar a profundidade com Marega para o maliano rematar cruzado para o 2-0 (57′). Ainda faltava muito jogo mas a decisão estava traçada, ganhando outros contornos depois da entrada de Fábio Vieira, o jovem médio ofensivo da formação que lançou Luis Díaz para a grande penalidade que Alex Telles transformou no 3-0 (75′), que marcou de livre direto o 4-0 após pedir ao lateral para ser ele a cobrar a falta (82′) e que mostrou não ter medo de arriscar e assumir a candidatura a um lugar nas opções iniciais a breve prazo. Luis Díaz, nos descontos, fez o melhor golo do encontro que fechou as contas e deixou uma primeira data a marcar na agenda: quinta-feira pode ser dia de título.

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