Florentino Pérez, então com 53 anos, tinha conhecido os dois lados da moeda em relação ao que é ganhar e perder nas várias vertentes de uma carreira que o conduziu ao patamar de um das pessoas mais ricas de Espanha mas ao mesmo tempo com a vida mais reservada em termos públicos, contrabalançando as derrotas no mundo da política na União de Centro Democrática (1982) e na “Operação Reformista” de 1986 pelo Partido Reformista Democrático com um enorme sucesso empresarial no privado entre a Construcciones Padrós e, uma década depois, a ACS (Actividades de Construcción y Servicios), que é ainda hoje líder mundial no seu ramo com representação nos cinco continentes, depois de cargos no Ministério do Meio Ambiente, no Ministério da Indústria e Energia, no Ministério dos Transportes e Ministério da Agricultura. A 16 de julho de 2000, tinha o desafio de uma vida.
Candidato à liderança do Real Madrid contra um Lorenzo Sanz acabado de ganhar a segunda Liga dos Campeões em três anos e que gozava ainda da reserva de ter ganho alguns títulos no plano nacional, tinha como argumento o currículo público e a vida das suas empresas como cartão de visita para sanear as contas de um clube que ganhava em campo mas perdia todos os anos fora dele. Aliás, e para complicar ainda mais, as eleições foram agendadas para esse verão quase para selar a garantia de que não haveria mudança na liderança. Como recorda o As, Florentino não se esqueceu da forma como perdera por 698 votos entre quase 35.000 associados para Ramón Mendonza em 1995 e, além de anunciar a contratação de Luís Figo, então grande figura do Barcelona, desenvolveu uma estratégia para chegar aos votantes por correspondência. Os resultados, esses, só chegaram na manhã seguinte, às 10h30. Nas urnas, Sanz tinha uma ligeira vantagem; com os votos enviados por correio, Florentino ganhou por 3.167.
O Real Madrid entrou numa outra era, conhecia como os galácticos (ou, mais tarde, os Zidanes e os Pavónes). Em paralelo com a requalificação dos terrenos da antiga Cidade Desportiva negociada com a Câmara de Madrid que serviu não só para pagar dívida mas também para construir um novo centro de estágios em Valdebebas, vieram para o clube nomes como Figo, Zidane, Ronaldo, Beckham e Owen, plantéis que ganharam dois Campeonatos e uma Liga dos Campeões. Depois, cometeu dois erros que se revelaram crassos: não renovar com Vicente del Bosque e deixar sair Claude Makelélé, então o equilíbrio (pouco) invisível que segurava a equipa mesmo não tendo sucesso na venda de camisolas. Pediu a demissão em fevereiro de 2006, soltando a frase “Eduquei mal os jogadores e eles confundiram-se” e afastando-se de tudo até para estar mais tempo concentrado na família e nos negócios, numa altura em que a mulher, María de los Ángeles Sandoval, conhecida por Pitina, lutava contra um cancro.
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No verão de 2009, e quando a liderança dos merengues caiu num vazio após a saída de Ramón Calderón pelas irregularidades cometidas numa Assembleia, voltou para a sua segunda vida. A ideia dos galácticos não perdeu validade, como se viu nas apostas em Cristiano Ronaldo, Kaká, Benzema, Xabi Alonso, Kroos ou Modric, deixou de fazer erros que lhe custaram caro no passado (Casemiro, sendo herói ou “patinho feio”, nunca saiu), cometeu outros que coincidiram com a sua pior fase, sobretudo no verão de 2018 quando não aguentou a investida da Juventus sobre Ronaldo, assumiu com o tricampeão europeu Zidane que tinha acabado um ciclo e viu o Real cair numa espiral de maus resultados entre uma política desportiva errática. Em março de 2019, havia uma diferença grande nos sucessos europeus, com as Champions de 2014, 2016, 2017 e 2018 a funcionarem como almofada de conforto perante as crescentes vozes contestatárias. No entanto, havia parecenças com 2006.
As nove razões que fizeram Zidane regressar ao Real Madrid nove meses depois de ter saído
Lá fora, o Real voltou a ser quase nos tempos de Alfredo Di Stéfano e companhia: só entre 2014 e 2018 ganhou quatro Ligas dos Campeões, quatro Mundiais de Clubes e três Supertaças Europeias. Em termos internos, perdia terreno para o rival Barcelona, com apenas um Campeonato, uma Taça e duas Supertaças de Espanha. Convencer Zinedine Zidane a regressar foi o primeiro passo para voltar aos eixos, após ter ouvido as bancadas do Santiago Bernabéu pedir a sua demissão após a eliminação na Liga dos Campeões. Agora, a reconquista do Campeonato sela o regresso ao patamar de exceção no clube, que tem outros fenómenos paralelos a colocar os merengues à frente do Barcelona. Dentro do clube, a “blindagem” dos estatutos, num processo que defendeu ser apenas uma reserva para que o clube nunca fosse comprado por um magnata mas que se arrastou durante largos meses (não só o número de anos de filiação aumentou como é necessária uma caução de 15% do orçamento anual), ficou fechada.
O mercado de transferências, numa análise global ao que se passou depois ao longo da temporada, não foi muito feliz. Os 100 milhões de euros investidos em Eden Hazard não deixam dúvidas – o único problema foram mesmo as lesões que foram assolando o belga. Os 60 milhões de euros gastos em Luka Jovic, pelo contrário, não tiveram o mínimo retorno (e deverá ter guia de marcha para próxima época). E os 50 milhões de euros pagos ao FC Porto por Éder Militão também não foram justificados, com a imprensa espanhola a ser muito crítica em relação ao defesa brasileiro. No entanto, e numa equipa que tem nos trintões como Sergio Ramos, Marcelo, Kroos, Modric ou Karim Benzema a sua base, existe já uma preparação para o futuro que é bem percetível com Ferland Mendy, Rodrygo ou Reinier, que se juntaram a Vinícius, Asensio ou Federico Valverde. Os próximos alvos, esses, não deixam dúvidas (mesmo que apontados mais para 2021): Kylian Mbappé, do PSG, e Haaland, do B. Dortmund.
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Agora, as atenções estão centradas naquela que será a última fase do projeto montado por Florentino Pérez para um Real Madrid maior e melhor no futuro: a remodelação do estádio. Para se ter noção do investimento, a obra começou por ter um custo a rondar os 400 milhões de euros, passou para os 475 mihões, subiu para os 575 milhões e, segundo o El Mundo, vai parar aos 812 milhões. E porquê? Todas intervenções feitas no estádio, incluindo um centro comercial com várias lojas e restaurantes, um novo museu interativo para contar a história do clube, uma cobertura retrátil que em termos estéticos dá o toque diferenciador na obra e um ecrã 360º, irão custar os tais 575 milhões de euros (que pela parte não desportiva terá uma maior facilidade de amortização). Depois, os materiais tecnológicos adquiridos são mais 100 milhões e as obras na área envolvente mais 125 milhões. A isso acrescem ainda 237 milhões pagos em juros, sob parcelas de 29 milhões de euros por ano, que terão de ser liquidados pelo empréstimo contraído nos bancos americanos Merrill Lynch e JP Morgan.
“Este vai ser o início definitivo de uma autêntica revolução e inovação arquitetónica no nosso estádio. O Santiago Bernabéu vai tornar-se num grande ícone vanguardista e universal. No coração de Madrid, será o melhor estádio do mundo. Estamos perante um dos grandes projetos de futuro para o Real e, por consequência, para a cidade. O nosso futuro vai passar necessariamente por este novo Santiago Bernabéu como referência do século XXI, um estádio moderno, confortável, seguro e desenhado para o entretenimento com zonas de lazer e restauração onde a tecnologia mais avançada será a chave para que os fãs percebam as novas experiências. É isto que nos vai permitir continuar a crescer e serão as suas receitas que pagarão a sua reforma, por forma a que o Real Madrid continue a ser competitivo num cenário do futebol internacional cada vez mais difícil”, destacou.
Ao todo, e olhando apenas para o futebol (porque também no basquetebol ganhou vários títulos nacionais e voltou a triunfar na Europa, havendo agora outro projeto em desenvolvimento que passa pelo futebol feminino), o líder do Real Madrid ganhou o 26.º título no dia em que comemora 20 anos da primeira eleição para o cargo: cinco Ligas dos Campeões, cinco Campeonatos, cinco Mundiais de Clubes, cinco Supertaças de Espanha, quatro Supertaças Europeias e duas Taças de Espanha. Tudo em 959 jogos, onde os merengues somaram 634 vitórias, 162 empates e 163 derrotas, marcando 2.258 golos e sofrendo 992, entre 13 treinadores: Vicente del Bosque, Carlos Queiroz, José Antonio Camacho, García Remón, Vanderlei Luxemburgo, López Caro, Manuel Pellegrini, José Mourinho, Carlo Ancelotti, Rafa Benítez, Zinedine Zidane (o único que voltou), Julen Lopetegui e Santiago Solari.
Florentino: "It's not time to celebrate, there'll be time to do it, everything that's going on is very serious and our fans understand it. We are not going to City Hall or Community; tomorrow the mayor and the president come and we'll do a little act." pic.twitter.com/WJDZ6nxbwf
— M•A•J (@Ultra_Suristic) July 16, 2020
Se Santiago Bernabéu foi enquanto presidente o líder mais carismático do Real Madrid, com 1.401 jogos e 33 títulos conseguidos entre 1943 e 1978 (um reinado apenas superado pelo português Jorge Nuno Pinto da Costa), entre os quais 16 Campeonatos e seis Taças dos Clubes Campeões Europeus, Florentino Pérez prolongou a grandeza que o clube enraizou nesse período e prepara-se para dar o último toque num projeto que coloca a formação de Madrid preparada para o futuro e apostada em recuperar também o trono inequívoco no plano interno.
Taça ao alto!???? E Zidane também ???? #LaLigaEleven #ForTheFans pic.twitter.com/i6XRxOh8lM
— DAZN Portugal (@DAZNPortugal) July 16, 2020