Como se recompõe uma cidade após uma crise de saúde pública? E só olhar para trás, para as lições da história, e ver que não só se ergue como prospera, e ainda incorpora na sua reconstrução os ensinamentos dessa catástrofe. Foi esta a conclusão do 2º Encontros de Urbanismo 2020, promovido pela CML e transmitido online, onde ficou claro que a resiliência de Lisboa à Peste Negra do século XVI, ao Terramoto e tsunami de 1755 ou às violentas epidemias do século XIX e início XX, como seja a tuberculose ou a gripe pneumónica de 1918/19, permitem “relativizar a pandemia de Covid-19”. É o que assegura a investigadora científica, Maria Antónia Pires de Almeida, realçando que alguns comportamentos associados à atual crise sanitária têm até “semelhanças” com o passado, como o medo ou o pânico. Trata-se de emoções quase sempre associadas às pandemias, assim como a questão da culpabilização. “Em todas as epidemias que estudei havia uma atribuição de culpas. A pessoa estava doente porque tinha tido um comportamento desviante. Tentava-se sempre culpar alguém. E isso continuou. Veja-se o caso da Sida. Culpou-se um grupo de pessoas”, assegurando que atribuir culpas individuais “não é a melhor solução”.

Aponta, também, que continuam a existir “diferenças” entre os cuidados médicos prestados nas cidades e que contrastam com a realidade do interior do país, onde estão os mais desprotegidos. “Isso mantém-se até hoje. Basta ver a falta de médicos nos centros de saúde nessas zonas. Essa falha devia ter uma solução política”. Outra lição do passado, segundo a historiadora, prende-se com o facto das respostas políticas nem sempre serem “coincidentes com os conselhos dos médicos”.

E é às páginas da história que regressa para realçar que quando a causa do surto é um micróbio, mas a sua disseminação é o comportamento das pessoas, “cabe ao Estado olhar pela saúde dos seus cidadãos e proporcionar condições aos trabalhadores para viverem e terem mobilidade de forma a não propagarem a doença”, como o fez no passado, tomando consciência que o maior problema de uma pandemia para a qual não havia cura era a “falta de condições de vida das pessoas”, nomeadamente a fome e a falta de higiene. Por isso, quando a doença chegava, “a morte era mais rápida”. Nesse sentido,diz, “devemos ter mais consciência dos nossos privilégios atuais”

Atualmente, segundo Maria Pires de Almeida, estamos mais saudáveis e fortes para aguentar este “embate”. Já Ana Tostões, historiadora de arquitetura, reconhece que uma parte da sociedade não estava preparada para um choque desta dimensão, em pleno século XXI, porque havia a ideia de que estava “tudo garantido”. Certezas que a pandemia veio abalar, em especial no campo da mobilidade. “Não sei se vamos começar todos usar bicicletas. É importante voltarmos aos transportes públicos com segurança”, confirma.

No entanto, explica que as cidades dão “saltos civilizacionais” na sequência destas grandes crises. “A arquitetura e o urbanismo do século XX foram respostas à tuberculose e à cólera do século XIX”, recordando, ainda, que depois do sismo de 1755, Lisboa ganhou um sistema de saneamento básico, um novo traçado citadino mas o remate final do plano pombalino foi um jardim: “O primeiro jardim público da Europa e que deu origem à Avenida da Liberdade e ao Parque Eduardo VII. Esse eixo verde da cidade é a prova da competência dos nossos arquitetos”, conclui a arquiteta.

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