Um novo neuroestimulador, aprovado para uso humano na Europa em janeiro deste ano, permite em simultâneo gerar estímulos e efetuar a leitura do sinal cerebral nas zonas profundas do cérebro. No final de junho, foi aplicado no Hospital de São João, no Porto, sendo a primeira vez a nível mundial que este modelo é implementado e usado na monitorização de um doente epilético ao longo de uma semana. O objetivo? Estudar novas abordagens para a terapia por estimulação adaptativa nesta doença neurológica.
Ricardo Rego, coordenador da Unidade de Monitorização de Epilepsia do Serviço de Neurologia do São João e do Centro de Referência de Epilepsia Refratária, explica ao Observador que existem dois grupos de doentes epiléticos: os que são tratados com medicação e conseguem ter uma vida normal, controlando a frequência das suas crises; e os diagnosticados com epilepsia refratária, resistentes a medicamentos e que representam um terço dos doentes.
Neste segundo grupo existem várias opções terapêuticas, como a cirurgia, por exemplo, que elimina a lesão no cérebro, mas que só pode ser realizada caso seja identificada a região dessa mesma lesão e que esta não represente os dois hemisférios cerebrais. Neste tipo de doentes não candidatos a cirurgia, opta-se pela neuroestimulação para melhorar o controlo da epilepsia, sendo colocada uma bateria de forma subcutânea na clavícula, uma espécie de pacemaker. “É um tratamento paliativo, onde apenas 5% dos doentes ficam curados, mas 90% melhoram e reduzem para metade ou até menos as crises e a sua intensidade”, afirma o médico Ricardo Rego.
A estimulação cerebral profunda já é utilizada há alguns anos em casos epilepsia, mas tem sido feita de forma “cega”, ou seja, o sistema não dava qualquer feedback do seu comportamento, a não ser o relato do próprio doente que comunicava ter mais ou menos crises. A comunidade médica tem, assim, procurado evidências de que é possível alargar e melhorar a utilização desta técnica baseando a estimulação na informação que é possível ler no cérebro, enquanto a terapia é administrada.
Com esta novidade, médicos e investigadores ficam a saber como o sinal elétrico funciona, qual o seu potencial, flutuação e atividade. “A longo prazo poderá ter também a vantagem de detetar uma crise, programar, ajustar e personalizar o próprio neuro estimulador, acrescentando impulsos elétricos, de forma a atacar precocemente um desequilíbrio. O segundo passo poderá passar por encontrar alterações pré crises, para conseguirmos antecipá-las”, sublinha o especialista, acrescentando ter esperança de que esta nova geração de neuroestimuladores possa vir a ser mais eficaz do que as atuais, “uma vez que a médio prazo seremos capazes de modular os parâmetros elétricos de estimulação de forma bem individualizada”.
Dados obtidos no teste serão objeto de estudo nos próximos meses
Esta nova tecnologia foi lançada no início do ano pela americana Medtronic na Europa e avança para novas abordagens de estimulação “adaptativa” ou “reativa”, “o que poderá fazer toda a diferença na qualidade de vida dos doentes”, diz ao Observador João Paulo Cunha, coordenador do Centro de Investigação em Engenharia Biomédica do INESC TEC.
No fim de junho, o primeiro teste aconteceu no Hospital de São João, no Porto, num doente com epilepsia crónica e incapacitante, o primeiro no mundo a ser implementado com o novo dispositivo e a ser monitorizado numa unidade de internamento especializada durante vários dias.
“Pela primeira vez, com este neuroestimulador, conseguimos medir alterações dos sinais elétricos nas zonas profundas do cérebro e à superfície (usando Eletroencefalografia convencional), e medir os movimentos induzidos por eventos epiléticos em 3D (utilizando a tecnologia 3D vídeo-EEG, desenvolvida pelo INESC TEC) à medida que programávamos diferentes níveis de estimulação cerebral. Também procurámos averiguar que tipo de atividade elétrica medida por este novo neuroestimulador nos pode ajudar a melhor detetar, ou até prever, a ocorrência de crises epiléticas”, explica João Paulo Cunha, também professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
Os dados obtidos durante a semana de monitorização irão agora ser objeto de estudo aprofundado nos próximos meses, de forma a analisar todas as componentes em causa: estimulação, sinais cerebrais profundos, sinais cerebrais superfície e movimento 3D do doente. O trabalho será realizado por uma equipa pluridisciplinar, que inclui médicos dos serviços de Neurofisiologia e de Neurocirurgia do Hospital do São João e engenheiros do INESC TEC.
Os serviços do São João já está a implantar mais neuroestimuladores iguais noutros doentes. “Mesmo que não existam resultados práticos, não os iremos prejudicar”, sublinha o médico Ricardo Rego ao Observador. O hospital do Porto tem ainda uma colaboração nesta área com o Hospital Universitário de Tampere na Finlândia e com o Hospital Universitário de Munique na Baviera, o que vai permitir elevar muito o número destes casos para acelerar a descoberta de novas terapias de estimulação adaptativas em epilepsia.