Rui Pinto começa a ser julgado em 4 de setembro por 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Aníbal Pinto, advogado de Rui Pinto à data dos factos, será julgado pela tentativa de extorsão à Doyen.
Rui Pinto, criador da plataforma Football Leaks e também responsável pelo processo Luanda Leaks, em que a angolana Isabel dos Santos é a principal visada, está em liberdade, encontrando-se agora inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial, por questões de segurança.
No início de junho, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso do MP e manteve a decisão instrutória, proferida em 17 de janeiro, que pronunciou (levou a julgamento) Rui Pinto por 90 crimes e não pelos 147 que constavam da acusação do MP.
Em setembro de 2019, o MP acusou Rui Pinto de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol e da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A procuradora Marta Viegas, a magistrada do MP que estará presente no julgamento, defendeu a manutenção da medida de coação de permanência na habitação, com proibição de aceder à Internet e a dispositivos que o permitam. Em causa estaria o artigo 204.º do Código de Processo Penal, que prevê perigo de fuga, perigo para a conservação ou veracidade da prova, perigo de continuação da atividade criminosa ou perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas como motivos para fundamentar a privação de liberdade. Contudo, a juíza Margarida Alves justificou a libertação com a “contínua e consistente colaboração” com a PJ e o “sentido crítico” do criador do Football Leaks.
‘Herói’ para uns, por expor na internet alegadas práticas ilícitas e potenciais esquemas de evasão fiscal por grandes nomes e instituições do futebol, ‘vilão’ para outros, por ter acedido ilegalmente a sistemas informáticos privados: assim é a polarização mediática criada em torno de um jovem de 31 anos que frequentou na Universidade do Porto a licenciatura em História e se fez autodidata ao nível dos conhecimentos de informática.
O ‘caso Rui Pinto’ não tem paralelo na história recente da justiça portuguesa e provocou um debate internacional sobre o conceito de ‘whistleblower’ (denunciante) e o equilíbrio entre o direito à reserva de pessoas e empresas e o alegado interesse público nas informações obtidas através da plataforma Football Leaks.
A defesa do criador do site — a cargo dos advogados William Bourdon (que já representou denunciantes como Edward Snowden ou Antoine Deltour), Francisco Teixeira da Mota e Luísa Teixeira da Mota — invoca na sua argumentação a inclusão do arguido sobre a proteção de denunciantes, um regime sobre o qual o Parlamento Europeu aprovou uma diretiva em abril de 2019 e que o Estado português tem ainda de transpor para a legislação nacional.
Esta legislação — a primeira a nível europeu sobre a proteção dos denunciantes — aplica-se às pessoas que pretendam alertar para eventuais violações do direito da União Europeia em vários domínios, incluindo o branqueamento de capitais, a fraude fiscal, a contratação pública, a segurança dos produtos e dos transportes, a proteção do ambiente, a saúde pública, a proteção dos consumidores e a proteção dos dados pessoais.
A sustentar a tese dos representantes de Rui Pinto — na qual o interesse público das informações reveladas supera a gravidade dos alegados ilícitos cometidos — está a colaboração com as autoridades judiciais de França, Bélgica e Países Baixos na condição de denunciante até à sua detenção, e que foi confirmada pelo Eurojust, a Unidade Europeia de Cooperação Judicial, com o fornecimento de informações e documentos que tinha em sua posse.
Paralelamente, na lista de 45 testemunhas arroladas pelo jovem português figuram vários nomes sem ligação conhecida aos factos que constam no processo, mas que poderão relevar o interesse público das informações expostas. Entre as testemunhas destacam-se o denunciante norte-americano Edward Snowden, a ex-eurodeputada Ana Gomes, o diretor da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, ou o jornalista e ativista angolano Rafael Marques.